12 Janeiro 2024
Três países em conflito sobre as perspectivas e consequências dessa grande obra: Sudão, Egito e Etiópia. A barragem terá 125 metros de altura e 260 metros de largura.
A reportagem é de Guadi Calvo, publicada por Chiesa di Tutti Chiesa dei Poveri, 11-01-2024 . A tradução é de Luisa Rabolini.
A Grande Barragem do Renascimento Egípcio (GERD), que está na fase final de enchimento e ativação das suas onze turbinas que estarão plenamente operacionais em 2025, tornar-se-á a maior barragem hidroelétrica do continente africano. A sua produção não só fornecerá eletricidade aos 110 milhões de habitantes da Etiópia, mas o seu excedente poderá ser exportado para Sudão, Quênia e Djibuti.
Essa megaconstrução no Nilo Azul, com 145 metros de altura e 260 metros de largura, na região de Benishangul-Gumuz, a cerca de 30 quilômetros da fronteira com o Sudão, obviamente disparou o alarme tanto no Cairo como em Cartum, que têm óbvias razões para acreditar que a interrupção parcial do fluxo do rio poderia impactar diretamente as suas economias. De fato, a grande capacidade de armazenamento da bacia poderia afetar ambos os países a jusante, o que é muito perigoso, como alerta um especialista sudanês que participa nas negociações entre os três países envolvidos (Etiópia, Sudão e Egito), monitoradas pelos Estados Unidos. O Sudão, onde o Nilo Azul e o Nilo Branco se encontram, é o mais atingido, em primeiro lugar porque a regulação do caudal do rio evitará as inundações sazonais, que são parte integrante do modelo agrícola local.
Até agora, todas as rodas de negociações que pediram à Etiópia o empenho de aceitar as condições para o enchimento do revervatório fracassaram, inclusive a última, razão pela qual as tensões continuam a aumentar. E isso numa região que muito provavelmente não tolerará novas crises e onde a possibilidade de um conflito armado não só nas três nações envolvidas, mas também em várias nações vizinhas, não é uma questão remota.
Nesse contexto de tensão, é importante ressaltar que os três países envolvidos, por diferentes razões, estão à beira do colapso: no Sudão há uma guerra civil que dura há quase nove meses entre o exército sudanês e as Forças de Apoio Rápido (as únicas que parecem emergir como possível vencedor). As FAR, o grupo paramilitar comandado por Mohamed “Hemetti” Dagalo, além de derrotarem as Forças Armadas Sudanesas (FAS) do General Abdel Fattah al-Burhan em algumas frentes-chave do conflito, continuam a fomentar o genocídio em Darfur que, ao que parece, ninguém quer reconhecer, impedir ou mesmo condenar. Já não importa mais qual dos dois lados vencerá, a verdade é que o país já está devastado pela destruição de infraestruturas, estradas, pontes, centrais elétricas e aeroportos, bem como outros edifícios vitais, além de milhares de casas e centenas de hospitais e escolas.
O Egito, mergulhado numa crise econômica monumental, pedirá ao recém-eleito presidente - pela terceira vez consecutiva - Abdel Fattah al-Sisi, que adote medidas extremas para conter a revolta social e pôr fim de uma vez por todas à crise interna contra o terrorismo fundamentalista no Sinai, que já dura há cinco anos. Embora tudo isso não seja comparável à grave crise humanitária que poderia explodir se os Estados Unidos não impedirem a limpeza étnica em Gaza levada a cabo por Israel, que pretende forçar os mais de dois milhões de habitantes de Gaza a abandonar as suas terras e fugir pela passagem de Rafah em direção ao norte do Sinai; em tal caso, o General al-Sisi terá que assumir a gestão da situação.
E, finalmente, a Etiópia, que ainda não se recuperou da guerra de dois anos (2020-2022) contra as forças separatistas do Estado de Tigré e mal consegue conter as tentativas separatistas do Estado de Amhara, que, caso falhar, precipitará uma série de guerras regionais que poderiam acabar detonando a sempre ameaçada unidade nacional.
Mesmo que, desde que o reservatório da barragem começou a ser enchido em 2020, nem o Egito nem o Sudão tenham sido afetados, na medida em que a água para durante a estação das chuvas, a tensão não diminuiu entre as duas nações, através das quais passa o curso do Nilo Azul, que se junta ao Branco em Cartum, para continuar atravessando todo o Egito até chegar ao Mediterrâneo.
É inútil lembrar a importância fundamental do Nilo para a existência do Egito desde o início dos tempos, pois é a sua única fonte de água; portanto a sua diminuição afetaria a importante produção agrícola que depende das cheias anuais e da retirada de água. O rio serve para fertilizar as terras, mas também para as indústrias de base como a produção de tijolos, atividade que tem florecido há séculos ao norte de Cartum e que, por falta de matérias-primas, já não atinge mais nem metade do milhão de unidades que se fabricavam até três anos atrás.
Num recente comunicado de imprensa emitido pelo Cairo, após o fracasso das negociações, as autoridades egípcias indicaram que o fracasso tem origem na “recusa persistente da Etiópia em aceitar qualquer solução de compromisso técnico ou legal que proteja os interesses dos três países”. De acordo com a declaração, o Egito tem feito esforços e colaborado ativamente com os dois países a jusante para resolver as principais diferenças e chegar a um acordo amigável. Entretanto, Adis Abeba continua a acusar o Egito de querer impor a sua tendência colonialista, inventando obstáculos para não chegar a um acordo. Sem ser tão duro nas suas declarações, dada a guerra civil que atravessa, o Sudão apresentou as mesmas objecções.
Outra das exigências do Cairo é que a Etiópia se abstenha de construir outras barragens no Nilo Azul, uma possibilidade que, dada a falta de acordos anteriores, poderia facilmente ocorrer, o que daria a Adis-Abeba uma importante vantagem política e geopolítica na região, onde a energia elétrica é escassa, para qualquer tipo de desenvolvimento.
O instinto independente da Etiópia levou-a a tornar-se no único país do continente que conseguiu ficar de fora da fase colonial, exceto pelo inter-reino italiano (1936-1941), enquanto ao longo da sua história e praticamente até os dias de hoje combateu várias guerras para manter essa condição, com a Eritreia entre 1961-1991 e 1998-2000.
Arbitrariamente, o Reino Unido, durante a ocupação do Egito e do Sudão, interessado em diversos projetos hídricos, praticamente concedeu às suas colônias o controle de toda a bacia do Nilo, o que nunca foi aceito pela Etiópia, pois desde então sua posição é que ninguém possa reivindicar a posse exclusiva do rio.
Outro dos benefícios colaterais que o GPRE traz à Etiópia é que a partir do lago artificial foram formadas mais de 70 ilhas que serão utilizadas para fins turísticos, além da criação, ao redor do lago, da instalação de empresas ligadas à indústria da pesca.
Chegar a um acordo comum entre as três nações poderia revelar-se benéfico para todos, pois existem algumas possibilidades de começarem a chegar investimentos internacionais para projetos nacionais e internacionais, mas isso seria improvável no contexto de instabilidade que está dominando países devastados por guerras, crises políticas e econômicas.
Enquanto isso, o nível do Nilo continua a diminuir e já é um fato que não transporta mais os sempre desejados sedimentos que enriqueceram as suas margens durante milhões de anos e agora transporta apenas areia. A barragem, além de reduzir a quantidade de limo e nutrientes, aumentará a salinidade das águas do Nilo, diminuindo a concentração de plâncton, alterando a temperatura da água e reduzindo o teor de oxigênio, o que acabará por influenciar as migrações e a reprodução dos peixes.
Além disso, o Sudão poderia perder 84 mil hectares de culturas, uma vez que a perda de nutrientes aumentará a necessidade de fertilizantes, com um impacto não só nos custos de produção, mas também no meio ambiente e na saúde pública.
O Presidente al-Sisi, numa tentativa de derrubar a posição do primeiro-ministro etíope Abey Ahmed, pede há mais de três anos que a questão da bacia seja incluída na agenda da Liga Árabe e da União Africana, sem sucesso. Em julho de 2021, al-Sisi havia pedido, ainda sem qualquer reação, a intervenção do Conselho de Segurança da ONU.
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O Nilo está em perigo, poderia não mais fertilizar a terra. A barragem no Nilo Azul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU