Em "A era do vazio", ele definiu os parâmetros do novo individualismo, e em "O império do efêmero", aplicou à moda uma análise profunda sem precedentes. O francês Gilles Lipovetsky é, há quatro décadas, o grande filósofo da estética. Visitamos sua casa em Grenoble para falar sobre Spinoza, a democratização do luxo e os novos ricos.
A entrevista com Lipovetsky é de Marc Bassets, publicada por El País, 03-01-2024.
A Gilles Lipovetsky, de 79 anos, o luxo interessa pouco. Ele diz isso logo de início, na ampla sala de estar de seu apartamento em Grenoble, com vista para a cidade e os Alpes. Mas, ao mesmo tempo, ele é apaixonado por isso. "Durante toda a minha juventude, não tive um quarto nem um banheiro", diz o pensador francês. "Provavelmente é por isso que a ausência de luxo não me incomoda. Eu posso viver sem ele". Pode viver sem ele, sim. Mas não sem pensar nele. Não sem fazer o que tem feito durante toda a sua vida. Aplicar seu radar afiado não ao passado, mas ao mundo em que ele teve que viver. Observar. Captar o espírito do tempo. E o luxo não apenas explica nossos tempos, como descobriremos durante a conversa; também explica a humanidade.
O escritor vive física e intelectualmente em um lugar, à primeira vista, inverossímil: um bairro e uma cidade excêntricos, longe da elite intelectual parisiense. Ao mesmo tempo, é um ambiente adequado para um homem — ele se apresenta como sociólogo e filósofo; na verdade, é um humanista, ou um cartógrafo de seu tempo — que pensa em seu próprio ritmo e contra a corrente. Em sua obra, ele dissecou as transformações profundas em nossas sociedades, desde que em "A era do vazio" definiu toda uma época até seu último ensaio, "Le nouvel âge du kitsch" (a nova era do kitsch), escrito com Jean Serroy e publicado recentemente na França. Em 20 de março de 2024, a Anagrama publicará "La consagración de la autenticidad", que foi lançado originalmente em 2021.
Lipovetsky, coautor de "O luxo eterno", cresceu em uma família modesta de imigrantes. Pelo lado do pai, judeus do leste europeu. Pelo lado da mãe, italianos. Mas ele é filho e uma encarnação perfeita da França laica e republicana, integradora, a França iluminada que não se perguntava se pertencia a uma comunidade, que não se importava com a identidade. Eram outros tempos. Nunca lhe interessou investigar as origens ou reivindicá-las. E é enfático: "Eu me interesso pelo presente e pelo futuro. O passado, não. De jeito nenhum". Não há melhor carta de apresentação.
Você escreveu alguns anos atrás: "Não sinto nenhum gosto particular pelo luxo". Devemos acreditar?
Sim. De verdade. Nenhum.
De verdade?
Minha visão sobre o luxo é externa.
Você certamente tem luxos.
Não, não tenho. Sou, modestamente, um intelectual. O que mais me interessa é escrever livros, pensar. Os gregos e, especialmente, Aristóteles, consideravam que o pensamento era o ápice da felicidade e que a vida contemplativa permitia a culminação do homem porque é um ser pensante. Nas sociedades modernas e materialistas, focamos nas riquezas materiais como a via de acesso ao bem-estar. Mas eu, por minha parte, encontro infinitamente mais felicidade e satisfação pessoal ao entender as idiossincrasias, as contradições, os excessos do mundo. Isso nunca deixou de me fascinar. É infinito. O pensamento não tem limites, enquanto o relacionamento com coisas materiais os tem. Eu poderia comprar ternos, sei lá, da Armani, mas depois de alguns ternos, o que mais? Eu também não teria uma centena. Compreender é difícil, às vezes deprimente, porque não encontramos a chave, mas ao mesmo tempo proporciona muitas satisfações e preenche a vida. Proporciona uma vida rica, não no sentido do luxo, mas rica internamente. Não é que eu tenha uma vontade ascética, mas o luxo não me interessa, tanto faz.
E, no entanto, você se apaixonou pelo tema como objeto de estudo.
É quase uma paradoxo. Mas penso que é bom não aderir totalmente ao que estudamos. Neste caso, eu o olho de fora, mais ou menos com simpatia, porque, como sabe, e já fui criticado por isso, não sou um pensador apocalíptico. Sou spinozista e hegeliano. Quero entender. Para mim, a vida intelectual não consiste em julgar ou denunciar, mas, antes de tudo, em entender. Os intelectuais denunciam o neoliberalismo, o capitalismo, o consumo, a globalização, a inteligência artificial. Parece que a crítica é o sinal de um bom pensamento. Eu tenho dúvidas sobre isso. Acredito que a tarefa de um filósofo é a cartografia e a radiografia. Fixar a anatomia do nosso mundo, como funciona. Em um segundo momento, as críticas podem ser feitas, e devem ser feitas, mas sob a condição de que, anteriormente, as coisas tenham sido bem ditas. O que acontece é que, quando descrito corretamente, geralmente não há maniqueísmo.
Com relação ao luxo, por exemplo?
Sim. Às vezes é difícil aceitar, porque há uma imoralidade nele. Mas se mantivermos uma certa distância, é preciso jogar tudo ao mar? Não deveria existir?
Não é sua posição.
Não. Mas não por razões morais. Moralmente, o luxo não se justifica. Mas a moral não é tudo na vida.
Por que o luxo não se justifica moralmente?
Você vai a um hotel de luxo e paga 4.000 euros por noite. Enquanto isso, há pessoas sem-teto. Alguns têm demais e outros não têm o suficiente. Alguns não sabem o que fazer com seu dinheiro e outros não têm o básico. Se eu fosse um sábio observando o planeta, diria que é curioso como funciona. Alguns têm jatos privados, poluem o planeta, vivem em residências inverossímeis, possuem bolsas de 20.000 euros. E outros vão ao supermercado e veem se podem economizar 20 centavos para comprar um queijo ou uma maçã. Há algo de desperdício no luxo, algo que, do ponto de vista da ética e justiça social, apresenta um problema.
Todo o luxo é assim?
É um debate antigo. Os gregos e os romanos tinham uma posição interessante. Diziam que o luxo privado é ruim, pois demonstra hybris: excesso e vaidade. Naquela época, o luxo privado eram os cosméticos: a mulher colocava cremes e maquiagem para enganar. Ela é velha e quer parecer jovem. O luxo é mentira e vaidade. Na tradição cristã, os pais da Igreja retomarão essa denúncia. Ao mesmo tempo, os gregos e romanos celebravam o luxo público. Os ricos faziam doações para a cidade, para construir estádios e monumentos. Aqui está um luxo legítimo, e eu não estou longe de pensar o mesmo. Porque, se tivéssemos que eliminar todas as manifestações de luxo, o planeta seria mais bonito, mais desejável? Eu penso que não. O que os turistas veriam? As maravilhas do mundo. As pirâmides, o templo de Angkor, Granada. Na época deles, eram grandes luxos, os palácios dos reis. E nossos museus? São luxos inverossímeis. Devemos abrir mão deles? O Prado serve aos sem-teto de Madri? Devemos demolir? Não. Há uma aspiração humana, também legítima, à beleza e à grandeza, ao encanto das coisas. Não somos apenas seres éticos.
Nem todo o luxo é amoral.
É paradoxal. Há uma parte aceitável, desejável, até necessária.
"Até o último mendigo carrega consigo algum objeto supérfluo. Reduza-o às suas necessidades naturais e o homem é uma besta", você escreve citando Shakespeare. O luxo é o que nos faz humanos?
Sim. Conhece muita gente que se casa e vai comer no McDonald's? Não. No dia do casamento, até as pessoas mais modestas fazem uma festa. E a festa, como disse Georges Bataille, é a forma primitiva do luxo. Desde que os homens existem, desde o Paleolítico, houve manifestações de luxo. Nenhuma civilização o ignorou. Não estamos falando das marcas, claro. Mas por que a festa é luxo? Porque vai além das necessidades. Gasta-se sem contar. É a prodigalidade, que encontraremos na ética dos senhores, na Idade Média. O nobre não conta o dinheiro, contar é para os burgueses, é desprezível. Desde sempre, os homens construíram modelos de vida que não se reduziam a sobreviver: comer, beber, se defender. Sempre houve outra dimensão e o luxo faz parte disso. Pode-se ter um ponto de vista moral, mas, do ponto de vista antropológico, não há humanidade sem luxo.
Não há humanidade sem luxo?
Não. Pode-se julgar que é obsceno, mas assim é o Homo sapiens. Spinoza dizia que devemos aceitar os homens como são. Poderíamos reconstruir o mundo e dizer: "Eles deveriam ser de outra forma". Enquanto isso... Nunca houve tanto luxo! E se democratizou. A paixão pelo luxo não é apenas uma questão dos ricos. Está por toda parte.
Um oxímoro, o luxo democrático.
Mas é um oxímoro contemporâneo. Antes não era assim. Por muito tempo, o luxo era para a elite social, e apenas para ela: a aristocracia e a corte, e depois a grande burguesia que copiava o modelo dos senhores. Mas o povo nem sequer tinha o gosto ou o desejo pelo luxo. Vou fazer uma confidência. Sou da geração dos anos sessenta. Naquela época, mal sabia o que era luxo, me custaria citar uma única marca de luxo. Não me interessava e considerava que o luxo era para senhoras mais velhas.
O que mudou em nossas sociedades desde então?
Hoje, os jovens amam o luxo. Mesmo nas favelas. Eles conhecem as marcas. O que mudou é que o luxo também é para os modestos. Houve uma revolução cultural. Antes era: "O luxo não é para nós". Agora é: "Por que não?" Os grandes emblemas do luxo eram o lazer, as viagens, o turismo, as belas marcas. Hoje, todo mundo aspira a isso. Quem não quer viajar para um hotel? Ou passar dois dias em um spa, ou comprar uma bolsa da Hermès ou Loewe de vez em quando? Antes, em um meio social modesto, olhavam para você de maneira negativa porque se considerava que quem fazia isso queria se mostrar. Hoje, não é mais indigno. Se democratizou, não tanto o luxo quanto o gosto pelo luxo.
E há uma democratização das possibilidades de acesso ao luxo também?
Sim, das possibilidades de acessar um certo luxo. Porque se tornou plural. Antes não. Havia carruagens, lacaios, castelos. Tudo era exclusivamente para os grandes privilegiados. Agora, alguém pode comprar um chaveiro da Vuitton. Ou um perfume Dior ou Chanel de vez em quando. Ou um batom. Ao mesmo tempo, reconstituiu-se um luxo inacessível, um ultraluxo, um hiperluxo, para os bilionários. Cada vez há mais no mundo. E o luxo se globalizou. Antes, as grandes marcas eram europeias e o mercado era Europa e América do Norte. Agora tem a China, a Índia. A verdadeira crítica não é tanto ao luxo, mas à distribuição da riqueza. Se não houvesse ricos, não haveria luxo. É fácil denunciar o luxo, mas se ele existe é porque há fortunas.
Você acaba de publicar um livro na França sobre o kitsch, onde analisa o mau gosto no luxo. Mas o luxo historicamente estava associado à elegância, à seleção, ao bom gosto. Isso já não é mais assim?
O luxo era o mais belo, o mais caro e o mais raro. E, portanto, o mais desejável. E aqui estamos hoje, onde algumas marcas de prestígio flertam com o kitsch, o mau gosto, o feio, até o vulgar e o obsceno. Acho que isso começou nos anos 90 com o porno chic na comunicação das marcas de luxo, com anúncios publicitários com alusões pornográficas e à zoofilia. Isso foi um começo. Depois continuou. Veja o que fez John Galliano. Ele fez desfiles com mendigos e top models ao mesmo tempo para vender vestidos de alta costura que custam dezenas de milhares de euros. Há algo vulgar ali, um espetáculo que se pretende artístico, mas que pode estar relacionado ao mau gosto. Não é uma falta moral, não faz mal a ninguém. Agora, Balenciaga e outros estão lançando sapatos crocs, que eram o oposto de chiques, e agora são vendidos por centenas de euros. É uma reviravolta: o kitsch se torna chique. Também vemos isso na arte. Os artistas acusados de serem kitsch são os mais caros.
Você está pensando em Jeff Koons?
Sim. Ou em Damien Hirst. Desde o século XIX, o kitsch era o barato, o baratinho. Agora, os artistas associados ao kitsch são os mais caros do mundo.
Damien Hirst, artista britânico, em frente a uma obra de sua autoria. (Foto: Wikimedia Commons )
Uma parte do luxo se tornou democrática. E o popular conquistou o luxo sob a forma de kitsch. É a vingança do popular?
Um pouco, sim. A vingança da democracia. Por muito tempo, o povo foi desprezado porque ama o que brilha. Mas olhe para Trump. Ele gosta do extravagante. Paradoxalmente, os ricos se juntam ao gosto popular.
Como explica isso?
O aumento do capitalismo de consumo e da individualização quebraram as culturas de classe. Durante séculos e milênios, os comportamentos das elites não tinham nada de individual, eram obrigações. Quando tinham castelos ou vestidos dourados, não era porque gostassem, era uma obrigação de casta.
Eram códigos?
Sim. Se não, eram rejeitados. Mais tarde, na modernidade, o mundo do luxo era pequeno, confidencial. As mães aconselhavam suas filhas sobre tal ou tal perfume. Com a sociedade de massas, tudo isso explodiu em mil pedaços. Os ultrarricos já não são, como dizia Veblen, a classe do ócio. Agora são homens feitos por si mesmos. Eles trabalham. Na banca, finanças, imobiliário, comércio, commodities como petróleo e gás: os novos ricos russos. Ou traficantes de drogas. Jogadores de futebol. Estrelas do show business. Pode me dizer que unidade há aí?
Já não é uma classe.
Não é. Todos são muito ricos, mas não há uma cultura de classe.
O verdadeiro luxo não é poder renunciar ao luxo? Aquele que não precisa de objetos, nem de telefones, ou aquele que pode passar 15 dias caminhando na montanha.
Duvido que exista um verdadeiro luxo, porque há vários. O que você está dizendo seria o meu. Para alguns, há um novo luxo que é o do tempo, o do espaço e o da distância em relação às coisas. Depender menos das coisas nos dá autonomia: era a sabedoria dos antigos. Mas outros amam o visível, as coisas bonitas, os belos materiais. Qual é o verdadeiro? Não há.
Um mundo sem luxo é imaginável?
Não acredito. Primeiro, porque há cada vez mais ricos no planeta. Segundo, pela democratização do luxo: as pessoas gostam. E terceiro, porque no luxo há uma parte de sonho.
E o ser humano precisa de sonhos.
Sabe, hoje já não há tantos sonhos. É humano tê-los.