26 Setembro 2023
"Ajudados por Fernand Braudel o descobrimos como lugar de encontro entre religiões e pensamentos grego, judaico, latino e árabe. E assim estivemos na Acrópole, em Santa Sofia, nos tornamos viandantes em rotas e caminhos que nos mostravam diferentes passagens em que sempre estavam presentes a vida, o outro e o pão. É nas conversas com Predrag Matvejevic que nasceu o seu Breviário Mediterrâneo. É por isso que fiquei feliz quando a Igreja italiana realizou as conversas sobre Mediterrâneo em Bari e Florença", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 25-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tendo vivido na minha juventude com paixão e empenho uma época política em que era uma figura inspiradora Giorgio La Pira, de quem fui discípulo e posso dizer amigo, sempre sofri devido à falta de uma visão política e cultural que visse o Mediterrâneo como um lugar decisivo para o futuro da Europa. O Mediterrâneo, mar entre as terras, mare nostrum porque pertence a uma pluralidade de povos e culturas, mar com a vocação de ser ponte e não fronteira de oposições e guerra, esse mar que naveguei para encontrar e conhecer “o outro”, é o mar que é “nosso”, caso contrário, não é. A minha geração aprendeu a amar esse mar que foi o espaço de saída da terra natal.
Ajudados por Fernand Braudel o descobrimos como lugar de encontro entre religiões e pensamentos grego, judaico, latino e árabe. E assim estivemos na Acrópole, em Santa Sofia, nos tornamos viandantes em rotas e caminhos que nos mostravam diferentes passagens em que sempre estavam presentes a vida, o outro e o pão. É nas conversas com Predrag Matvejevic que nasceu o seu Breviário Mediterrâneo. É por isso que fiquei feliz quando a Igreja italiana realizou as conversas sobre Mediterrâneo em Bari e Florença.
Infelizmente, muitos na Igreja não compreenderam essa iniciativa e acabaram por reduzi-la a um apelo para o acolhimento de migrantes. Sim, porque esse mar se tornou um cemitério onde milhares de pessoas desesperadas que gostariam de navegá-lo porque aspiram à libertação mas encontram a morte, e aos poucos que desembarcam é recusado o acolhimento: uma negação da humanitas gerada no Mediterrâneo ao longo dos séculos de sua história. Mas agora esse mar não é mais apenas um cemitério, mas o palco de crimes contra a humanidade. O Papa Francisco dez anos atrás foi a Lampedusa, na fronteira, para reconhecer as responsabilidades da Europa e fazer ouvir o grito dos pobres que vêm à procura de pão onde existe pão. E tudo foi programado para que em Marselha não se olhasse para o Papa, mas para Mediterrâneo.
Não existe Mediterrâneo sem Europa e não existe Europa sem Mediterrâneo. O mare nostrum não é responsável pela Europa, mas a Europa é responsável por esse mar e faz dele um espaço de paz e diálogo ou de guerra e violência. E o cristianismo continua a nascer e a renascer na Europa há séculos, querendo ser um caminho de humanização. As nossas antigas igrejas talvez estejam desgastadas, velhas, mas têm a capacidade de recomeçar depois de cada crise. E a Igreja da França, apesar das dificuldades, preserva a fé e, como disse várias vezes o Cardeal Jean-Marc Aveline, Arcebispo de Marselha, sabe levar esperança para a humanidade. Marselha, cidade cosmopolita, já na década de 1980, a pedido do seu bispo, o cardeal Roger Etchegaray, criou a Universidade Católica do Mediterrâneo e o Centro de pesquisas para o diálogo entre as religiões. É uma cidade capaz de manter viva e eficaz essa urgência desde sempre gerada pelo pensamento europeu.
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O mar do diálogo. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU