Tomé, um homem que questiona e a quem Cristo acolhe. Artigo de Eugenio Bernardini

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20 Abril 2020

Apesar das dúvidas, oito dias depois, Tovmé ainda está lá, junto com os outros. Nós o reencontramos no seu lugar de sempre, junto com a sua comunidade. Ele não rompe com ela, não inventa uma nova, feita à sua imagem. Ele está lá, junto com os seus irmãos e as suas irmãs.

A opinião é do teólogo e pastor italiano Eugenio Bernardini, ex-moderador da Mesa Valdense, órgão representativo e administrativo da Igreja Valdense. O artigo foi publicado por Il Fatto Quotidiano, 19-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

“Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (João 20,25).

É assim que o apóstolo Tomé reage ao anúncio dos outros discípulos de que tinham visto e ouvido, pouco antes, o Senhor ressuscitado.

Ele, Tomé, “não estava com eles quando Jesus veio” (v. 24) e, portanto, não pôde ver “as mãos e o lado” (v. 20) que o Ressuscitado havia mostrado. Apesar dessa justificativa, Tomé é apresentado frequentemente como um exemplo negativo: crente, sim, mas de fé fraca, alguém que não sabe crer se não tocar e não ver. Embora a fé devesse ser “certeza daquilo que ainda se espera, a demonstração de realidades que não se veem” (Hebreus 11,1).

E se Tomé representasse o crente verdadeiramente autêntico, porque diz o que muitos pensam, mas não ousam reconhecer? Isto é, a fragilidade e a natureza provisória da própria fé?

O trecho do Evangelho indicado para este primeiro domingo depois da Páscoa nos informa o apelido do apóstolo: “Tomé, chamado Dídimo” (João 20,24).

Dídimo” significa gêmeo, e talvez Tomé também seja gêmeo no sentido do signo do zodíaco: signo de uma personalidade dupla, de uma identidade incerta e cheia de dúvidas. Mas é mesmo assim? Não temos elementos para dizer. O Evangelho o apresenta como um homem que não consegue crer na ressurreição porque lhe parece uma escapatória fantasiosa, que contrasta com a realidade.

E qual é a realidade? É que Jesus – o amigo, o mestre, a referência que mudou a sua vida – morreu, acabou, foi sepultado! Que consolação pode haver em contrabandeá-lo como vivo, quando, ao invés disso, ele está morto?

Tomé é um homem normal, concreto, que duvida, mas também é um homem sábio, não tolo. Um homem que faz perguntas e se faz perguntas, como a fé cristã permite ou, melhor, exige. Crer não significa deixar de pensar, de duvidar, de se interrogar.

De fato, o Evangelho nos diz que, apesar das dúvidas, oito dias depois, ele ainda está lá, junto com os outros (v. 26). Nós o reencontramos no seu lugar de sempre, junto com a sua comunidade. Ele não rompe com ela, não inventa uma nova, feita à sua imagem. Ele está lá, junto com os seus irmãos e as suas irmãs que lhe dizem: “Vimos o Senhor!” (v. 25) e, com eles, enfrenta a crise que o incomoda. Tomé está lá e, apesar das suas dúvidas, ainda é chamado de apóstolo: “Um dos doze” (v. 24).

E, com esse esclarecimento, o Evangelho nos diz que, desde o início, a Igreja do Ressuscitado inclui Tomé, porque é uma comunidade acolhedora, calorosa, que inclui (não exclui). Uma comunidade que sempre precisa da presença do seu Senhor, que continuamente lhe diz (à Igreja, não apenas a Tomé): “Não sejas incrédulo, mas fiel” (v. 27).

O relato termina com a confissão de fé de Tomé (“Meu Senhor e meu Deus!”, v. 28) – que talvez seja mais um grito ou uma oração – e com aquela que parece ser uma repreensão do Ressuscitado: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (v. 29).

Na realidade, esta última palavra é mais um encorajamento para a comunidade que posteriormente lerá o Evangelho do que uma repreensão a Tomé: quem viveu fisicamente com Jesus, quem o viu e o ouviu diretamente não deverá ser considerado privilegiado em comparação com aqueles que, para crer, terão que se basear apenas no anúncio do Evangelho.

A confissão “Meu Senhor e meu Deus!” (que também era o modo como o imperador romano Domiciano exigia ser proclamado) logo se tornará, parafraseando Dietrich Bonhoeffer (o teólogo protestante mártir da resistência ao nazismo), o grito de resistência e de rendição dos cristãos: rendição ao Senhor que, com a sua ressurreição, derrotou o mal e a morte, e resistência contra tudo e todos que se alimentam de mal e de morte.

 

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