04 Julho 2023
“A fé se forja e se fortalece no solo arenoso e escorregadio da dúvida e da incerteza, da inquietude e da insegurança, de medos e interrogações... Não no paraíso falso e enganoso das certezas pétreas e fechadas”, escreve Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS, vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM/São Paulo.
A figura evangélica de Tomé constitui um perfeito espelho da alma humana e de sua própria condição sobre a face de nosso planeta. Nesse pobre apóstolo, com efeito, o binômio dúvida-fé ganha uma luz vívida e muito singular. Primeiro vem a dúvida: "Não acredito se não colocar o dedo nas chagas... Se não puser minha mão no lado aberto...". Em seguida vem a fé: "Meu Senhor e meu Deus!...". Ou seja, a dúvida e a fé, de igual forma que o joio e o trigo, nascem e crescem juntas, no mesmo terreno ambíguo da existência humana. Em outros termos, a fé se forja e se fortalece no solo arenoso e escorregadio da dúvida e da incerteza, da inquietude e da insegurança, de medos e interrogações... Não no paraíso falso e enganoso das certezas pétreas e fechadas.
Tomé, diante do Mestre: o discípulo e missionário que nos ensina a coragem de confessar a própria dúvida, na busca sincera e autêntica pela firmeza da fé.
Um simples voo de pássaro retrospectivo à história do cristianismo bastaria para dar-se conta dos males, dores e crimes causados pelo rastro macabro das "certezas" cristalizadas. O mesmo vale para a trajetória de outras religiões e de toda humanidade. De um e de outro lado das trincheiras, sejam elas políticas, religiosas e ideológicas, quantas cruzadas, inquisições, fogueiras, guerras e cadáveres insepultos, todos filhos diretos e bastardos dessa pretensão das verdades inquestionáveis.
Verdades perigosas e tanto mais funestas quanto mais estiver em jogo dogmas rígidos, cerrados e fossilizados. E de maneira toda particular, quando envolvem deuses e ídolos, anjos e demônios, céu e terra. A certeza da "verdade", se e quando absoluta, jamais deixa de exibir uma determinada supremacia, tanto arrogante quanto perigosamente proselitista. Numa palavra, se os "nossos" estão absolutamente certos, os "outros" devem ser exterminados! Em lugar de pontes de intercâmbio, erguem-se muros de separação entre os de "dentro" e os de "fora", os "fiéis" e os "infiéis".
Valem aqui as palavras do poeta e escritor brasileiro Guimarães Rosa, em sua grandiosa obra Grande sertão: veredas: segundo ele, "o real não está no começo nem no fim, ele se coloca para a gente é no meio da travessia". Traduzindo, a verdade não está comigo nem contigo, ela está no diálogo franco, aberto e corajoso, diálogo e confronto que ajuda a depurar e purificar valores e contravalores de cada cultura, na formação dinâmica da identidade. A verdade não está no início nem no final do percurso, ela está no ato mesmo de caminhar. E na sabedoria de outro poeta, "caminheiro não há caminho, o caminho se faz caminhando".
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O Apóstolo São Tomé. Artigo de Alfredo J. Gonçalves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU