11 Novembro 2023
"Uma das características do ecoativismo é a procura da unanimidade e a fuga aos conflitos internos ('já somos tão poucos…'). Renunciar à conexão, mesmo que apenas por pouco tempo, pareceria bem difícil para muitas pessoas; talvez descobríssemos então que a nomofobia (a angústia de estar sem telefone celular, desconectado) é ainda mais forte do que a 'ecoansiedade'", escreve Anselm Jappe, em artigo publicado por A Terra é Redonda, 08-11-2023. A tradução é de Fernando Lima das Neves.
Jappe é professor na Academia de Belas Artes de Sassari, na Itália. Autor, entre outros livros, de "Un complot permanent contre le monde entier: Essais sur Guy Debord" (L’échappée).
No “acampamento climático”, entre centenas de participantes, alguns circulavam de um grupo a outro dizendo em voz baixa: “Em 15 minutos, reunião para preparar a manifestação de amanhã. No canto do campo”. Ao chegar ao local indicado, o mais distante das outras atividades, você é convidado a colocar seu celular numa mesa, a alguns metros de distância. Em seguida, os ativistas aproximam-se o máximo possível entre eles e as informações são trocadas em voz baixa. O motivo é óbvio: essa manifestação planeja chegar, sem autorização prévia, a um local que a polícia considera “sensível”. Portanto, é preciso jogar a carta da clandestinidade.
Mas sabemos que os smartphones podem funcionar nos dois sentidos e transmitir o sinal a bisbilhoteiros sem o conhecimento de seus proprietários. Os ativistas então param por 15 minutos – sem dúvida inutilmente, pois certamente há spywares (programas espiões) capazes de ouvir à distância… sem mencionar o fato de que muito provavelmente há informantes entre as dezenas de ativistas (mas esse é outro assunto raramente discutido no movimento).
O ritual bastante recorrente de desligar os telefones é claramente um compromisso pouco honroso: estamos bem cientes de que realmente deveríamos ficar sem uma conexão permanente, mas só conseguimos fazer isso de vez em quando, por 15 minutos, e apenas por razões de “segurança”, que mais nos fazem rir por causa de seu aspecto um pouco de escoteiro. E, no entanto, as pessoas com sensibilidade ecológica deveriam, mais do que todas as outras, ser cautelosas com o mundo digital e reduzir o máximo possível seu uso. Correndo o risco de repetir argumentos que todo ambientalista deveria saber de cor e espalhar ao seu redor, lembremo-nos de algumas “banalidades básicas”.
A internet é um dos maiores consumidores de energia: atualmente de 10 a 15% da eletricidade em nível mundial, mas com um forte crescimento que a tornará o setor com maior consumo de energia dentro de alguns anos. [i] Sua contribuição para o aquecimento global é bem conhecida. Diz-se que as redes são “imateriais”, mas se baseiam em estruturas bem materiais, como centros de dados, cabos, computadores e telefones.
Apresentar a passagem a uma utilização cada vez maior da tecnologia digital como uma solução “ecológica” é uma ilusão ou engodo, tal como quando propomos – seguindo o exemplo dos Verdes alemães no governo – utilizar ao máximo o trabalho remoto, regozijando-nos até mesmo pelo fato de que a gestão da Covid contribuiu fortemente para esta evolução. Devemos, então, esquecer que a Internet e o telefone celular só existem graças à extração de matérias-primas e à proliferação de resíduos que ocorrem necessariamente em condições deploráveis no sul do mundo.
Mas as mesmas pessoas que só bebem café e vestem camisetas “adquiridos no comércio justo” não são muito sensíveis a este assunto, porque sabem que, neste domínio, não encontrarão nenhum rótulo que lhes alivie a consciência e que deveriam, portanto, dispensar completamente, se fossem coerentes.
Mencionemos brevemente as consequências das ondas eletromagnéticas para a saúde e o fato de já não estarmos a salvo das radiações em lugar algum.
Em seguida, a consciência ecológica é geralmente acompanhada de uma preocupação com as liberdades (mesmo se, em certos meios, cresça a tentação de evocar métodos autoritários para resolver parcialmente a crise ecológica, seja sob a forma de cidades inteligentes com um controle minucioso do comportamento das pessoas, seja sob a forma de uma verdadeira “ecoditadura”).
Não é necessário lembrar que hoje nada ameaça mais as liberdades como a possibilidade de seguir cada palavra e cada gesto de uma pessoa através de objetos conectados, quer se trate de seu telefone ou de seu cartão de crédito, de seu consumo de eletricidade (medidor Linky) ou de séries de TV, de seus bilhetes de trem ou de suas compras de supermercado. Já estamos vivendo um grau de vigilância que, em muitos aspectos, ultrapassa aquela descrita por Orwell em 1984, quando ainda era possível nos posicionar fora do campo de visão da tela em casa.
E como, neste domínio, tudo o que se pode fazer acaba sendo feito, podemos ter certeza de que os sistemas de vigilância que já estão funcionando na China, incluindo o reconhecimento facial, em breve serão comuns no mundo inteiro. Em todos os níveis, há uma pressão permanente para viver uma vida digital – quem não tem telefone celular é privado de certos serviços. Para o capital e para o Estado, a digitalização total constitui claramente uma prioridade absoluta e nada lhe deve escapar – o que é razão suficiente para nos opormos a ela.
Além disso, ecologia significa defender a natureza das agressões tecnológicas, ou seja, crítica da artificialização cada vez maior da existência. É impossível não reparar que, quanto maior a digitalização, menos direta é nossa relação com os outros seres humanos e com a natureza.
Estes fatos são bem conhecidos. Se os lembrarmos a um ambientalista médio, ele o admitirá rapidamente. Mas passar à prática é outra questão. Frequentemente constatamos que as razões invocadas, tanto pelos poderes como pelos cidadãos comuns, para declarar impossível qualquer mudança rápida (sair do automóvel, abolir os pesticidas, reduzir o consumo de carne, acabar com a caça, proibir os nitritos, reduzir drasticamente o tráfego aéreo, etc.) são falsas e, na melhor das hipóteses, resumem-se à preguiça, ou mesmo à sabotagem e ao desejo de que tudo continue como antes.
Mas os mesmos ecologistas que fazem esta crítica, justificada, declaram rapidamente que as redes facilitam de tal forma a organização da vida militante e a difusão de informações que é impensável ficar sem elas. O assunto em si provoca irritação, a discussão passa rapidamente para outros temas. Apenas um aspeto atraiu a atenção: o medo das escutas. Mas a solução tecnológica já está pronta: aplicativos “ultra-seguros”, porque são encriptados de ponta a ponta.
Todos os ativistas precisam tornar-se especialistas nestes aplicativos e, em seguida, juram pelo Protonmail, Telegram ou Signal. É uma pena que, em 2021, o Protonmail tenha transmitido à polícia informações sobre os ambientalistas. [ii] É absolutamente certo que a polícia pode obrigar qualquer fornecedor a entregar seus dados quando a “segurança” está em jogo (“ecoterrorismo!”). E é igualmente certo que a polícia pode infiltrar-se, com ou sem base legal, em qualquer meio de comunicação. É infantil acreditar que podemos nos comunicar na internet de forma confidencial.
Talvez haja formas mais seguras de distribuir informações que não são destinadas às forças da ordem. Por exemplo, os antigos serviços postais, utilizando eventualmente endereços de pessoas não suspeitas. Durante mais de um século, isto foi muito comum entre as pessoas que tinham algo a esconder. Ou falar ao telefone em código. Mas tudo isto custa tempo e esforço, e o ativista, como toda as pessoas, como o cidadão comum que elogia o trem e, ao final, acaba indo de carro, recorre ao meio mais fácil.
De fato, no ponto em que estamos, parece muito difícil ficar sem um smartphone de repente, ou um carro, ou uma conta bancária. Mas não seria necessário, pelo menos, iniciar o debate e, acima de tudo, dar início a algumas “boas práticas”? Por que colar por todo lado, num acampamento climático, códigos QR com o programa, sem imprimi-lo? Por que distribuir documentos de uma campanha “Não pague pelos combustíveis fósseis” (Ultima generazione, Itália) sempre com um código QR ao lado, símbolo da digitalização total do mundo e de suas consequências para o ambiente, como o consumo excessivo de combustíveis fósseis?
Seria inconveniente ir à manifestação de Sainte-Soline sem um smartphone. Para chegar lá com um veículo compartilhado, seria necessário inscrever-se num site com senha e todo o resto, como o Blablacar. Depois, para saber aonde ir, seríamos convidados a registrar-nos no Telegram, etc. Quem não cumprisse estas regras seria um incômodo para os outros e seria considerado, pelo menos tacitamente, reacionário, velho, inadaptado, ultrapassado. Tal como o resto da sociedade.
Uma sugestão prática: em todos os encontros e ações ambientalistas, a comida é sempre vegana, embora nem todos os ativistas o sejam. Então, por que não declarar estes encontros “sem internet”? Mesmo que se fique desconectado durante algumas horas, ou alguns dias, já seria possível favorecer a desintoxicação e a conscientização…
No entanto, é pouco provável que esta proposta seja bem-sucedida. Com efeito, uma das características do ecoativismo é a procura da unanimidade e a fuga aos conflitos internos (“já somos tão poucos…”). Renunciar à conexão, mesmo que apenas por pouco tempo, pareceria bem difícil para muitas pessoas; talvez descobríssemos então que a nomofobia (a angústia de estar sem telefone celular, desconectado) é ainda mais forte do que a “ecoansiedade”.
Por trás da questão da utilização das redes, existe uma clivagem potencial bastante séria no campo ambientalista: entre aqueles que acreditam que evitar a catástrofe ecológica exige uma redução acentuada da utilização das tecnologias e a reconstituição de práticas de autonomia, e aqueles que acreditam, mesmo sem o dizerem abertamente, que será inevitável recorrer às tecnologias existentes ou ainda por desenvolver, do trabalho remoto à geoengenharia, dos algoritmos de gestão de resíduos e de circulação à carne sintética, dos carros elétricos ao isolamento térmico em poliestireno, das turbinas eólicas aos biocombustíveis…
[i] “Se a Internet fosse um país, seria o terceiro maior consumidor de eletricidade do mundo, com 1.500 Terawatt-hora (TWh) por ano, atrás da China e dos Estados Unidos. No total, o setor digital consome 10-15% da eletricidade mundial, o equivalente a 100 reatores nucleares. E este consumo duplica a cada quatro anos! Assim, de acordo com o pesquisador Gerhard Fettweis, em 2030, o consumo de eletricidade da Web será igual ao consumo mundial em 2008 para todos os setores combinados. Num futuro próximo, portanto, a Internet se tornará a maior fonte de poluição do mundo (…) Em termos de emissões de CO2, a Internet polui 1,5 vez mais do que os transportes aéreos”. (“Internet: le plus gros pollueur de la planète?”, fournisseur-energie.com, 26 de julho de 2023 – aliás, não é um site ambientalista, mas que dá “conselhos aos consumidores”!).
[ii] “ProtonMail transmite endereços IP à polícia: 4 perguntas para compreender a polêmica”, Numerama, 6 de setembro de 2021.
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Ambientalistas ou hiperconectados? Artigo de Anselm Jappe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU