24 Abril 2024
“Em março, Israel fez declarações públicas de que um número significativo de funcionários da UNRWA são membros de organizações terroristas. No entanto, Israel ainda não apresentou provas que sustentem essas afirmações”, é o que reporta o relatório Colonna, encomendado pelas Nações Unidas após as acusações israelenses sobre supostas ligações do pessoal da UNRWA com o Hamas. O grupo de analistas, liderado pela ex-ministra francesa das Relações Exteriores, Catherine Colonna, falou durante as nove semanas de elaboração do relatório, com duzentas pessoas, entre altos dirigentes da agência na região, funcionários dos estados doadores e dos países onde atua, bem como funcionários israelenses, da Autoridade Palestina e egípcios.
A reportagem é de Francesca Mannocchi, publicada por La Stampa, 23-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O relatório destaca que a agência deveria implementar um controle mais rigoroso dos membros do pessoal para garantir a neutralidade e trabalhar para restaurar a confiança dos doadores, mas enfatiza que a UNRWA forneceu regularmente a Israel as listas dos seus funcionários para serem submetidos a controles e que “o governo israelense não informou a UNRWA de quaisquer preocupações relativas a qualquer membro da equipe da UNRWA com base nessas listas do pessoal desde 2011.” Em janeiro passado, Israel acusou uma dúzia de funcionários da agência de um envolvimento no ataque de 7 de outubro, a reação imediata foi a suspensão dos fundos pelos principais países doadores. Desde então, a maioria reativou os financiamentos, mas as suas contribuições são significativamente inferiores àquelas dos Estados Unidos, cujos fundos representavam 30% do orçamento da Agência. No mês passado, o Congresso dos EUA aprovou a proibição contribuir para a UNRWA até março de 2025.
A reação é lenta, obviamente, pois demanda investigação. Quando o contraditório é finalmente produzido, já se passou um mês. O assunto já mudou. A correlação de forças entre a acusação e a defesa é completamente desproporcional. 3/7
— João Paulo Charleaux (@jpcharleaux) April 23, 2024
Após a criação do Estado de Israel e o consequente deslocamento de 700 mil palestinos de suas terras, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou duas resoluções: a primeira, 194, sancionou o direito dos refugiados palestinos de retornarem às suas casas e instituiu a Comissão de Conciliação para a Palestina, para promover uma solução política duradoura. No ano seguinte, a segunda resolução, 302, estabeleceu a UNRWA como órgão de execução de programas de socorro que encorajariam os palestinos a estabelecerem-se nos países vizinhos. A Agência, que deveria ter um mandato temporário, com o declínio de uma solução política para o conflito e da questão palestina, transformou-se efetivamente num órgão que desempenha funções de Estado, fornecendo estruturas de ensino, infraestruturas, formação profissional, assistência sanitária para seis milhões refugiados e seus descendentes em Gaza, Cisjordânia, Líbano, Jordânia e Síria e emprega 30 mil pessoas.
Na semana passada, o comissário geral da agência, Philippe Lazzarini, no Conselho de Segurança em Nova York reiterou aos embaixadores que o desmantelamento da UNRWA iria precipitar a crise humanitária de Gaza e aceleraria o início da carestia, porque as entregas das ajudas continuam a ser barradas por Israel como parte de uma "campanha insidiosa" para expulsar os palestinos dos Territórios Ocupados. Minar a existência e o funcionamento da agência, disse Lazzarini, teria outras repercussões duradouras, deixaria meio milhão de crianças sem educação, “alimentando raiva, ressentimento e infinitos ciclos de violência”, e colocaria em risco a transição uma vez terminada a guerra, privando a população de Gaza de serviços essenciais: escola, remédios, alimento. Durante a mesma sessão, o Embaixador Gilad Erdan reiterou as posições de Israel. Não só a necessidade de “cortar todos os fundos”, mas também declarou que a UNRWA é “o maior obstáculo das Nações Unidas para uma solução, porque a organização está criando um mar de refugiados palestinos, milhões de doutrinados em acreditar que Israel pertence a eles. O objetivo final – disse – é usar esses chamados refugiados e o seu difamatório direito de retorno – um direito que não existe – para inundar Israel e destruir o Estado judaico”.
E afirmou que a agência está completamente infiltrada pelo Hamas: “Hoje em Gaza, a UNRWA é o Hamas e o Hamas é a UNRWA”, novamente sem fornecer provas.
200 days into the war, destruction is everywhere in #Gaza. Damage to critical infrastructure is immense. Over a million people have lost their homes and 75% of the population has been displaced. It will take years to remove the debris.
— UNRWA (@UNRWA) April 23, 2024
A #ceasefire is the only remaining hope. pic.twitter.com/ltpAAvqkXC
O impacto dos cortes dos fundos atingirá mais duramente Gaza, mas a UNRWA é o principal canal de apoio humanitário não só na Faixa e na Cisjordânia, mas também para as comunidades de refugiados palestinos na Jordânia, Síria e Líbano.
De acordo com funcionários da Agência, na Cisjordânia o governo israelense implementou uma campanha de assédios e repressão. Centenas de funcionários não conseguem mais chegar aos seus postos de trabalho, retidos em postos de controle pelos soldados.
Um banco israelense congelou uma conta de agência de 3 milhões de dólares, a prefeitura de Jerusalém está pressionando para despejar a sede local, e o governo cortou o fornecimento das autorizações de residência para os funcionários internacionais, com a consequência de que alguns cargos de responsabilidades estão vagos há meses. No Líbano, 80% dos 250 mil palestinos presentes no país vivem abaixo da linha da pobreza. Dependem da UNRWA 28 centros de saúde, a educação de 40.000 crianças e a gestão de redes básicas de água, das redes elétricas e das infraestruturas de 12 campos de refugiados.
Mesmo aí, os refugiados contam, ou melhor, dependem da Agência das Nações Unidas, porque não têm acesso ao setor público do país e os custos dos serviços no setor privado são impossíveis de atender. Dorothée Klaus é a diretora da UNRWA no Líbano: “Também no Líbano, muito antes de 7 de outubro, a UNRWA trabalha com recursos limitados – explica – e a redução dos fundos implica que já reduzimos de 50 dólares para 30 dólares o apoio trimestral que damos a 65% da população vulnerável, e falamos de crianças, pessoas idosas com deficiência e outros que têm patologias crônicas." Considerando tudo isso, segundo Klaus, a UNRWA poderá continuar as suas atividades até junho, após o que “tudo se tornará extremamente difícil. Teremos que decidir quais serviços suspender, porque tudo é essencial. Ou seja, decidir se fechar escolas ou centros de saúde. Cuidar as crianças ou mandá-las para a escola? Estamos diante de escolhas impossíveis." Enquanto isso, de acordo com dados fornecidos por Lazzarini ao Conselho de Segurança, desde 7 de outubro, 178 funcionários da UNRWA foram mortos, mais de 160 das suas estruturas foram danificadas ou destruídas.
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UNRWA, o relatório da ONU desmente Israel: “As acusações de conluio com o Hamas são infundadas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU