02 Abril 2024
O advogado paraguaio Martín Almada morreu no último sábado [30 de março] aos 87 anos em Assunção. Seus familiares confirmaram a notícia. Ganhou notoriedade ao descobrir, em 1991, os “Arquivos do Terror”, uma série de documentos que comprova a ação conjunta das ditaduras da América do Sul de repressão no âmbito do Plano Condor, nos anos 70.
A reportagem é de Juan Pablo Csipka, publicada por Página/12, 31-03-2024. A tradução é do Cepat.
Também pedagogo, Almada foi preso político da ditadura de Alfredo Stroessner em 1974. Durante as sessões de tortura, ligaram para sua casa e fizeram sua esposa ouvir seus gritos. A esposa de Almada morreu de ataque cardíaco após ouvir os tormentos.
Passou três anos na prisão até que a pressão internacional obteve a sua liberdade. Pediu asilo no Panamá e voltou ao Paraguai em 1989, após a queda do ditador. Restabelecida a democracia, ele iniciou sua luta em busca de justiça. No dia 22 de dezembro de 1992, após denúncia de Almada, o juiz José Agustín Fernández ordenou uma busca numa delegacia da cidade de Lambaré. E ali apareceram os “Arquivos do Terror”.
Nessas pastas estavam todas as comunicações escritas entre autoridades policiais, militares e informantes civis do Paraguai, sobretudo, e também da Argentina, Brasil, Chile e Uruguai; bem como relatórios sobre troca e transferência de prisioneiros, espionagem e controle de atividades civis; e detalhes sobre os métodos de tortura.
Assim o recordou em 2014, numa entrevista inédita: “Queria saber como morreu a minha esposa. Disseram-me que ela se tinha suicidado, o que eu sabia que não podia ser verdade. E depois queria saber por que na operação que realizaram contra mim estavam envolvidos soldados argentinos, brasileiros e bolivianos, todos operando em Assunção. Como resultado disso, encontramos em Lambaré toneladas de documentos sobre a repressão em meu país de anarquistas, comunistas, socialistas e subversivos, ou seja, eu e outros. Eles me classificaram como um intelectual perigoso, porque na Universidade de La Plata eu tinha escrito a tese Paraguai: educação e dependência”.
Os arquivos abrangem diversas áreas: grande parte trata da ditadura no Paraguai. “Há também a certidão de nascimento do Plano Condor, referente a uma reunião da inteligência. Jorge Casas, capitão de navio, assinou pela Argentina, representando a SIDE [Secretaria de Inteligência do Estado], enviado por Isabel Perón”, detalhou Almada.
A notícia da descoberta causou comoção e representou um grande avanço na luta pela justiça. O material serviu para fundamentar acusações contra o aparelho repressivo da ditadura paraguaia e dos demais regimes militares da região. O advogado definiu-se a si mesmo como “o Snowden do Paraguai”, em comparação com Edward Snowden, o analista militar que vazou informações militares dos Estados Unidos.
Almada destacou há uma década que “nós temos o arquivo do terror, onde estão os papéis do Plano Condor, e o Museu das Memórias, no plural. Mostramos aos jovens a história dos reprimidos e também dos repressores. Vi a Costaneira de Buenos Aires, com os nomes das vítimas, mas os nomes dos perpetradores não estão lá”. O que não invalida o fato de que “a Argentina é o único país do mundo que acusa os franquistas espanhóis. Oyarbide (Norberto, juiz federal já falecido) ocupa-se do Paraguai e também da Armênia. Ninguém se anima fora da Argentina, que lidera os direitos humanos”.
Casado pela segunda vez, Almada criou a Fundação Celestina Pérez de Almada, que leva o nome da sua primeira esposa. Viajou diversas vezes à Argentina e conheceu o caso de Pablo Gaona, neto que recuperou sua identidade em 2012 (o número 106), que era filho de paraguaios, razão pela qual se encontrou com as Avós da Praça de Maio. Lembrou em conversa com este jornalista que o caso de Gaona faz parte do Plano Condor: “Os pais foram assassinados ali, ele foi entregue a policiais e recuperou sua identidade há cerca de dois anos”.
Almada também aproveitou aquela visita de 2014 para “apoiar a denúncia de paraguaios na Argentina, devido à impunidade no meu país. A impunidade é galopante. Reclamamos no âmbito da justiça mundial, por isso pedimos à justiça argentina que inicie ações contra os genocidas do meu país”.
Nesse sentido, lembrou que “há um ano, com dez vítimas da ditadura, apresentamos uma queixa. Recebeu-nos o juiz Oyarbide”. Ele ressaltou que, embora tenham se passado mais de duas décadas desde a queda de Stroessner, “o aparelho repressivo permaneceu intocável”. Na época Horacio Cartes governava o Paraguai. “O Governo não tem nenhuma vontade política para investigar, é um governo fascista”, disse o advogado.
“Stroessner se foi, mas o stroesnerismo permaneceu, a própria estrutura não se mexeu. A imprensa mundial diz que a ditadura durou 35 anos. Mentira! Antes, com Higinio Morínigo, de 1947 em diante, e continuou com a mesma política repressiva até 2008”. Nesse ano, o Partido Colorado, que apoiou a ditadura, perdeu o poder com a vitória de Fernando Lugo, que decepcionou Almada. “Tive muitas esperanças em relação a Lugo e depois muita decepção. Digo que ele foi um presidente pusilânime”, disse naquela conversa que tivemos em 2014.
Quando Almada se encontrou com as Avós, a identidade de Ignacio Guido Carlotto Montoya, neto de Estela de Carlotto, presidente da organização, tinha sido restaurada. “Apareceu o neto da Carlotto e isso no Paraguai foi muito impressionante, foi uma bomba atômica. Recebi telefonemas de pessoas que querem conhecer sua identidade, que estão começando a ter dúvidas. É difícil para mim, como vítima da ditadura, ouvir histórias dessa natureza”, disse.
A ditadura paraguaia foi a mais longa da América Latina, entre 1954 e 1989, mas não contou com a imprensa de outros regimes. “Stroessner não é tão famoso quanto Pinochet ou Videla porque este é um país pobre, uma ilha cercada de terra. Na Argentina, você pega um avião e vai direto para os Estados Unidos. Nós, para fazer isso, ou temos de ir para Buenos Aires ou São Paulo. Não temos mar, estamos isolados e por isso as notícias circulam com atraso”, disse Almada.
Almada recebeu, em 2002, o Prêmio Right Livelihood, conhecido como Prêmio Nobel Alternativo. Em 2005, recebeu o Europa Solar e, além dos direitos humanos, preocupou-se com a ecologia. Mostrou suas críticas à política de monocultura da soja: “A Monsanto e a soja matam, no mundo todo, só deixam terra arrasada”.
Assim, além de continuar com a luta pela Memória, Verdade e Justiça, montou um centro de energia solar. “Desidratamos frutas tropicais com energia solar e temos uma rádio comunitária com energia solar para indígenas”. Assim seguiu até sua morte.
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Paraguai. Morreu Martín Almada, advogado que encontrou os Arquivos do Terror - Instituto Humanitas Unisinos - IHU