14 Novembro 2023
A entrevista é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 12-11-2023.
“Ou entendemos que a ordem e o comando acabaram, ou isso não vai funcionar. Porque a sociedade atual vive parâmetros completamente diferentes do autoritarismo. E o autoritarismo acaba nos distanciando do povo”. Ele foi uma das grandes “estrelas” da informação vaticana durante o último Sínodo. Luis Miguel Modino, enviado especial do Religión Digital à assembleia do Sínodo sobre a Sinodalidade, disseca o que se viveu neste último mês e os passos a dar nestes onze meses de 'nascimento sinodal' até a assembleia de outubro de 2024. A sua visão, sem dúvida privilegiada, nos oferecerá muitas pistas sobre o presente e o futuro da Igreja.
Hoje estamos acompanhados por Luis Miguel Modino, finalmente em presença mortal. Como você está, em carne mortal?
Tudo bem.
Luis Miguel Modino foi muito lido no último mês porque foi o enviado especial do Religión Digital ao Sínodo. Antes também, porque é nosso correspondente em toda a América Latina. Ele fez um ótimo trabalho, embora não goste que digamos isso, mas já que estamos aqui, vamos dizê-lo. Posicionou nosso site como o local onde foi divulgada a maior parte da informação em espanhol, pelo menos sobre o Sínodo. Ele acaba de chegar, e antes de partir para o seu país - é um missionário de Madri, mas vive e sonha no Brasil -, bem, queríamos falar com você para, antes de mais nada, agradecer-lhe pelo seu trabalho de sempre, e para você nos contar um pouco.
Você esteve no Sínodo. O que você pensa das coisas que viveu durante este longo mês?
Nos primeiros dias dizia-se que este Sínodo, esta primeira sessão, era para aprender a fazer uma Igreja sinodal e tentar garantir que isso fosse assumido em todos os níveis da Igreja. E nesse sentido acredito que houve algum progresso, porque venho da América Latina e, por exemplo, no Brasil, em muitos lugares já é assim. É algo que está mais avançado.
É mais natural.
É mais aceito. É algo que não deveria ser falado. Mas entendo que em outros contextos seja algo completamente novo e mostrar que em alguns lugares isso funciona e que é possível, embora sempre haja resistência, é um bom primeiro passo para a segunda etapa, que se supõe ser mais decisiva.
Como se vive a sinodalidade? É possível ser sinodal em Roma, no Vaticano, com a mesma estrutura ossificada que, pelo menos historicamente, sempre teve, ou essa atmosfera sinodal também se nota dentro dos muros do Vaticano?
Acredito que aos poucos o estilo do Papa Francisco está se consolidando e o principal promotor deste Sínodo foi claramente ele. É algo que ele tinha em mente há vários anos, provavelmente desde o início do seu pontificado, e que estava a dar passos concretos pelo menos nos últimos cinco anos.
Primeiro, convocou o Sínodo para a Amazônia, onde já foi realizado um processo de escuta muito extenso, para ser um sínodo regional. Mais tarde, quando os bispos da América Latina levantaram a possibilidade de uma sexta Conferência do Episcopado, ele disse que seria melhor realizar uma assembleia eclesial, e aí vimos muitas coisas que agora apareceram no Sínodo em nível universal naqueles círculos menores que naquela época eram virtuais.
Aquelas mesas redondas que Czerny e Barreto falaram na última quinta-feira.
Nesse caso eram mil pessoas. Cem, ou menos, no México. Eu estive lá e já foram dados passos importantes nesse sentido. Já existiam círculos menores onde havia leigos. E ali a maioria eram leigos, porque naquela assembleia eclesial, 20% diáconos e sacerdotes, 20% representantes da vida religiosa e 40% leigos e leigas. Havia muitas mulheres, já naquela assembleia eclesial.
Pouco a pouco, isso se concretizou e foi levado a Roma. Tanto o Cardeal Grech como o Cardeal Hollerich reconheceram abertamente a importância daquela assembleia, e chegaram a dizer, num encontro com os latino-americanos, que provavelmente sem essa assembleia não teria sido possível dar estes passos nesta primeira fase da assembleia sinodal.
Acho que, aos poucos, está sendo aceito. Não é fácil mudar uma estrutura com 2.000 anos e não podemos esperar que ela mude de um dia para o outro. Sempre digo que nada começa conosco e nada terminará conosco. Mas é preciso tomar medidas.
De Roma, nesse dia a dia, o que mais surpreendeu você para melhor, o que mais lhe incomodou durante todo esse tempo? Estão no ar nas discussões deste mês de trabalho? Ou não são importantes?
A informação tem sido muito limitada e foi preciso procurar como obtê-la, mas tem havido tensões dentro do salão sinodal. Isto é algo evidente também, porque as pessoas vêm de culturas diferentes e de diferentes formas de viver a fé. Há resistência para que o Sínodo seja assim. Há bispos que dizem que o sínodo tem que ser só de bispos...
Está aí. Acredito que mais passos deveriam ser dados para tornar visível o que realmente foi vivenciado. É verdade que o Papa Francisco insistiu muito que isso condiciona a liberdade, mas creio que não se trata de dizer "fulano de tal disse", mas sim de ajudar a compreender o que foi vivido, de poder ajudar também na reflexão. Acredito que quando se escreve, faz-se para tentar ajudar, pelo menos eu faço nesse sentido, mas, bom, cada um tem a sua forma de ver as coisas e no fim encontram-se os caminhos para dar os passos que se seguem, que precisamos tomar.
Você mencionou que o sínodo terminou com um relatório de síntese e que se espera que na assembleia do próximo ano. Depois de ir às bases, ele retorná e decisões mais firmes poderão ser tomadas. Mas há a sensação, ou pelo menos a sensação jornalística, de que há assuntos que antes eram discutidos, até nos documentos, e agora não aparecem no relatório. E nos questionamos se isso impossibilitará a discussão desses temas e a sua inclusão novamente. Por exemplo, algo que aparece no instrumentum laboris não aparece mais é o termo LGTBQI e outros temas. O fato de não constarem do documento-síntese influencia o fato de no futuro estas questões deixarem de ser abordadas porque já é evidente que não há consenso, ou, pelo contrário, que se tentou criar um documento que evite tensões e permita continuar a avançar e que será realmente em outubro que poderão ser tomadas decisões mais concretas?
Acho que depende da insistência nas diferentes questões nas bases. Se for evidente que a Igreja em todo o mundo quer que algo seja discutido, provavelmente será discutido. Nesse sentido, o programa de Francisco é muito aberto.
Sim, mas digo isso porque já foram ditos aqueles temas que queriam discutir e, no entanto, o documento que volta às bases elimina certas coisas que as bases se propuseram discutir.
Mas acredito que se for considerado importante discutir um tema, devemos insistir.
Quero dizer que as bases estão sendo obrigadas a insistir novamente.
Mas é preciso entender que pela forma como o Sínodo foi realizado, só saiu o que era consenso dos círculos menores. Temas polêmicos normalmente não apareciam nas reportagens e isso provavelmente significa que alguns temas foram extintos. Porque as tensões em questões polêmicas são evidentes.
Viu-se na questão do diaconato, que quase nada é apontado, embora tudo seja aprovado por mais de dois terços, notou-se claramente que quando havia um setor contra, no número de votos, pelo menos.
Isso é evidente e não se pode negar que assim seja. Mas eu insisto. O processo sinodal entra agora num período, do meu ponto de vista, crítico. E o risco é que as pessoas esqueçam. Porque às vezes protestamos contra certas atitudes, mas não podemos sentar à mesa e discutir abertamente com quem pensa diferente.
Porque, no fundo, a Igreja Sinodal não é uma Igreja como eu quero que seja, mas uma Igreja onde todos têm um lugar e onde todos podem falar e todos devem ouvir. Esse é o grande desafio.
Eu sentaria com alguém que pensa contrário ao que penso ou mesmo que é meu inimigo ideológico?
São questões que é preciso debater e ver até que ponto estamos dispostos. E durante esses 11 meses o desafio é esse; veja como isso está estruturado, veja como volta e veja os filtros que são colocados; porque sempre digo que podemos ser esponjas, mas também podemos ser funil. Neste sentido, creio que pela estrutura da Igreja, o que se faz nas paróquias é fundamental e devemos convencer os párocos que este processo sinodal é importante e que temos que encorajar as pessoas a falar e a falar abertamente e depois, vejam como o que se diz está colocado nos relatórios que são enviados às dioceses e à Conferência Episcopal, estes às assembleias continentais.
Acredito que, neste sentido, temos de ser honestos; aqueles de nós que, digamos, fazemos parte das estruturas de decisão, estamos abertos a questões com as quais provavelmente não concordamos, mas que são o resultado da reflexão de muitas pessoas. Então, acho que o que vai ser feito nesses 11 meses é decisivo.
O que você acha que vai acontecer nessa gravidez de 11 meses?
Não sei o que vai acontecer, mas espero que as pessoas se envolvam, possam participar e que tenham a oportunidade de o fazer, porque, caso contrário, não vai funcionar e sei que a estrutura da Igreja tem a possibilidade de promovê-lo e detê-lo.
Estamos confiando em tudo dentro de um ano; para que saia um documento que depois terá que ser validado pelo Papa ou não. Porque, no fim, o papa é que tem a última palavra. Também não sabemos quem participará da segunda assembleia, se serão iguais à primeira.
São os mesmos. Houve uma pergunta na Sala de Imprensa e Paolo Ruffini disse que serão os mesmos a participar. Imprevistos sempre podem ocorrer e outros devem ser apurados, mas foram indicados para participar da assembleia de ambas as convocatórias.
O que está em jogo para a Igreja no que vai acontecer até que saia um documento ou até que o Papa tome uma decisão? Ou o que acontece se nada acontecer?
Acredito que algo vai acontecer, independentemente dos documentos e dos temas que possam surgir neste momento. Para mim, o fundamental é aprender a ser uma Igreja onde as decisões são tomadas depois de ouvir os outros.
O problema da Igreja é um problema de autoridade e de como a autoridade é exercida. Que um pároco não tenha medo de ouvir a Junta de Freguesia e que só se houver algo de extremamente grave não tenha medo de assumir o que a Junta de Freguesia decidir. Que um bispo não tenha medo de ouvir as diferentes estruturas da diocese para tomar decisões.
Acho que ou entendemos que a ordem e o comando acabaram ou isso não vai funcionar. Porque a sociedade atual vive parâmetros completamente diferentes dos autoritários. E o autoritarismo acaba nos distanciando do povo. Um pai não pode dizer ao filho: você me obedece porque eu sou seu pai, isso já ficou na história. Na Igreja é a mesma coisa: se você disser, você me obedece porque sou o pároco ou porque sou o bispo, muita gente vai rir de você. Essa é a grande mudança que tem que acontecer.
Se não sou capaz de ouvir a todos e de ter em conta a opinião de todos na hora de tomar decisões, que em princípio devo tomar porque alguém precisa decidir, a Igreja ficará com cada vez menos pessoas.
E você acha que isso vai acontecer?
Tenho esperança que isso aconteça porque vivo essa realidade. A igreja no Brasil é dividida em regionais. E a regional em que estou é a Assembleia Nacional, não é a assembleia dos bispos. E há sempre um representante dos jovens de cada diocese, dos povos indígenas, da vida religiosa... Muitas vezes nem é necessário votar, mas se fosse necessário, todos votam e todos falam. E ninguém diz, vamos ver o que o bispo diz. Isso é algo fundamental.
Isso aqui na Europa, neste momento, parece impensável porque temos um obstáculo institucional muito maior do que outros cantos podem ter.
Mas, por exemplo, o arcebispo do Panamá, quando houve uma Assembleia sinodal no ano passado, disse abertamente, evitei votar porque acredito que não tenho que votar. Eu tenho que ouvir. E então ele sabe o que decidir e decide, de fato. Mas ele faz isso com base no que ouviu; Esse é o grande passo a dar. Não tenha medo de sentar à mesa com alguém que pensa diferente. Não tenha medo de sentar à mesa e não tenha medo de falar alguma coisa, porque aqui as mulheres também decidem. Ou também dão a sua opinião para poderem decidir.
Esse é o grande passo que deve ser dado. Acho que o que o padre diz já deveria ter ficado na história.
Deus te ouça, Luís Miguel. Muito obrigado por este mês, pelo que continuam fazendo com a Religião Digital e, de alguma forma e a partir daqui também, pela construção dessa Igreja para todos, todos, todos. E vamos esperar por esses 11 meses e depois pelo que acontece em outubro. Você nos ajudará a contá-lo, espero. E boa viagem de volta, suponho que você vai querer voltar para sua outra terra natal, o Brasil.
Sim porque, no final das contas, a vida está aí.
Mas acredito que não podemos perder a esperança. Não vamos adiantar decisões sobre algo que ainda está em processo.
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“O problema da Igreja é o da autoridade e de como essa autoridade é exercida”. Entrevista com Luis Miguel Modino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU