Neonazismo, manipulação moral e resistências: Um grito profético diante dos distintos rostos da violência na América Latina é tema de eventos promovidos pela Sociedade Brasileira de Teologia Moral

Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM) promove o VIII Congresso Latino-Americano de Teologia Moral e o XLVI Congresso Brasileiro de Teologia Moral em São Paulo nesta semana

Foto: Reprodução | Portal Chutando a Escada

17 Agosto 2023

As elevadas taxas de homicídio tornam a América Latina uma das regiões mais violentas do mundo. Os dados divulgados pelo portal InSight Crime informam que as mortes no Caribe e na América do Sul "estão relacionadas, na maioria dos casos, ao tráfico de drogas, contrabando de armamento, e uso de armas. É o caso da Jamaica, com 2,8 milhões de habitantes, segundo país mais violento na região no ano passado, com o registro de 1.498 assassinatos, uma taxa de 52,9 por 100 mil habitantes", segundo o jornalista Edelberto Behs.

Na Venezuela, acrescenta, o Observatório Venezuelano de Violência (OVV) registra "9.376 mortes violentas, uma média de 26 por dia e, proporcionalmente, 40,4 casos por cem mil. Os Estados de Aragua e Miranda contam com as gangues mais violentas do país, que se dedicam a sequestros e extorsões. Do total de óbitos, 13% cabem na cota da polícia. Também foram registradas 1.370 denúncias de desaparecimentos em 2022".

A violência cresce também em países como o Equador, que, "pelo segundo ano consecutivo" registrou aumento nas taxas de homicídio entre os países sul-americanos e caribenhos. Os crimes estão associados à disputa pelo tráfico de drogas procedentes da Colômbia, envolvendo as quadrilhas Los Choneros e Los Lobos. A facção Los Lobos, segunda maior gangue do Equador, tem aproximadamente oito mil membros, e assumiu a responsabilidade pelo assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio, morto a tiros em um comício de campanha na quarta-feira passada, 09-08-2023.

Em entrevista à Revista Nueva Sociedad, o historiador e professor da Universidad Andina Simón Bolívar, Pablo Ospina, comentou que é difícil entender a degradação radical da situação da segurança no país. "Percebeu-se um aumento das atividades do crime organizado desde a dolarização, o que facilitou sobremaneira a lavagem do dinheiro das drogas e, portanto, a progressiva instalação ou desenvolvimento de diferentes grupos criminosos ligados ao crime transnacional".

Na avaliação de Franklin Ramírez, sociólogo e professor-pesquisador do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO, o elemento central que explica este fenômeno "é a assinatura dos Acordos de Paz na Colômbia, que reorganizou o posicionamento de narcotraficantes, paramilitares e dissidentes das FARC, e que no caso equatoriano afetou a fronteira norte, com dois dos departamentos colombianos com a maior produção histórica de cocaína". Segundo ele, "com a fragmentação das FARC, surgiram pequenos bandos e milícias que passaram a se mobilizar e se movimentar mais facilmente pelas fronteiras, em um quadro de virtual abandono tanto da Colômbia quanto do Equador desses territórios". Mas a violência não é restrita ao narcotráfico. "Há também mineração ilegal, contrabando, tráfico de pessoas, tráfico de armas. E tudo isso, no quadro do enfraquecimento do Estado nos últimos anos, deixa aquela fronteira como uma área particularmente vulnerável e permeável às quadrilhas que entram e saem do país", relata.

Outro fenômeno violento que chama atenção na América Latina e, mais especificamente no Brasil, é o crescimento de grupos de jovens neonazistas. De acordo com o historiador e pesquisador João Klug, jovens neonazis adicionam elementos novos aos símbolos do antigo nazismo. Um deles, exemplificou em entrevista ao Portal Catarinas, é a falta de diálogo com o diferente. "A ideia de alteridade não está presente. Uma das questões que se evidenciam é as pessoas que se negam ao diálogo, porque não têm argumentos. Quando não há argumentos, eles falam nos punhos. É onde aparece a violência, a agressividade com os negros, com o homossexual, com o indígena etc. Eles se dividem em vários grupos tentando mostrar uma visão supremacista branca. Eu ousaria dizer que grande parte dos neonazistas pouco conhecem o que foi o nazismo. Eles utilizam da violência, qualquer pretexto serve para eles se manifestarem de uma forma extremamente agressiva. É o velho nazismo acondicionado em uma nova sociedade e aplicado em grupos de extrema-direita".

À luz desta realidade, a Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM) promove o VIII Congresso Latino-Americano de Teologia Moral e o XLVI Congresso Brasileiro de Teologia Moral sobre "Neonazismo, manipulação moral e resistências: Um grito profético diante dos distintos rostos da violência na América Latina", nesta semana, entre os dias 16 e 18-08-2023, em São Paulo. O evento ocorre no Instituto São Paulo de Estudos Superiores - ITESP. A conferência de abertura, intitulada "Rostos da violência na América Latina em um contexto de intolerância, manipulação moral e experiências de resistências", foi ministrada pelo D. Alberto Bochatey O.S.A, Secretário-geral da Conferência Episcopal Argentina, às 9h de ontem, 16-08-2023.

Na abertura do evento, o vice-presidente da SBTM e professor da Marquette University, EUA, Alexandre Martins, leu a carta do Papa Francisco, dirigida aos teólogos e teólogas da América Latina que participam do encontro. Na mensagem, o pontífice anima os pesquisadores "a seguir em frente, tornando realidade o 'grito profético diante dos distintos rostos de violência na América Latina".

Nesta quinta-feira, 17-08-2023, o historiador e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos – NIEJ, do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Michel Gherman, abordará a interrelação entre neonazismo e violência na América Latina, às 8h30.

Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Gherman, que estabelece uma relação entre neonazismo e extrema-direita, adverte para os efeitos da produção de uma "nova utopia" por parte desse grupos. "A extrema-direita produz para o mundo uma nova utopia, que na minha percepção é distópica, mas, na percepção deles, é utópica. Não sei muito bem como resolver essa questão, mas sei que não será com o diálogo no sentido raso da palavra. É preciso um diálogo muito mais profundo”.

A conferência de encerramento será proferida pelo padre Julio Lancellotti, na sexta-feira, 18-08-2023, às 15h30, e terá como tema a Ética teológica e experiências de resistências a violência e a manipulação moral na América Latina.

A programação completa do evento está disponível aqui

SBTM

A SBTM é formada por teólogos e teólogas latino-americanos que, desde a sua fundação, em 1977, reúne-se para refletir, por meio de conferências, debates e congressos, temas exclusivos da Teologia Moral.

Recentemente, os membros da SBTM publicaram uma nota de solidariedade e apoio ao teólogo moralista Martin Lintner, OSM, cuja nomeação à reitoria da Faculdade Teológica Acadêmica de Bressanone foi rejeitada pelo Vaticano. O caso foi amplamente divulgado na página eletrônica do IHU. O pronunciamento de Lintner sobre a decisão está disponível aqui.

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