27 Novembro 2023
"A desnacionalização desse polo [alumínio] culminou com o controle absoluto do setor por multinacionais, efetivada neste ano", escreve Lúcio Flávio Pinto, jornalista e sociólogo, em artigo publicado por Amazônia Real, 23-11-2023.
A trajetória da implantação na Amazônia do maior polo de alumínio do Brasil, de grandeza mundial, seguiu a trajetória de um bumerangue. Começou sob o controle do cartel internacional, que se lançaram na frente da corrida ao minério. Passados meio século, a desnacionalização desse polo culminou com o controle absoluto do setor por multinacionais, efetivada neste ano.
Em 1974, a Mineração Rio do Norte reformulou seu projeto para o aproveitamento econômico das jazidas de bauxita do vale do rio Trombetas, no Pará, com 500 milhões de toneladas de minério. O projeto original foi elaborado pela empresa canadense Alcan, que possuía sozinha o empreendimento.
A multinacional canadense iniciou suas pesquisas no vale do rio Trombetas, no Pará, em 1958. Seu interesse na época era apenas manter o controle da jazida. A sua cubagem da jazida foi concluída 10 anos depois, quando foram medidos de 500 a 600 milhões de toneladas.
Só em 1972, a Alcan apresentou seu projeto para a exploração da mina, o maior empreendimento até então aprovado pela Sudam. Alguns meses depois, a companhia suspendeu a implantação do projeto, alegando a queda no preço da bauxita no mercado internacional.
Na verdade, o impacto resultou da tentativa iniciada pelos maiores produtores do minério, a maioria do terceiro mundo, de criar uma organização semelhante à Opep, proposta pela Venezuela e apoiada pelos países árabes, para a defesa do preço do petróleo.
As “seis irmãs” anunciaram a implantação de várias minas, a maior delas no Pará, que aumentariam expressivamente a produção mundial, derrubando os preços. Assim conseguiram impedir o surgimento da Opep da bauxita.
Foi por isso que a Alcan se antecipou, apresentando sozinha o projeto do Trombetas. Alertada para a manobra, uma ala militar nacionalista no governo pressionou para impedir a Alcan de ser a única proprietária de uma das maiores jazidas de manganês do mundo (como fizera em Carajás, impondo a inclusão da CVRD na sociedade com a United States Steel, que também desejava “sentar” na mina).
A Companhia Vale do Rio Doce entrou no projeto, sendo esta a sua primeira incursão no setor de não-ferrosos, assumindo o controle acionário da empresa constituída em conjunto, a Mineração Rio do Norte. Para uma produção de 3,35 milhões de toneladas de bauxita, que seria alcançada em 1980, o investimento foi calculado em 280 milhões de dólares.
Para nacionalizar a empresa, além dos 41% do capital em poder da CVRD, a Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo Votorantim ficou com 10%, assegurando os 51% brasileiros. A Alcan, já então mais interessada em garantir o suprimento de bauxita para sua indústria no Canadá e economizar capital próprio, reduziu a sua participação a 10%.
As outras mu-ltinacionais foram o espanhol Instituto Nacional de Indústria (5%), Reybolds Alumínio do Brasil (5%), Mineração Rio Xingu (5%), Rio Tinto Zinc do Brasil (5%), A/S Aardal Og Sunndal Verk (5%) e Norsk Hydro (5%).
Após muitas alterações desde então, nesta semana a multinacional Glencore foi liberada pelo Cade, o conselho que controla a concorrência econômica, para assumir o controle acionário da Mineração Rio do Norte e a participação de 30% na refinaria de alumina Alunorte, em transação avaliada em 1,1 bilhão de dólares (quase 6 bilhões de reais).
A gigante suíça das commodities também recebeu autorizações dos órgãos reguladores de diferentes países envolvidos na questão e a previsão é de que o negócio avaliado em US$ 1,11 bilhão seja concluído na próxima semana.
Foi no ano passado que a Hydro assinou acordo com a Glencore para lhe vender 30% da refinaria brasileira de alumina Hydro Alunorte e os 5% pertencentes à Hydro na MRN. A Glencore adquiriu ainda uma participação adicional de 40% na MRN, que atualmente pertence à Vale. Este percentual será adquirido da Vale pela Hydro e imediatamente vendido para a Glencore, consecutivamente.
Consumadas essas transações, a Hydro não terá mais participação societária na MRN. Mas continuará sendo a maior acionista da Alunorte, com 62% de participação. A Glencore deterá 30%, enquanto os quatro acionistas minoritários restantes deterão coletivamente 8%.
A refinaria de alumina da Alunorte tem uma capacidade nominal anual de 6,3 milhões de toneladas de alumina e é uma importante fonte de matéria-prima para as operações de fundição da Hydro, incluindo a Albras, fundições primárias norueguesas e clientes externos. A transação não terá impacto nos contratos de fornecimento físico ou custo para a Hydro Aluminium Metal.
A bauxita da MRN supre um terço das necessidades da Alunorte, enquanto o restante é fornecido pela mina de bauxita de Paragominas, de propriedade integral da Hydro. Após a transação, a MRN continuará a ser operada de forma independente com a Glencore como a maior acionista, com 45%. Os 55% restantes serão de propriedade da South 32, Rio Tinto e CBA.
“Esta transação é um passo importante para cumprir a estratégia da Hydro. Os recursos da transação serão usados para crescimento estratégico e para distribuição aos acionistas. A Alunorte continua sendo um ativo estratégico essencial para a Hydro e é uma fonte fundamental de fornecimento de alumina de baixo carbono para as nossas fundições primárias de alumínio. A Hydro continuará presente no setor de alumina, mas agora mais equilibrada em relação à demanda de nosso portfólio de fundições de alumínio”, afirmou na ocasião a presidente e CEO da Hydro, Hilde Merete Aasheim.
A estratégia 2025 da Hydro, lançada em 2020, delineou uma ambição clara de aumentar a lucratividade e impulsionar a sustentabilidade em toda a empresa. Parte da estratégia tem sido desenvolver a Alunorte, alocando capital para sustentar e melhorar as operações, e esforços contínuos para fortalecer o custo do primeiro quartil e a posição de baixo carbono da refinaria, além de aumentar o engajamento com a comunidade.
“Nossa área de negócios de Bauxita e Alumina fez progressos significativos nos últimos anos, para reduzir a pegada da produção de alumina, o que permite à Hydro fortalecer nossa posição em alumínio de baixo carbono. Esperamos nos tornar parceiros da Glencore e de sua ampla experiência industrial em metais e mineração para avançar ainda mais no desenvolvimento da Alunorte”, disse Aasheim.
A Hydro anunciou que ela e a Glencore continuarão os esforços para reduzir as emissões de carbono da Alunorte, por meio do projeto de troca de combustível, que visa substituir o óleo combustível por GNL, e a eletrificação das caldeiras a carvão, levando a Alunorte à primeira redução na curva global de carbono já em 2025, posicionando a Alunorte como líder no fornecimento de alumina de baixo carbono.
Além da descarbonização da Alunorte, os parceiros mantêm o compromisso de continuar desenvolvendo projetos sociais para melhorar a vida e colaborar para o desenvolvimento sustentável das comunidades próximas às operações.
Todos esses bons compromissos antecipados parecem ter desviado a opinião pública do que será de maior importância e repercussão: todo o segmento bauxita/alumina/alumínio está agora sob controle absoluto do capital internacional, em poder de algumas das maiores multinacionais.
Até essas transações, a MRN, uma das maiores produtoras de bauxita do mundo, tinha 52,5% das suas ações em poder de empresas nacionais (Vale e CBA). Agora, restam apenas os 12,5% do grupo Ermírio de Moraes, ficando 40% com a Glencore, 30% South32 Minerals e 12,55 com a Alcan.
A multinacional norueguesa Hydro, que tinha 62,13%, ficou com 93,13% da Alunorte, a maior produtora de alumina do mundo, mais 4,8% para quatro acionistas japoneses e apenas 3,03% para a CBA. A Glencore, que possuía 30%, saiu da Alunorte.
Qual o significado desses complicados movimentos de capital e o que representam de bom ou ruim para o Brasil? Totalmente à margem dos acontecimentos, é de se prever que a sociedade nacional não encontrará as respostas para essas grave questões. Se é que as buscará.
A Glencore é uma subsidiária integral da Glencore Plc., que é constituída sob as leis de Jersey com sede em Baar, na Suíça.
A Glencore Plc (e suas subsidiárias, em conjunto consideradas “Grupo Glencore”) é uma empresa global que atua como produtora e comercializadora de mais de 60 commodities. Suas operações diretas e indiretas compreendem cerca de 65 sites de mineração, metalurgia e ativos de produção e extração de petróleo. O Grupo Glencore fornece uma ampla gama de commodities e matéria-prima para clientes de indústrias em todo o mundo, incluindo metais, minerais, petróleo e derivados, e carvão.
O Grupo Glencore auferiu, no Brasil, no ano anterior à operação, faturamento acima de R$ 750 milhões (superior aos dois patamares de notificação obrigatória de 2011, alteradas em 2012).
A Hydro é uma empresa que atua nos mercados de alumínio e de energia, sendo a controladora do Grupo Hydro (a Hydro e suas subsidiárias serão doravante denominadas, em conjunto, como “Grupo Hydro”), que compreende aproximadamente 190 sociedades localizadas em 40 países.
O Grupo Hydro atua em diferentes segmentos dos mercados energia, reciclagem de metais, energia renovável e baterias; sobretudo na cadeia de valor do alumínio, desde a mineração de bauxita e passando pelo refino de alumina, alumínio primário, extrusões de alumínio e reciclagem de alumínio. O Grupo Hydro auferiu, no Brasil, no ano anterior à operação, faturamento acima de R$ 750 milhões (conforme os padrões da nota anterior).
(Esses dados foram extraídos do processo no Cade)
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O alumínio não é mais nosso. Artigo de Lúcio Flávio Pinto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU