11 Outubro 2023
A Irmã Helen Alford, nomeada pelo Papa, presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, explica como a instituição estuda os efeitos da doutrina da Igreja na sociedade.
A entrevista é de Carlo Marroni, publicada por Il Sole 24 Ore, 08-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O claustro do Angelicum é uma bolha de silêncio. No entanto, a poucos metros de distância, há um dos cruzamentos mais barulhentos (e poluídos) de Roma. É a Universidade São Tomás de Aquino, o coração do conhecimento dominicano, uma das universidades pontifícias mais prestigiadas e resistentes. Os estudantes, não apenas religiosos, chegam de todo o mundo, e isso é evidente.
A Irmã Helen Alford adora esse lugar, ensina ali há 27 anos. Ela é inglesa, mas também um pouco romana, do bairro Monti, a Salita del Grillo fica logo abaixo. Ela é a nova presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, nomeada pelo Papa Francisco, depois que seu nome ficou no topo da lista de preferências de um levantamento informal entre os membros.
Uma freira inglesa, portanto, de 59 anos. Um fato sobre sua vida se destaca principalmente, no início de sua história. Ela é formada em engenharia pela Universidade de Cambridge, no King's College. A faculdade da qual saiu um número não especificado de primeiros-ministros, mas também Alan Turing e John Maynard Keynes, apenas para citar alguns dos mais conhecidos.
Nasci num bairro ao sul de Londres, Streatham, entre Brixton, que era então uma área de alta imigração, e o bairro "sofisticado" de Wimbledon. No meio. Minha família era católica, meu pai era professor de química orgânica.
Ciência em família, então. Mas não só. Já havia algo sobre seu destino final.
Na escola também estudei italiano, havia muitos de seus compatriotas a instituição, eu gostava de estudar o idioma e foi muito útil no meu futuro.
Sim, porque o italiano (ainda) é a língua oficial da Santa Sé e de todas as universidades pontifícias, mesmo que o uso do inglês seja agora a norma, tanto nas salas da Cúria onde se discutem as relações internacionais, como nas universidades. Helen começa seus estudos em Cambridge e algo acontece quase imediatamente. Mais ou menos por acaso se depara com um artigo de 1981 que mudaria a sua vida: “Engineers and the Work People Do”, de Howard Rosenbrock, uma figura importante na teoria de controle e engenharia de controle. O que há nesse texto, na verdade nem particularmente longo? Ilumina (é o caso de dizer) uma transição que no início dos anos 1980 não era assim tão óbvia: passar do trabalho humano concebido como uma máquina – portanto, uma linha de montagem de molde antigo, e cita o exemplo de uma fábrica de lâmpadas com um movimento que as operárias realizavam a cada 3 segundos e meio, nem mais nem menos – ao conceito de participação real do trabalhador no processo, usando não o seu tempo, mas as suas competências.
A ideia era mudar o sistema até então dominante em torno das pessoas, para o máximo das suas competências. Era a maneira de pensar dos engenheiros (da época, evidentemente), colocar a máquina no centro sem pensar no mundo ao redor, porque dessa forma se pode controlar tudo.
Hoje, porém, as coisas mudaram muito; Tempos Modernos, o famoso filme dirigido e estrelado por Charlie Chaplin em 1936 é, pelo menos no Ocidente, uma lembrança, mas é preciso encontrar um caminho. Os principais gigantes da economia mundial são as Over the top, as gigantescas corporações da tecnologia.
Estamos à procura de outra visão, penso que os chefes dessas empresas apreciam o nosso trabalho. No final são sempre os engenheiros que o colocam em prática, mas se não tiverem a inspiração para tentar fazê-lo, não o farão; é nesse espaço que entramos em jogo. Se Mark Zuckerberg e seus colegas pedissem aos seus engenheiros para criar uma interface que gere lucro para a sua empresa, mas ao mesmo tempo melhore a dignidade humana, isso poderia ser feito. Contudo, esse não é o objetivo que foi dado a esses trabalhadores e muitos deles estão saindo das empresas porque não gostam do que fazem e talvez nem do que estão vendo.
Vamos voltar a Cambridge, primeira metade dos anos 1980. Seus estudos continuam e Alford realiza diversos estágios de alto nível, na Michelin, Bae Civil Aviation, Johnson Matthey Catalytic Converters, Thomson CSF, e depois experiências no Japão e na Coreia, obtém um diploma, seguido de outras especializações e um PhD, também em Cambridge. Mas aí vem o chamado, aquele de alto, e ela entra na ordem dominicana de Santa Catarina de Siena. Um complexo programa universitário é reiniciado, dois cursos de estudos teológicos em universidades pontifícias romanas, uma delas o Angelicum, onde começará a ensinar. Em Roma por orientação de Pio XII foram criadas em 1950 duas faculdades de ciências sociais justamente para integrar a filosofia e a teologia aos estudos da sociedade moderna.
Tinha ao longo do tempo aprofundado esse tema, ligado ao trabalho e em particular à tecnologia. É um texto fundamental a encíclica Laborem Exercens de João Paulo II, de 1981, onde emergem os dois lados da tecnologia, que pode ser inimiga, mas também aliada.
Alford retorna ao processo desencadeado em seu País séculos atrás.
Um exemplo é dado pela primeira revolução industrial, quando foram desenvolvidas duas diferentes máquinas de fiar. A primeira em 1770 por um fiandeiro habilidoso e a segunda em 1830 por Richard Roberts, um engenheiro profissional encarregado pelos proprietários das máquinas de tecelagem para criar uma máquina capaz de ser usada por uma criança ou, no limite, até mesmo por um macaco, ou seja, o máximo da desqualificação. No início as duas máquinas eram igualmente produtivas, mas havia uma enorme diferença na forma como afetavam as pessoas que as utilizavam. No final foi a segunda, que poderia ser operada por qualquer um, que recebeu os investimentos para ser desenvolvida.
Agora, como estamos, melhor não é verdade? As fábricas mudaram, mas surgem novos problemas, e bem rapidamente.
Com a inteligência artificial temos que lidar com um problema que se criou porque o primeiro tipo de desenvolvimento tecnológico foi adiante e não aquele centrado no ser humano, o que é perfeitamente possível em nível estrutural. O problema é que não se investiu nessa segunda opção. O desenvolvimento tecnológico pode ser positivo. Poderíamos fazer muito melhor com a inteligência artificial e as outras tecnologias que temos, para que possam apoiar a vida e os seres humanos da melhor maneira possível." E esse é o cerne do ensino da faculdade de Ciências sociais do Angelicum ("mas existe também a Gregoriana que ministra essas disciplinas", especifica em referência à Universidade da Companhia de Jesus), uma abordagem transversal, pesquisa e diálogo entre as muitas tendências que interagem nas ciências modernas, somos muito abertos, o objetivo é encontrar um quadro para a solução dos problemas.
Partindo da tecnologia, claro.
O desenvolvimento tecnológico está nas nossas mãos. A tecnologia não é como a ciência, que é algo que descobrimos, porque diz respeito aos princípios da ordem natural. A tecnologia é como a cultura, é algo que criamos.
Agora a Irmã Helen está à frente da Academia de Ciências Sociais que por meio do seu trabalho fornece à Igreja os elementos a empregar para o desenvolvimento da doutrina social e permite estudar os efeitos da aplicação desta última na sociedade contemporânea. Na presidência, antes de você estava o economista Stefano Zamagni, mas outras duas mulheres (uma inglesa e uma estadunidense) no passado dirigiram a instituição, da qual também são membros Mario Draghi e Marta Cartabia, assim como os economistas Joseph Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel em 2001, e Jeffrey Sachs, apenas por citar aqueles mais conhecidos do grande público. Existe um mandato que o Papa Francisco lhe confiou?
Sabemos bem como ele pensa, são as duas encíclicas fundamentais Laudato Si' e Fratelli tutti, devemos trabalhar para construir um novo pensamento. Keynes na Teoria Geral de 1936 explicou a crise e um novo paradigma, nós hoje precisamos de um pensamento elevado daquele tipo.
Você conhece bem a Itália...
Tenho esperança pela Itália, vejo capacidades que nós, no Reino Unido, não temos, um forte impulso para a relacionalidade. Além de Roma, sou muito ligada a Siena, a cidade de Caterina, e Bolonha, onde está sepultado São Domingos.
Cabe lhe perguntar se, depois de tantos anos em Roma, com o seu caos não organizado, você sente falta de Londres e da Inglaterra de Cambridge?
Estou profundamente grata ao meu país, mas também triste, o Brexit prejudica o país e a Europa também.
Há um novo rei, Charles III...
Será um reinado interessante, ele é muito envolvido em questões importantes, como o ambiente natural e urbano.
Se a vida de Helen, engenheira em Cambridge com doutorado e estágios em multinacionais, tivesse tomado um rumo diferente, hoje talvez ela fosse uma CEO de terninho. Em vez disso, ela usa o hábito branco e o véu preto.
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“A tecnologia é como a cultura, nós a criamos e hoje precisamos de um pensamento superior”. Entrevista com a Irmã Helen Alford, presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU