07 Agosto 2023
"E então torna-se arriscado o que Francisco disse: 'Na Igreja há lugar para todos, para todos! Ninguém é inútil, ninguém é supérfluo, há lugar para todos. Assim como somos, todos'. Arriscado porque essas palavras contêm uma promessa que a Igreja como instituição não é e não será capaz de honrar", escreve Marcelo Neri, teólogo e padre italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 04-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com a cerimônia de boas-vindas na quinta-feira e a Via Sacra hoje, a Jornada Mundial da Juventude começou oficialmente. Os dois discursos de Francisco foram breves, para não ocupar com demasiadas palavras a dimensão de celebração destes dois primeiros encontros. Com eles também começa algo que não pode ser colhido apenas nos textos oficiais, algo que qualquer informação de longe não pode contar.
No entanto, vale a pena retomar algumas passagens das palavras que Francisco dirigiu aos jovens reunidos em Lisboa. O convite a reler a própria história e a própria pertença eclesial como chamado do desejo e do amor do Senhor - a cada um e cada uma. “No início da trama da vida, antes dos talentos que temos, das sombras e das feridas que carregamos dentro de nós, fomos chamados porque somos amados. Aos olhos de Deus somos filhos preciosos, a quem Ele chama todos os dias para abraçar e encorajar; para fazer de cada um de nós uma obra-prima única e original”.
São palavras que certamente enchem o coração e fazem apreciar, por um momento, ser parte daquela comunidade chamada Igreja Católica. Palavras que também fazem sentir, muitas vezes de forma dilacerante, a imensidão do Evangelho diante das tantas medidas que a Igreja coloca diante de vidas e histórias que são também uma obra-prima única e original. Vidas e histórias que na Igreja encontram, antes de tudo, um julgamento, sofrem uma exclusão, que avilta aquele ser chamado pelo nome a que se referiu o Papa Francisco.
Onde está realmente a Igreja diante das aspirações dos jovens, diante de seus modos de viver e amar, diante de seu senso de justiça que torna inadmissíveis para eles as palavras que dizemos com demasiada desenvoltura...? Amor, fraternidade, perdão, hospitalidade... palavras que perderam o sabor em nossos lábios, porque não encontram verificação nas práticas e atitudes da Igreja como instituição.
E então torna-se arriscado o que Francisco disse: “Na Igreja há lugar para todos, para todos! Ninguém é inútil, ninguém é supérfluo, há lugar para todos. Assim como somos, todos". Arriscado porque essas palavras contêm uma promessa que a Igreja como instituição não é e não será capaz de honrar. E, no entanto, Francisco, creio que bem consciente disso, quis proferir tais palavras, quis se empenhar com essa promessa. Palavras que falam de uma Igreja que ainda não existe, de uma Igreja que talvez venha a existir caso se deixe inquietar por essa promessa dirigida às gerações mais novas. A instituição eclesial faria bem em tomá-las como magistério, como norma em torno da qual construir o rosto novo e diferente da comunidade dos discípulos e das discípulas do Senhor.
Uma Igreja inquieta, como Francisco pediu aos jovens para ser, porque “a inquietude é o melhor remédio para o hábito, para aquela normalidade plana que anestesia a alma”. O tremendo esforço que fazemos para mudar a perspectiva e os parâmetros orientadores, o tranquilizador aconchego no hábito que aniquila todo ímpeto, mostram a distância da realidade da promessa sobre a qual um papa empenhou a sua palavra.
No início, Francisco pediu aos jovens que se deixem “contagiar por sua alegria” – deveríamos nos certificar de que não seja apenas um rompante romântico causado por uma paixão momentânea. Chesterton, fechando seu livro Ortodoxia, escreve: “A alegria é a fragorosa labuta pela qual todas as coisas vivem. (…) A alegria, que desfrutava pouco favor entre os pagãos, é o imenso segredo do cristão. (…) Havia algo que Jesus escondia de todos quando subia ao monte para rezar. Havia algo que ele escondia constantemente com silêncios repentinos ou solidão impetuosa. Havia, portanto, algo que era grande demais para que Deus nos mostrasse nos dias em que Ele andou sobre a nossa terra. Algumas vezes imaginei e desejei que fosse a Sua alegria”.
São palavras promissoras dirigidas aos jovens que possuem o milagre de despertar também o coração do cristão de longa data, já habituado às tantas contradições e inconsistências da sua Igreja que já não se escandaliza mais. Palavras que por um momento despertam também em nós o desejo de uma Igreja da alegria – porque só esse pode ser o sinal concreto de um Deus que caminha e dança pelas ruas do nosso mundo.
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Contagiado pela alegria. Artigo de Marcelo Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU