26 Agosto 2023
Cientistas atribuem gravidade de fogo na província de Québec em 2023 às emissões de gases de efeito estufa; país segue com temperaturas altas e gente desalojada pelo desastre.
A reportagem é de Priscila Pacheco, publicada por Observatório do Clima e reproduzida por ((o))eco, 25-08-2023.
O tempo seco, quente e ventoso que propagou grandes incêndios na província canadense de Québec, entre maio e julho, tem pelo menos duas vezes mais chances de ocorrer atualmente do que em um período sem influência das mudanças climáticas, diz estudo lançado na tarde desta terça-feira (22/08) pela Rede Mundial de Atribuição (WWA). O grupo formado por 16 pesquisadores também concluiu que as alterações climáticas catalisadas por ações humanas também deixaram a temporada de queimadas até 50% mais quente, seca e ventosa do que o normal.
“As alterações climáticas estão aumentando muito a inflamabilidade do combustível [vegetação seca, árvores mortas] disponível para incêndios florestais – isso significa que uma única faísca, independentemente da sua fonte, pode rapidamente transformar-se num inferno escaldante”, diz Yan Boulanger, um dos pesquisadores que assinam o estudo e integrante do Serviço Florestal Canadense.
Para avaliar o efeito das mudanças climáticas em incêndios, os pesquisadores analisaram dados meteorológicos e simulações de modelos computacionais para comparar o clima atual, com cerca de 1,2 °C de aquecimento global desde o fim do século 19, com o clima passado. Os incêndios ganharam força no Canadá no início de maio em Alberta, no oeste, que já enfrentava uma onda de calor atípica para a época. Até o momento, já foram queimados 15,3 milhões de hectares, o dobro dos recordes anteriores, em todo o país.
Segundo o estudo, o Canadá enfrentou o período mais quente de maio a julho desde 1940 e desbancou o recorde do ano de 1998 por uma margem de 0,8 ºC. A umidade relativa do ar também estava baixa. Essas condições catalisaram a propagação de incêndios em Alberta, Colúmbia Britânica, Saskatchewan e Territórios do Noroeste. A equipe lembra que estudos paleocológicos já haviam concluído que para cada grau Celsius de aquecimento o tamanho do fogo poderia triplicar na floresta boreal.
Philippe Gachon, professor da Universidade de Québec e participante da pesquisa, chama a atenção para o papel da neve em incêndios, pois as altas temperaturas deste ano resultaram em um descongelamento rápido ainda em maio, inclusive em Québec. “Em muitas regiões do Canadá, a cobertura de neve limita o início e a extensão da temporada de incêndios – se uma floresta estiver coberta de neve ou úmida devido ao derretimento da neve, a chance de ignição e propagação do fogo é baixa. A contínua perda de neve em um clima mais quente significa que os incêndios florestais durarão muito mais dias a cada ano no Canadá”, explica.
De acordo com os pesquisadores, as condições extremas deste ano também alimentaram 29 megaincêndios, aqueles que atingem mais de 100 mil hectares. O recorde anterior era de 1989, ano em que ocorreram 17 megaincêndios. Quatro queimadas ultrapassaram 500 mil hectares, incluindo uma no norte de Québec que devastou 1,2 milhões de hectares. Os quatro estão entre os dez maiores incêndios florestais no Canadá desde 1950.
Os incêndios florestais são um fenômeno comum nas florestas canadenses, sendo que a época típica de queimadas é de abril a outubro, com período mais ativo entre junho e agosto. O fogo equilibrado, inclusive, contribui para a saúde ecológica e a biodiversidade da área. O que tem ocorrido agora, no entanto, não é saudável. O fogo, geralmente, é iniciado por causa de raios que atingem a vegetação seca. Ações humanas, como jogar bituca de cigarro no chão e acender fogueiras, atividade bastante comum no verão canadense, também iniciaram algumas queimadas.
Até o início de julho, 155.856 pessoas tiveram que ser deslocadas por causa dos incêndios, sendo que as populações mais atingidas foram as indígenas. 75% das pessoas sob ordem evacuação no início do mês passado pertenciam a comunidades indígenas. ”Isto está de acordo com descobertas anteriores que indicam que os povos indígenas no Canadá enfrentam uma probabilidade 30% maior de serem deslocados e sofrerem os impactos adversos dos incêndios florestais”, diz a pesquisa publicada nesta terça-feira.
A situação no Canadá permanece trágica durante o mês de agosto. No sábado (19/8), o jornal The Globe and Mail, um dos maiores do país, destacou a palavra "inferno" na capa para falar sobre os incêndios. A Colúmbia Britânica, província que ilustrou a primeira página naquele dia com casas cercadas pelo fogo, está em estado de emergência desde a noite de sexta-feira (18/8). Quase 400 incêndios estão ativos na província neste momento. Mais de 100 estão fora de controle.
O governo de Yellowknife, capital dos Territórios do Noroeste, ordenou a evacuação completa da cidade, que tem mais de 20 mil habitantes, na semana passada. Os moradores ainda não têm data de retorno. Mais de 200 incêndios estão ativos nos Territórios do Noroeste.
O sistema de previsão meteorológica canadense aponta que a maior parte do país deve permanecer com temperaturas acima da média em agosto. “O aumento da temperatura está criando condições para incêndios no Canadá e em todo o mundo. Até pararmos de queimar combustíveis fósseis, o número de incêndios florestais continuará a aumentar, queimando áreas maiores durante períodos de tempo mais longos”, comenta Friederike Otto, climatologista do Imperial College London, e cofundadora da Rede Mundial de Atribuição.
O Canadá é o quarto maior produtor mundial de petróleo.
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Mudanças climáticas pioraram incêndios no Canadá, diz estudo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU