14 Agosto 2023
A reportagem é de Sérgio Rubin, publicada por Religión Digital, 09-08-2023.
Desde o início de seu papado, Francisco sinalizou uma Igreja mais compreensiva e mais próxima de todos. A abertura aos católicos divorciados em uma nova união e aos homossexuais foram dois casos emblemáticos que, aliás, despertaram a resistência dos setores mais falantes, minoritários, mas muito poderosos e ativos.
Jorge Bergoglio considerou e continua a considerar que, partindo do princípio de que nenhuma norma está acima da misericórdia de Deus, a Igreja deve deixar para trás o primado de uma atitude condenatória, pelo menos é assim que muitos a percebem, para dar lugar a outra que acolhe a todos com amor e alegria, que, em suma, torna-o crível.
Homem de processos – acredita que aos poucos as mudanças são mais duradouras, mas também consciente do peso da tradição numa instituição com dois mil anos –, aos poucos Francisco foi levando a cabo a sua revolução cultural. O fato de Bento XVI estar vivo também foi um condicionamento.
Ultimamente parece ter acelerado. A eleição do arcebispo argentino D. Víctor Manuel Fernández, teólogo progressista, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé é um sinal. Francisco pediu-lhe que não tratasse tanto da pureza doutrinária, mas da promoção do Evangelho.
Dom José Cobo em Villaverde, um bairro nos arredores de Madri (Foto: Religión Digital)
Além disso, o Sínodo sobre a Sinodalidade, a se realizar entre agora e o próximo ano, será certamente um marco neste processo. Todas as questões mais críticas estarão presentes – divorciados, gays, diaconato feminino, entre outros – de acordo com o documento de trabalho, produto de uma ampla consulta mundial.
Paralelamente, Francisco vem fazendo uma série de nomeações em importantes jurisdições eclesiásticas de clérigos não só relacionados à sua linha religiosa, mas também jovens pela importância do cargo, que de alguma forma projeta sua visão de mundo da Igreja para além de seu pontificado.
Dom Luc Terlinden (Foto: Reprodução | Facebook de Luc Terlinden)
Em julho deste ano, ele nomeou D. José Cobo, de 57 anos, que atuava como bispo auxiliar da arquidiocese de Madri, como arcebispo de Madri. E arcebispo de Bruxelas para D. Luc Terlinden, de 54 anos, que até então era vigário-geral daquela jurisdição eclesiástica da capital belga.
A Igreja na Argentina também foi afetada pela renovação franciscana. Em maio, o papa surpreendeu com a nomeação do bispo de Rio Gallegos, D. Jorge Ignacio García Cuerva, de 55 anos, como arcebispo de Buenos Aires, principal arquidiocese do país. Na sexta-feira, soube-se que ele havia nomeado o bispo de Mar del Plata, D. Gabriel Mestre, de 54 anos, como arcebispo de La Plata, jurisdição historicamente conservadora que era chefiada, entre outros, por prelados como D. Antonio Plaza e, mais recentemente, D. Héctor Aguer.
A primeira missa de Dom Jorge Ignacio García Cuerva, o novo arcebispo de Buenos Aires (Foto: Religión Digital)
Dom Jorge Ignacio García Cuerva passou boa parte de seu sacerdócio até ser nomeado bispo, em 2017, em bairros populares da zona norte da Grande Buenos Aires – tornou-se pároco na emblemática vila La Cava – onde conquistou o apreço dos habitantes por sua empatia com eles.
Jorge Ignacio García Cuerva tentou aliviar as necessidades do povo para o qual buscou, como ele diz, alianças com o Estado, que o ligavam a funcionários dos principais espaços políticos. Além de expressões e gestos de simpatia pelo peronismo quando era padre, que se encontraram após sua recente nomeação e geraram polêmica, em 2012 ele mostrou sua atitude de abertura ao batizar os filhos da artista trans Florencia de la V.
Dom Gabriel Mestre, novo arcebispo de La Plata (Foto: Religión Digital)
Por sua vez, D. Gabriel Mestre também construiu na diocese de Mar del Plata um intenso relacionamento com políticos de todas as denominações e lideranças de diversos setores, chegando a uma mesa de diálogo para pactuar respostas às necessidades sociais. Por ocasião de uma denúncia de abuso sexual contra um de seus padres, D. Gabriel deu uma entrevista coletiva e recebeu os familiares da vítima, a quem incentivou a fazer a correspondente queixa judicial. Além disso, ele se ofereceu como testemunha.
Embora mais velho que D. Jorge Ignacio García Cuerva e D. Gabriel Mestre – ele tem 64 anos – devemos incluir na série de nomeações de bispos particularmente próximos do povo o arcebispo de Córdoba, D. Ángel Rossi, muito apreciado e com um grande trabalho de solidariedade. Dom Ángel Rossi também está no caminho certo para ser criado no fim de setembro, junto com D. Víctor Manuel Fernández. O mesmo acontecerá em algum momento com D. Jorge Ignacio García Cuerva, que acabará moldando a futura liderança da Igreja argentina.
Dom Angel Sixto Rossi, arcebispo de Córdoba, que o Papa também nomeou cardeal (Foto: Vatican Media)
É claro que a Igreja não só na Argentina como também no mundo não tem facilidade diante de um clima cultural refratário ao religioso que certamente afeta todas as religiões, o que se traduz em perda de fiéis. No censo de 1960, o último que perguntou sobre filiação religiosa, mais de 90% dos argentinos se declararam católicos. Na mais recente pesquisa do CONICET e de quatro universidades públicas, apenas 63% declararam católicos.
Francisco acredita que a chave para desacelerar o esgotamento e promover o Evangelho é testemunhar a proximidade com todos, independentemente de sua condição, com uma mensagem de amor e uma atitude de alegria. Nessa linha, ela está escolhendo os homens que melhor a encarnam para continuar avançando em sua revolução cultural dentro da Igreja.