13 Janeiro 2024
Em Porto Alegre, um bicicletaço está marcado para a sexta-feira, 12, a partir das 18h30min, no Largo Zumbi dos Palmares, em homenagem à artista venezuelana Julieta Hernández, roubada, estuprada e assassinada no Amazonas no final de dezembro. O evento faz parte do Ato Nacional Julieta Presente, com bicicletaços e caminhadas que ocorrerão nos próximos dias em vários estados brasileiros. Os organizadores pedem aos participantes que, se possível, compareçam caracterizados, levem apitos e usem roupas coloridas e nariz de palhaço. Como também haverá caminhada não é obrigatório o uso de bicicletas para participar.
A reportagem é de César Fraga, publicada por Extra Classe, 11-01-2024.
Em Porto Alegre, também ocorrerá uma roda cultural. O mote do evento é o direito das mulheres à vida e à liberdade e contra todo tipo de violência. O trajeto terá saída do largo Zumbi dos Palmares, passa pelas ruas José do Patrocínio, Venâncio Aires, Erico Verissimo e retorna pela João Alfredo até o largo.
O caso gerou um movimento nacional e internacional de solidariedade à vítima, à família e aos amigos por conta de todos os simbolismos que o crime revela. Julieta foi morta por ser mulher, enquanto exercia a liberdade de viajar sozinha, de bicicleta, para realizar o seu trabalho como artista.
A maioria das pedaladas (bicicletaços) será na próxima sexta, em pelo menos 57 cidades brasileiras que já confirmaram a realização dos atos de protesto e homenagem à artista, que também era uma cicloativista e feminista. Também ocorrerão atos nos dias 13 e 14 em várias cidades.
Julieta Ines Hernández Martinez, era mais conhecida como Palhaça Jujuba ou Miss Jujuba. Ela viajava pelo Brasil em uma bicicleta e tinha decidido voltar ao país de origem para rever a mãe.
Julieta chegou no Brasil, de bicicleta, há 8 anos e integrava o grupo Pé Vermêi, que reúne vários artistas que viajam pelo país pedalando para fazer apresentações de rua e em espaços culturais. Desde 2019, quando iniciou as viagens pelo país, ela passou por mais de nove estados brasileiros em que apresentava números cômicos como palhaça e bonequeira (confeccionava réplicas de pessoas em miniatura).
Segundo amigos, ela se apresentava em feiras, na rua, nas praças, nas calçadas, em comunidades rurais, quilombolas, em centros de reabilitação, na periferia, hospitais e teatros.
O munícipio de Presidente Figueiredo, no interior do Amazonas, estava na rota da artista. Foi nessa localidade que, no dia 5 de janeiro, seu corpo foi encontrado em avançado estado de decomposição, após 14 dias do seu desaparecimento. Neste período, amigos, artistas e familiares fizeram campanhas nas redes sociais para tentar localizá-la. Também foram encontrados pertences e partes da bicicleta da vítima.
Ela perdeu contato com os amigos e a família, que monitoravam sua viagem, no dia 23 de dezembro, quando hospedou-se em uma pousada precária, após procurar estadia em vários locais já lotados na cidade.
O que diz a polícia
Em coletiva de imprensa, no dia 8 de janeiro, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP-AM) e a Polícia Civil do Amazonas detalharam como o caso foi solucionado 48 horas depois do registro de ocorrência com a prisão e confissão dos autores do crime.
O casal Deliomara dos Anjos Santos, 29, e Thiago Agles da Silva, 32, foi preso na sexta-feira, 5 de janeiro, no município de Presidente Figueiredo (a 117 quilômetros de Manaus), e ambos responderão pelos crimes de ocultação de cadáver, latrocínio e estupro.
A artista e cicloviajante estava desaparecida desde o dia 23 de dezembro do ano passado, e o Boletim de Ocorrência (BO) foi registrado na quinta-feira, 4, na Delegacia Virtual do Amazonas (Devir), e encaminhado à 37ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP) de Presidente Figueiredo, que de imediato, deu início às diligências pela região.
O BO informava que o último contato da vítima com a família teria sido no dia 23 de dezembro, por volta de meia-noite e meia, quando ela teria dito que iria pernoitar em Presidente Figueiredo, e seguiria para Rorainópolis, em Roraima.
“Diante dessa informação, nós nos deslocamos até as pousadas da região, a fim de obter notícias sobre o paradeiro dela. Já na manhã de sexta-feira, fomos até o refúgio e localizamos Thiago, que disse que a mulher havia pernoitado no local e seguido para a rodovia”, explica o delegado Valdinei Silva, titular da 37ª DIP.
De acordo com o delegado, no mesmo dia, um morador localizou partes da bicicleta da vítima e acionou a polícia. Quando a equipe chegou ao local, Thiago tentou fugir, mas foi capturado. Ele e a esposa foram conduzidos à delegacia e entraram em contradição nos depoimentos, e assim confirmaram a autoria do crime.
Foi solicitado apoio do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) com os cães farejadores que deram apoio às buscas e o corpo foi encontrado em uma cova no quintal do refúgio, além de outros pertences.
“A vítima estava dormindo em uma rede na varanda do local, quando Thiago pegou uma faca e foi até ela para roubar seu aparelho celular. Eles entraram em luta corporal, ele a enforcou, a jogou no chão e pediu que Deliomara amarrasse os pés dela. Em seguida, ele a arrastou para dentro da casa, pediu que a esposa apagasse as luzes e passou a abusar sexualmente da vítima”, detalhou o delegado.
Após a mulher dele presenciar o fato, jogou álcool em ambos e ateou fogo. Thiago conseguiu apagar o fogo com um pano molhado e foi até uma unidade hospitalar receber atendimentos médicos. Já a infratora enforcou Julieta com uma corda e a enterrou no quintal.
A identificação do corpo foi realizada por meio do procedimento de necropapiloscopia, pelo Instituto de Identificação Aderson Conceição de Melo (IIACM) com apoio da equipe técnica do Instituto Médico Legal do Amazonas (IML).
Ambos responderão por ocultação de cadáver, latrocínio e estupro, e ficarão à disposição do Poder Judiciário. Thiago e Deliomara são dependentes químicos e pais de cinco filhos. Eles tomavam conta do abrigo em que Julieta ficou, onde atuavam como caseiros. Em coletiva anterior, o delegado relatou que o crime foi cometido depois que o casal consumiu crack por cerca de dois dias.
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Bicicletaços em todo país homenageiam Julieta Hernandez, artista cicloviajante estuprada e morta no Amazonas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU