27 Fevereiro 2018
“Um estudo recente dos especialistas Yujie Su, Peidong Zhang e Yuqing Su atesta que o “o apoio de políticas públicas é a principal força motriz para o desenvolvimento da indústria de biocombustíveis. Oito das dez maiores companhias nos Estados Unidos recebem pesados investimentos governamentais”. E é exatamente isso que tem ocorrido no caso europeu”, constata Rodrigo Leão, mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP) e atualmente, é um dos diretores do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP) e pesquisador visitante do NEC-UFBA, em artigo publicado por CartaCapital, 27-02-2018.
Em prosseguimento à política de desinvestimentos, a Petrobras divulgou a venda de suas ações no grupo do ramo sucroalcooleiro, São Martinho, por um valor de 444,24 milhões de reais.
No segmento de energia renovável, em 2016, a Petrobras vendeu para o grupo francês Tereos a sua participação na sucroalcooleira Guarani por 202 milhões de dólares, bem como anunciou o fim das atividades da PBio e reduziu os investimentos em P&D nesse segmento.
A decisão da Petrobras de se desfazer dos ativos em energia renováveis caminhou em trajetória oposta àquela percorrida pela Europa nos últimos anos. Não por acaso, além da Tereos, outras empresas europeias ingressaram recentemente no mercado de energias renováveis no Brasil.
A suíça Glencore adquiriu dois anos atrás por 350 milhões de reais a usina de Guararapes do grupo Unialco. No mesmo ano, o maior complexo europeu produtor de açúcar, a alemã Suedzucker, anunciou o interesse em investir no Brasil por meio da aquisição de usinas.
Esse interesse europeu no Brasil não reflete uma estratégia de curto prazo, mas uma decisão estratégica de maior investimento (seja pela compra de ativos no exterior ou pela internacionalização de suas empresas) no segmento de energia renovável, principalmente a partir da década de 2000.
A decisão de maiores investimentos no ramo de energia renovável não é resultado apenas de uma decisão empresarial, como também de uma articulação política e econômica entre os diferentes países da região. O caso do desenvolvimento dos biocombustíveis reforça essa visão.
O marco do desenvolvimento dos biocombustíveis foi a assinatura do Protocolo de Kyoto e um documento elaborado pela Comissão Europeia sobre o futuro da energia na Europa em 1997. Todavia, foi a partir de 2009 que se intensificaram as políticas para o desenvolvimento de bioenergia europeia.
Em 2009, o Parlamento Europeu aprovou o programa de promoção de energia renovável (“Renewable Energy Directive”).
Tal programa ficou conhecido por impor, até 2020, o alcance das metas “20-20-20”: redução de 20% da emissão de gases do efeito estufa. diminuição do consumo de energia básica em 20% e ampliação da participação de energia renovável no total consumido pela Europa para 20%.
No que diz respeito aos biocombustíveis, foi determinado que, após 2017, ao menos 60% dos projetos realizados para a redução de gases do efeito estufa deveria utilizar biocombustíveis. Além disso, os biocombustíveis deveriam representar 10% dos combustíveis utilizados nos transportes e o percentual de mistura com o diesel teria de alcançar 7% até 2020.
Em 2012, a Comissão Europeia lançou um documento denominado “Innovating for Sustaintable Growth: a Bioeconomy for Europe”, que propôs medidas para impulsionar o desenvolvimento da “bioeconomia” europeia. Entre as áreas prioritárias estavam aquelas de biocombustíveis e de usinas de biodiesel.
Em 2017, a Conferência do Clima (COP-23) realizada na Alemanha, que desenhou medidas capazes de atingir os objetivos de limitação do aquecimento global estabelecidos no Acordo de Paris de 2015, lançou a “Plataforma para o Biofuturo” assinada por 20 países, sete europeus. O documento sugeriu a realização de novas politicas públicas e metas para o desenvolvimento dos biocombustíveis.
Esses programas evidentemente foram criados em paralelo a instrumentos de fomento aos investimentos no setor.
No campo tributário, o Parlamento Europeu incentivou a reestruturação do sistema de taxação de produtos energéticos e da eletricidade em âmbito comunitário, oferecendo a possibilidade de apoiar o uso de biocombustíveis mediante incentivos fiscais de até 100% em nível nacional e isenção de até seis anos para instituições que utilizassem combustíveis com alto percentual de mistura de biocombustíveis.
Em relação aos investimentos, em 2009, a Política de Desenvolvimento Tecnológico da Economia de Baixo Carbono (“Low-Carbon Technology Development RoadMap of 2010-2020) reservou um fundo de 9 bilhões de dólares para investimentos em P&D de bioenergia e para a construção de 30 projetos pilotos de bioenergia em toda a Europa.
Ademais, a sétima edição do “Framework Programmes for Researches and Technological Development” de 2013 dedicou 2,53 bilhões de euros a projetos em energia, principalmente na área de bioenergia. Os maiores projetos ficaram focados para escala de produção e o estabelecimento de novas plantas de bioenergia, incluindo combustíveis de aviação com utilização de novas matérias primas como algas.
Esse esforço de tornar a matriz energética mais sustentável tem sido feito inclusive por grandes empresas de petróleo europeias, entre elas a Eni e a Total, em reduzir a emissão de gás metano e investir em energias renováveis como os biocombustíveis.
A Europa tem alcançado resultados promissores com essa política. Em 2015, a Alemanha, França e Holanda estavam entre os oito maiores produtores de energia renovável no mundo, com quase 10% da produção global (em biocombustíveis somente os alemães detém algo em torno de 30%).
No mesmo ano, a Alemanha havia alcançado seu maior volume de produção de biocombustíveis em uma década.
Apesar dos esforços realizados, ainda existem desafios de longo prazo a ser superados. A demanda por biocombustíveis não tem crescido suficientemente para absorver o crescimento da capacidade de produção da Europa.
Entre 2012 e 2016, o percentual de utilização do parque produtor de biocombustíveis tem se reduzido, de 55% para um valor pouco menor que 50%. Além disso, em 2016, o percentual de mistura do biocombustíveis no combustível estava em 4,3%, ainda distante dos 7% almejados para 2020.
As margens de lucro estreitas, a redução do preço do petróleo e as diferentes estrutura de produção do bloco europeu no segmento dificultam o alcance desse percentual.
Em suma, há a necessidade de se estruturar instrumentos para melhorar as condições de oferta e demanda no setor. Essas políticas passam por um maior direcionamento e coordenação estatal em busca de condições de oferta e demanda.
Um estudo recente dos especialistas Yujie Su, Peidong Zhang e Yuqing Su atesta que o “o apoio de políticas públicas é a principal força motriz para o desenvolvimento da indústria de biocombustíveis. Oito das dez maiores companhias nos Estados Unidos recebem pesados investimentos governamentais”.
E é exatamente isso que tem ocorrido no caso europeu. A COP-23 mostra o compromisso da União Europeia e de seus Estados de articulação de políticas públicas para fomentar o crescimento do setor no médio e longo prazo. Esse é um caminho sem volta para o desenvolvimento de uma matriz energética mais sustentável no longo prazo.
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Os biocombustíveis, a Europa e a Petrobras na contramão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU