07 Fevereiro 2024
"Cimento misturado com sucata, para retardar o movimento das escavadeiras e dar tempo para atirar e fugir. Geralmente termina com um funeral de povo, os reclames elogiando os “mártires” e a promessa de tomar o lugar dos mortos", escreve Nello Scavo repórter internacional, em artigo publicado por Avvenire, 31-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Eu sou Davi, Golias é aquele ali”, proclama o jovem com o rosto coberto por um pano escuro e a arma enfiada na cintura. Com os pés plantados na lama do campo de refugiados, acena com a cabeça e nos convida a olhar atrás de uma casa em ruínas, na direção da torre de vigia em um aterro colocado para proteger a colônia ilegal israelense. Só aqui pode acontecer que um adolescente islâmico se autodenomine "Davi" indicando no jovem judeu armado o inimigo que nas Escrituras tinha "seis côvados e um palmo" de altura. Também esta noite, aqui em Tulkarem, resistência e vingança se confundirão no corre-corre. Porque ontem mataram três deles no hospital de Jenin. “E quando os israelenses atacam um campo de refugiados, não é dito que não retornarão ao local no dia seguinte, então esperamos que esta noite seja a nossa vez". Em Tulkarem preparam a guerra de guerrilha. Já ontem as escavadeiras estavam vasculhando pelas vielas, destruindo estradas, postes de eletricidade, redes de água e esgoto.
Ao mesmo tempo, estava acontecendo em Jenin aquela que as mídias israelenses apelidaram de “Operação Fauda”. Porque como nos disfarces da série de televisão israelense - que olhando bem não se entende se são os agentes de campo que inspiram os roteiristas ou vice-versa - um comando israelense chegou tranquilamente ao terceiro andar do maior hospital de Jenin. Uma dúzia soldados, incluindo três em roupas femininas e dois vestidos como pessoal médico palestino, atravessaram um corredor com fuzis, como mostram as imagens das câmeras nos corredores da policlínica.
O Hamas declarou que um dos homens mortos era seu membro, confirmando a crescente presença do grupo fundamentalista entre as facções armadas nos campos de refugiados. A “Jihad islâmica” reivindicou a filiação dos outros militantes mortos, um dos quais estava no hospital após uma lesão que lhe causou paralisia completa das pernas. O exército israelense declarou que um dos três homens estava armado e que a ação demonstrou que os milicianos utilizam áreas civis e hospitais como abrigos e escudos humanos. Mas fontes palestinas rejeitaram a acusação, alegando que os três, justamente por estarem internados, não estavam envolvidos em nenhum combate. As Forças de Defesa de Israel identificaram um dos homens mortos como Mohammed Jalamneh, 27 anos, de Jenin, que segundo os militares tinha contatos com o quartel-general do Hamas no exterior e estava planejando um ataque inspirado no massacre de 7 de outubro. Os dois outros palestinos mortos na operação de terça-feira eram dois irmãos, afiliados à "Jihad islâmica”, aliada ao Hamas. Ambos estiveram envolvidos em ataques recentes. De acordo com os médicos estavam no hospital para tratamento. Segundo a inteligência israelense, estavam lá para escapar da captura. O comando também carregava um moisés para recém-nascidos, fazendo com que os poucos presentes no horário noturno acreditassem que estavam indo ao pronto-socorro para consultar um pediatra. Depois de chegar ao terceiro andar, imobilizaram um homem e depois dispararam contra os três usando silenciadores.
“Executaram os três homens enquanto dormiam no quarto, a sangue frio, disparando balas diretamente na cabeça", denunciou o diretor do hospital, Najy Nazzal. O ministro da Saúde palestino Mai al-Kaila definiu a emboscada como “um crime de guerra”. A incursão poderia alimentar uma fase mais intensa de desordens justamente quando as negociações parecem mais próximas de um ponto de acordo. Durante o último ano, mais de 500 palestinos foram mortos na Cisjordânia e, segundo as autoridades locais, quase 13 mil ficaram feridos. Até 7 de outubro as incursões israelenses e as emboscadas dos colonos, registraram cerca de uma morte por dia. Mas depois do massacre do Hamas as estatísticas relatam mais de 30 mortes por semana. Enquanto isso, em Tulkarem, estão preparando as munições. Eles não nos mostram onde mantêm o estoque de calibre pesado. Nos quartos dos fundos das lojas há quem distribua pedras e garrafas incendiárias, metralhadoras e “dentes de dragão”. Cimento misturado com sucata, para retardar o movimento das escavadeiras e dar tempo para atirar e fugir. Geralmente termina com um funeral de povo, os reclames elogiando os “mártires” e a promessa de tomar o lugar dos mortos. “Hoje Jenin, amanhã Nablus, depois Hebron. Depois de mim virão outros. Eles sabem disso – se despede o rapaz armado que desaparece com outros dois –. E nós também sabemos que outros virão depois deles."