06 Abril 2024
"A incredulidade está, em todo o primeiro milênio, entre as acusações mais difundidas contra os judeus. Os judeus que não aceitaram o Messias, não o reconheceram como tal, não acreditaram nele", escreve Anna Foa, historiadora, escritora, intelectual da religião judaica, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 02-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para um olhar treinado na história do antijudaísmo e do antissemitismo, a passagem de João 20,19-31, com o episódio da incredulidade do apóstolo Tomé, faz soar o alarme.
E não só porque não aparece nos Evangelhos sinópticos e está presente apenas em João, considerado, com ou sem razão, o mais crítico dos Evangelhos para com os judeus, mas sobretudo porque a incredulidade está, em todo o primeiro milênio, entre as acusações mais difundidas contra os judeus. Os judeus que não aceitaram o Messias, não o reconheceram como tal, não acreditaram nele. É a acusação principal, muito mais difundida do que aquela de deicídio, que, por sua vez, se tornará dominante apenas no clima das cruzadas, com a ênfase na paixão e no deicídio.
No entanto, a passagem do Evangelho joanino não aparece entre aquelas a que se referem os Padres da Igreja em sua polêmica muito dura contra os judeus. Tanto que, posteriormente, por volta do século VII, para definir a incredulidade judaica, referir-se-á a um termo completamente diferente: "perfídia", o mesmo que no século XX sofreu tantas modificações e sobre o qual se iniciaram muitos debates.
A incredulidade do apóstolo Tomé, numa época em que certamente não se fazia questão de frisar o judaísmo de Jesus e de seus seguidores, permanece, portanto, confinada no âmbito do cristianismo nascente, e acaba também por desaguar na fé, na crença na ressurreição, mesmo que Tomé para acreditar tenha tido que "tocar com a mão" a evidência da prova, a prova que, porém, resulta numa exaltação daqueles que, sem tocar, ainda assim creem. Em suma, não é uma exaltação da dúvida, aquela narrada no Evangelho de João.
A incredulidade dos judeus, embora tão ressaltada em chave antijudaica, é mais coletiva, de todos os judeus, e fruto de sua “dura cerviz”. E não inclinada a levar a uma conversão à fé em Cristo: a eles não bastaria tocar seus estigmas para crer. E não seria suficiente lembrar Tomé para redimi-la. Uma clara diferenciação entre o “nós” e os outros, apesar de se tratar sempre de incredulidade, embora com nome diferente.
Uma incredulidade, porém, aquela do apóstolo Tomé, lembrada ao longo dos séculos, pintada, esculpida, tomada quase como provérbio popular. Sabemos que são inúmeras as obras que a retratam, mas a maior de todas é, sem dúvida, creio eu, a pintura de Caravaggio, com o olhar absorto e intenso do apóstolo que toca as chagas de Cristo, e um Cristo por sua vez curvado sobre o dedo de Tomé, como que para verificar Ele também a Sua ressurreição.
Uma imagem esta que, ao contrário, bem poderia representar a dúvida.
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Da incredulidade à fé. Artigo de Anna Foa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU