17 Novembro 2023
O ensaísta acaba de publicar em espanhol o seu livro Esto es propaganda vegana, editado pelo Capitán Swing: “Não vemos as indústrias da carne e dos laticínios como homens de terno e devemos fazê-lo, porque são as grandes empresas que ditam tudo isso”.
Ed Winters (Reino Unido, 1994) era um apaixonado por carne e amante do KFC (Frango Frito do Kentucky), mas quando um dia viu no noticiário as horríveis imagens de um caminhão que havia batido enquanto transportava 6 mil frangos, sentiu um estalo dentro de si. “Fui obrigado a encarar o fato de que esses animais têm capacidade de sofrer, algo óbvio que, mesmo assim, nunca tinha parado para pensar”, escreve. Sua jornada para o veganismo começou naquele dia.
Winters ganhou fama em 2016, quando criou um canal no YouTube no qual subia entrevistas de rua nas quais debatia com qualquer pessoa que ousasse sobre a ética de comer animais. A partir de então, foi cofundador de uma organização pelos direitos dos animais, proferiu palestras em todo o mundo e criou um santuário para animais maltratados em sua Inglaterra natal. O ex-fã de baldes de asas é hoje um dos ativistas veganos mais conhecidos do mundo.
Entrevistamos Winters aproveitando a recente publicação em espanhol do seu livro Esto es propaganda vegana (Capitán Swing).
A entrevista é de Sergio Ferrer, publicada por El Diário, 15-11-2023. A tradução é do Cepat.
O que você aprendeu nesses anos de ativismo sobre como comunicar o veganismo?
Que as pessoas são muito complexas e temos que entender porque fazem o que fazem, não basta pensar que isso é errado. Defendo que o que fazemos aos animais é um problema e, no entanto, a grande maioria das pessoas discorda de mim através das suas ações. Há algo que não bate e temos que compreender, ouvir e tratar os outros com respeito mesmo que não concordemos.
No veganismo, assim como na causa ambiental, você acredita que o perfeito é inimigo do bom?
Sempre digo que qualquer passo que você dá é ótimo e vou parabenizá-lo por isso. No entanto, penso que deveríamos nos esforçar para ser veganos porque com os problemas ambientais haverá sempre escalas: nunca seremos capazes de eliminar os nossos danos ao planeta, apenas reduzi-los. De uma perspectiva ética, mesmo que prejudiquemos apenas uma galinha, estaremos prejudicando um animal. E embora prejudicar um animal seja preferível a prejudicar um milhão, fazê-lo ainda é imoral.
Apoio todos os passos, mas quando fazemos campanha devemos defender o veganismo porque não somos as vítimas e não nos compete fazer compromissos em seu nome. Se fôssemos a vítima, não íamos querer que alguém nos machucasse, mas que nos defendesse e parasse de nos machucar.
No epílogo, você garante que “um mundo vegano seria o melhor para todos”, mas é algo que podemos pedir aos países menos desenvolvidos?
Não, não é justo esperar isso deles. Não é justo esperar algo de alguém que não consegue fazê-lo. Se você mora na África Ocidental, ou em uma área rural dos Estados Unidos, ou em um deserto alimentar, e não tem acesso a supermercados, sua capacidade de tomar decisões será limitada. Seria ingênuo ou mesmo arrogante esperar que pessoas que têm uma vida muito mais difícil que a minha possam atender às minhas expectativas. A questão não é que devamos esperar que todos façam a mudança tal e como o mundo é hoje, mas que aqueles que podem fazê-lo, o façam.
O veganismo é a coisa moralmente certa a se fazer quando você pode fazê-lo. Isto acontecerá à medida que as mentalidades mudem e o nosso sistema alimentar evolui para algo mais eficiente, econômico, ético e sustentável. Isto mudará os hábitos de consumo em todo o mundo, mas hoje não posso dizer que todos deveriam ser veganos, porque nem todas as pessoas têm a opção de o ser. Se eles têm, sim, deveriam ser.
Em qualquer caso, o consumo de produtos de origem animal nas nações de baixa renda é menor que o nosso, então pode-se dizer que o problema está nas nações de alta renda, que são as que podem fazer essas mudanças.
Sabemos quão problemáticas são as indústrias do tabaco e do petróleo e seus produtos, para dar dois exemplos. Você acha que o público está consciente no caso da indústria da pecuária?
Não confiamos nos executivos do tabaco, nem pensamos que um cientista climático e um lobista do petróleo sejam a mesma coisa. No entanto, ainda não aceitamos isso com os produtos de origem animal: ainda pensamos que um granjeiro sabe o que é melhor, que é ele quem cuida da terra e dos animais. Confiamos muito mais nos granjeiros do que nos cientistas, que são aqueles que nos alertam sobre as empresas petrolíferas, o tabaco e o amianto. Confiamos na ciência, mas nesta questão ainda fechamos os olhos e pensamos: “talvez os granjeiros tenham razão”.
O IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] publicou um relatório no ano passado em que queria recomendar a adoção de dietas baseadas em vegetais e teve que removê-lo devido à pressão da indústria da carne. Não percebemos o quão poderoso é o lobby da carne, mas a narrativa mudará: quanto mais falarmos sobre isso e mais inegável se tornar, mais veremos que devemos confiar nos especialistas e não naqueles que têm interesses financeiros na indústria.
Se chegamos a esse ponto com outras indústrias, porque não com a indústria da pecuária?
Temos a percepção tradicional de famílias trabalhadoras que vivem da terra e cuidam dos rebanhos. Precisamos dessas pessoas que nos alimentam todos os dias, mas não precisamos criar animais. Mesmo assim, temos a impressão de que se trata de algo nobre: quando pensamos em uma empresa de tabaco imaginamos homens de terno numa sala de reuniões tentando vender um produto; com a agricultura, pensamos no pastor com as ovelhas deitadas no campo.
Não vemos as indústrias da carne e dos laticínios como homens de terno e devemos fazê-lo, porque são as grandes empresas que impulsionam o setor. A minha frustração não é contra o agricultor médio; o meu descontentamento dirige-se aos chefes das indústrias que vão a Bruxelas e fazem lobby junto à União Europeia, porque são eles que têm o poder.
Parte dessa pressão visa garantir que não se possa chamar, por exemplo, o “salmão” de alternativa vegetal. O que você acha dessa polêmica com os nomes?
É desanimador. A indústria está tentando aprovar leis para tornar os produtos veganos menos atraentes. É um absurdo porque os consumidores não são estúpidos, essas empresas subestimam a nossa inteligência. Dizem que o espanhol médio não entende que o salmão vegano é salmão vegano ou que o leite de aveia vem da aveia e não das vacas. Somos tratados com condescendência como se não pudéssemos tomar nossas próprias decisões e a única razão pela qual as pessoas compram salsichas vegetarianas é porque cometem um erro. É triste, mas mostra outra coisa: que as indústrias estão preocupadas com as tendências e com a forma como as coisas estão mudando. É por isso que não creio que a resistência seja um mau sinal: se não tivessem nada a que resistir, não o fariam.
Podemos combater as alterações climáticas sem veganismo?
Em escala global, os alimentos não são a maior fonte de emissões, mas as dietas baseadas em vegetais têm de ser parte da solução. As emissões do nosso sistema alimentar, por si só, já nos levarão além dos limites de 1,5 e até 2ºC que queremos manter. Além disso, a pecuária é o principal motor do desmatamento, da perda de biodiversidade, da extinção de espécies e da destruição de habitats. O veganismo libera terras, elimina o maior fator de desmatamento e, em vez disso, podemos reflorestar, reintroduzir espécies à beira da extinção e melhorar a biodiversidade. Não é a solução mágica que irá consertar o mundo, mas sem ela nunca resolveremos os problemas que estamos tentando resolver.
Você afirma no livro que “romantizamos a pecuária”, mas a agricultura também é uma atividade artificial que pode ser prejudicial ao meio ambiente. Também romantizamos a agricultura?
Falamos da agricultura como se fosse algo natural, quando não é. Não creio que alguém diria que cultivar plantas é perfeito, mas o que me entusiasma é que podemos melhorá-lo. Mesmo agora ainda é melhor do que a criação de animais, imagine como poderia ser. O futuro da alimentação não precisa ser assustador: trata-se de inovação, progresso e transição para algo melhor. Acho que o melhoramento de plantas pode e irá melhorar, essa é a minha esperança.
Há algum produto vegano que você recomenda não comprar?
O primeiro passo é eliminar os animais da dieta, mas vejo o veganismo como um passo para nos conscientizarmos, pesquisarmos e escolhermos produtos de diferentes variedades ou países de origem. Dizer: estou na Espanha e vou comprar leite de amêndoa porque eles vêm da Espanha. Ou procurar marcas de chocolate mais éticas. Depois, há a questão de saber até onde levar as coisas do ponto de vista ambiental, porque teremos sempre de encontrar um equilíbrio. Não podemos viver uma vida completamente sustentável porque isso nos leva à inexistência. O mais fácil é que quando você compara plantas com animais, as plantas sempre saem melhores, mesmo as mais problemáticas.
Há cada vez mais produtos vegetarianos e veganos. Você está preocupado com o fato de haver cada vez mais alternativas pouco saudáveis?
O veganismo tem sido rotulado como uma dieta, uma moda saudável, e pensamos que os alimentos veganos devem ser saudáveis, mas algo não é saudável só porque é baseado em vegetais. Se comprarmos um produto vegano, seja um hambúrguer ou uma salsicha, ele não se destina a ser um ensopado de grão de bico. Temos de entender que se trata de uma replicação de um produto cárneo que não é saudável e que a sua aspiração não é ser o alimento mais saudável. O veganismo pode ser a dieta mais saudável, mas se você comer muitos hambúrgueres não será tanto assim, mesmo que as alternativas sem carne sejam mais saudáveis que as suas equivalentes. Contanto que os tratemos como um capricho, poderemos encontrar um equilíbrio.
O veganismo tornou-se um negócio?
Tornou-se um negócio e marcas de fast food e supermercados têm produtos próprios. Existe uma oportunidade financeira aí, e isso é bom e ruim. Num mundo ideal, estas empresas só serviriam comida vegana porque acreditam que é a coisa certa a se fazer, mas esse não é o mundo em que vivemos. Se uma das críticas contra o veganismo é que não é suficientemente acessível e é demasiado difícil e restritivo, quero que haja opções veganas em todos os lugares. Embora seja cínico que estejam lá por razões econômicas.
Quero dizer, se não há uma espécie de greenwashing em que produtos que não são veganos são disfarçados de veganos.
É frustrante ver como essas empresas tentam manipular as pessoas. No Reino Unido, às vezes você vê termos como plant powered e, após revisão, não é vegano, mas aproveitam as conotações positivas dos vegetais. Na realidade, os produtos de origem animal são muitas vezes os campeões de rótulos enganosos, de marketing e de palavras vazias. Se você for a qualquer supermercado verá imagens de paisagens exuberantes e agricultores felizes. Eles nos vendem mentiras, porque essa não é a realidade dos animais.
O orgânico e local nem sempre é melhor?
Pensamos que se o transporte for um grande problema, ao comprar comida local a comida viajará menos e será melhor. É uma simplificação, porque se você apoia um agricultor local não significa que o que ele produz seja sustentável só porque está perto de você. O mais importante é o que está produzindo. Quando se olha para as carnes vermelhas, menos de 0,5% das emissões relacionadas com a carne bovina provêm do transporte. Para o cordeiro é de 2%. Portanto, a carne não é sustentável, mesmo que seja produzida localmente.
Os animais não são mais sustentáveis do que os vegetais porque ocupam mais espaço e são grandes poluidores de rios e riachos. Os vegetais serão sempre a decisão mais importante, por mais locais e orgânicas que sejam: os alimentos vegetais com maior impacto ambiental ainda têm menos impacto do que os alimentos de origem animal mais sustentáveis. Isso facilita a decisão.
Os trabalhadores dos frigoríficos também são vítimas?
Não posso defender todos porque alguns fazem coisas desagradáveis, mas também não é justo generalizar. São locais configurados para atrair pessoas com menos oportunidades de trabalho, porque ninguém quer passar o dia inteiro matando animais. Elas não têm outras opções e acabam fazendo um trabalho muito violento do qual muitos sentem que não conseguem escapar. Como resultado, você encontra altos níveis de doenças mentais e também lesões no local de trabalho.
Eles vivenciam uma violência avassaladora, têm que fazer isso todos os dias e esperamos que no final do dia pendurem os aventais manchados de sangue e voltem para casa, mas a mente humana não funciona assim. Eles acabam tendo transtornos de estresse pós-traumático, problemas com drogas e álcool, e até mesmo a violência se espalha e afeta suas famílias. Devemos estar muito conscientes disso e ter empatia. Pagamos para colocá-los em situações nas quais não gostaríamos de estar e por conta do que sofrem. O consumidor paga para que tudo aconteça e depois desvia o olhar e finge que não tem nada a ver com isso.
Teria havido uma pandemia em um mundo vegano?
Existe uma ligação entre a nossa exploração de animais e as doenças infecciosas. O principal fator para o aparecimento da gripe aviária, que é o vírus que mais preocupa os especialistas devido ao seu potencial pandêmico, é a criação de animais. Quando você pensa isso percebe que estamos brincando com fogo. Além disso, a indústria faz a maior utilização de antibióticos no mundo: temos uma maravilha da medicina moderna e a estamos desperdiçando para manter os animais vivos o tempo suficiente para engordá-los antes de matá-los. Não creio que as pessoas percebam que as consequências do consumo de animais podem ser catastróficas para nós, não apenas para eles.
Ficamos na defensiva porque aceitar os argumentos do veganismo significa reconhecer que estávamos fazendo algo errado?
Se eu perguntasse se fazer mal aos animais é errado, todos diriam que sim. Mas se eu disser que causar danos aos animais é errado e que você deveria ser vegano, as pessoas diriam não. A lógica é a mesma; se fôssemos lógicos todos concordaríamos que também se aplica aos porcos, vacas e galinhas.
Isso não significa que essas pessoas sejam ruins por consumir produtos de origem animal. Fazer algo ruim não faz de você uma pessoa má. É mais complicado do que isso. Vivemos num mundo onde o consumo de produtos de origem animal é legal e normal. Desde o momento em que nascemos, somos informados de que está tudo bem, e a maioria das pessoas ao nosso redor faz isso.
Temos o dever moral de mudar, mas não creio que seja tão simples como dizer que você é uma pessoa má. É complexo, a psicologia humana é desafiadora, somos irracionais e as pessoas não mudam instantaneamente. Deveríamos encorajar as pessoas a continuarem a fazer mudanças até perceberem que o que estavam fazendo era mau, sem que isso as tornasse pessoas más. Enquanto não mudarmos a dinâmica da nossa cultura e das nossas mentalidades, e desmantelarmos essas narrativas, esta contradição continuará a existir.
Esta entrevista foi propaganda vegana?
[Risos] Quase certamente. Intitulei-o [o livro] assim porque haverá quem o leia e pense que é propaganda, mas tudo o que digo tem uma citação e peço sempre às pessoas que olhem e me façam fact-checking, o que é algo que não fazemos o suficiente. Espero que o livro incentive as pessoas a se aprofundarem um pouco mais e a não acreditarem em algo só porque o veem na internet. Alguns podem pensar que é propaganda vegana, mas espero que seja uma defesa convincente do veganismo fundamentada na ciência.
O que você recomendaria para alguém que está ciente dos problemas que surgem com o consumo de produtos de origem animal, mas não se considera capaz de se tornar vegano?
Simplificar. O veganismo pode parecer um pouco opressor no início porque estamos mudando nosso estilo de vida. Muito disso é psicológico e trata-se de dizer a si mesmo: “Quer saber? Vou experimentar aos poucos até que se torne meu novo hábito”. Muitos dos alimentos de que gostamos podem ser veganos: massas, curry, salteado de legumes, nachos, paella... existem alternativas para praticamente tudo. Basta pegar as receitas das quais você já gosta e modificar um ou dois ingredientes.
Isso torna tudo muito mais fácil, porque o veganismo não consiste em reinventar a roda. Se você cometer um erro, tudo bem, levante-se e continue. Todos cometemos erros na vida, mas eles não nos definem e não devem nos desanimar. Você pode ceder a um desejo no quinto dia, tudo bem, aliviar um pouco a pressão, simplificar e viver um dia de cada vez. Com o tempo, fica mais fácil e se torna o seu novo normal. Então você dirá: “Não sinto falta disso porque aceito a pessoa que me tornei”.
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“A carne não é sustentável, mesmo quando a produção é local”. Entrevista com Ed Winters - Instituto Humanitas Unisinos - IHU