23 Março 2024
"Celebrar a memória de Romero é confirmar sua vida e assumir sua missão. É continuar fazendo o que ele fez no lugar e no contexto em que vivemos".
O comentário é de Francisco de Aquino Júnior, presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte, Ceará, professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
Oscar Romero foi bispo da Diocese de São Salvador, capital de El Salvador, de 1977 a 1980. Um pequeno país da América Central marcado por muitas injustiças, por uma profunda desigualdade social e vivendo sob uma ditadura militar.
Na medida em que os pobres começaram a se organizar para defender seus direitos, passaram a ser perseguidos pelos latifundiários e pelo governo. Muitos foram presos, torturados e até assassinados. Também os que apoiavam os pobres em suas lutas e organizações sofreram na pele as mesmas consequências e o mesmo destino: perseguidos com os pobres e por causa dos pobres. A lista é imensa: de camponeses a operários e estudantes; de sindicalistas a advogados e jornalistas; de religiosas a padres e bispo... Foram mais de 75 mil salvadorenhos assassinados na década de 1980.
Oscar Arnulfo Romero (Foto: Reprodução | Caritas Internacional)
Essa situação de miséria, injustiça e violência contra os pobres e seus aliados foi abrindo os olhos e o coração do bispo Romero... Aos poucos, ele foi percebendo que isso era contra a vontade de Deus e que a Igreja não podia ficar calada diante dessa situação. Passou a denunciar as injustiças e violências, a defender o direito dos pobres de se organizarem e a apoiar suas lutas e organizações. A cada domingo, na homilia, fazia um relato das violações de direitos humanos no país. Era, muitas vezes, a única voz profética pública no país. Suas homilias, transmitidas pela rádio, eram ouvidas no país inteiro.
Mas também Romero passou a ser caluniado e perseguido por estar do lado dos pobres. Até mesmo por muita gente de Igreja que estava do lado dos ricos. Jornais, rádios e televisão o acusavam de ser comunista e de incitar a discórdia e a violência; a rádio da diocese foi bombardeada muitas vezes; vários padres e religiosos foram perseguidos, expulsos do país, torturados e até assassinados; a maioria dos bispos, aliada dos militares e latifundiários e/ou preocupada em manter os privilégios da Igreja, ficou contra ele. Mas Romero permaneceu firme. Dizia que o maior tesouro e a maior riqueza que a Igreja tinha para proteger era a vida dos pobres. E que esta era sua missão como cristão e como bispo. Sempre respeitou e amou todas as pessoas, inclusive as que o caluniavam e o perseguiam; sempre condenou a violência; perdoou antecipadamente seus assassinos. Mas defendia com toda força e sem vacilar a dignidade e os direitos dos pobres. Muitos camponeses e operários diziam que ele era a sua voz: a “voz dos sem voz”.
E no dia 24 de março de 1980, foi assassinado, a mando dos militares, quando celebrava a eucaristia. Pensavam que dessa forma silenciariam sua voz profética. Mas, pelo contrário, ela passou a ecoar cada vez mais forte e mais longe, animando muitas pessoas e comunidades no mundo inteiro a denunciarem as injustiças e a defenderem os direitos os pobres. Sua missão continuou na vida de muitos cristãos, de muitas outras pessoas e de muitos grupos e comunidades. Ele mesmo já tinha advertido, no contexto das ameaças que vinha recebendo: “se me matam, ressuscitarei no povo salvadorenho”; “um bispo morrerá, mas a Igreja de Deus, que é o povo, não perecerá jamais”.
Foto: June Carolyn Erlick/ CNR Photo
Celebrar a memória de Romero é confirmar sua vida e assumir sua missão. É continuar fazendo o que ele fez no lugar e no contexto em que vivemos. Não basta reconhecer sua santidade e dar vivas a ele em uma celebração. É preciso torná-lo vivo e atuante em nossas comunidades através de nosso compromisso e de nossa ação em defesa dos direitos dos pobres e oprimidos. Mesmo que isso custe caro. Jesus mesmo já tinha advertido: “Se me perseguiram, também a vós perseguirão” (Jo 15, 20).
A celebração da memória de Romero, unida à celebração do memorial de Jesus Cristo, o mártir por excelência, compromete-nos a todos. Através dela, confirmamos sua vida e nos unimos a ele, fazendo nossa a sua missão, atualizando em nossa vida e ação pastoral seu compromisso com os pobres. Só assim podemos celebrá-lo evangelicamente e gritar sem hipocrisia: Viva São Romero!!! Pois nosso grito não será mais que a proclamação profética de que Romero vive entre nós e vive, precisamente, através de nosso compromisso com a Causa dos pobres, com a luta pela justiça.
Viva São Romero!!! Que ele viva!!!
Para a “glória de Deus” que é o “pobre que vive”!
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Viva São Romero. Artigo de Francisco de Aquino Júnior - Instituto Humanitas Unisinos - IHU