29 Julho 2023
Não é exagero a suspeição de que trabalhadores haitianos com contratos temporários foram escolhidos para a tarefa insalubre e perigosa de manutenção dos silos, escrevem Cesar Sanson, professor e pesquisador na área da Sociologia do Trabalho na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, e André Langer, pesquisador do Centro de Promoção de Agentes de Transformação – CEPAT, de Curitiba, e da Pastoral Operária do Paraná.
Dos noves trabalhadores mortos na explosão de armazéns da Cooperativa Agroindustrial C.Vale em Palotina, no oeste do Paraná, um era brasileiro e oito eram haitianos, portanto, imigrantes. O corpo de Alfred Celestin, oitavo haitiano morto, soterrado por cerca de 10 toneladas de grãos de milho, ainda está sendo resgatado. Além de Alfred, morreram: Michelet Louis (41 anos), Jean Michee Joseph (29 anos), Jean Ronald Calix (27 anos), Donald ST Cyr (24 anos), Wicken Celestin (55 anos), Eugénio Metelus (53 anos), Reginaldo Gegrard (30 anos) e o brasileiro Saulo da Rocha Batista (53 anos).
Uma pergunta inevitável: por que tantos trabalhadores haitianos foram mortos juntos? As investigações preliminares indicam que no momento da explosão, iniciada em um armazém onde os grãos são depositados e que atingiu outros quatro, que armazenavam 12 mil toneladas de soja e 40 mil toneladas de milho, as vítimas se encontravam em túneis ligados aos silos. Estes trabalhadores faziam a manutenção na estrutura quando ocorreu a explosão.
Na cooperativa, todos os haitianos tinham contratos de trabalho temporários e atuavam no período de safra. Não é exagero a suspeição de que, por se tratar de trabalho insalubre e perigoso, estes trabalhadores tenham sido escolhidos para a tarefa.
Trabalhadores mortos na explosão de armazéns da Cooperativa Agroindustrial C. Vale em Palotina, no oeste do Paraná (Foto: Ministério Público do Trabalho)
Explosões de armazéns de grãos, como a que aconteceu na C.Vale, em Palotina/PR, não são comuns. No entanto, podem ocorrer muito facilmente, se os responsáveis pela estrutura não tomarem as devidas precauções. A precaução mais importante é a redução da poeira suspensa no ar dentro do armazém. A advertência é de Adriano Mallet, consultor em armazenagem de grãos e diretor técnico da empresa Agrocult, em declaração para o portal AviSite.
“Em um silo, que é um espaço confinado, o combustível é o pó suspenso no ar. Se a quantidade de pó presente no ar for densa, muito grande, basta uma faísca, causada por curto-circuito elétrico, um isqueiro, chama de solda, ou qualquer outra origem, para dar a ignição que leva à reação rápida do oxigênio com as partículas de pó, gerando a explosão”, explica.
Para reduzir a poeira de grãos no silo ou armazém, Mallet recomenda duas estratégias: captação e exaustão. No caso da captação, o consultor aconselha a instalação, em todos os pontos prováveis de geração de poeira, de sistemas de captação do ar com canalização que leve a um filtro de manga. O objetivo é reter o pó no filtro e liberar, dentro do ambiente, um ar mais limpo.
Além disso, é aconselhada a instalação, na cobertura do armazém ou silo, de algum sistema de exaustão, para que o ar carregado com poeira seja removido para fora. “Dessa forma, reduzimos a densidade de partículas em suspensão no ar, reduzindo a chance de uma explosão caso ocorra algum tipo de chama ou faísca no local”, explica o consultor.
Não está, portanto, descartada a existência de negligência por parte da Cooperativa Agroindustrial C.Vale, uma das maiores cooperativas do Brasil, com mais de 13.000 funcionários. A empresa atua na produção de soja, milho, trigo, mandioca, leite, frango, peixe e suínos no Sul e no Centro-Oeste brasileiros, com faturamento na ordem de 20 bilhões de reais.
Destaque-se que essas mortes não são as primeiras mortes envolvendo a gigante do agronegócio. Em abril de 2017, na unidade da C.Vale de São Luiz Gonzaga/RS, os ajudantes Edgar Jardel Fragoso Fernandes e João de Oliveira Rosa iniciavam o expediente na cooperativa quando foram acionados para desentupir o canal de um armazém carregado de soja. Enquanto tentavam desobstruir o duto caminhando sobre os grãos, os dois trabalhadores afundaram nas partículas. Morreram asfixiados em poucos segundos, encobertos por várias toneladas de soja. Um levantamento feito pela BBC News Brasil revelou que, desde 2009, ao menos 106 pessoas morreram em silos de grãos no país, a grande maioria por soterramento. Os dados são de 2018.
Sobre o que aconteceu na unidade matriz em Palotina/PR, em nota pública, a cooperativa do agronegócio definiu a explosão como um “sinistro de grandes proporções” (jargão empresarial) e “lamentável evento”.
Os corpos dos haitianos foram velados em cerimônia coletiva e deverão ser enterrados no próprio município de Palotina/PR. São de famílias pobres, o que torna impossível o traslado dos corpos para o país de origem. A cooperativa, apesar de um faturamento fabuloso, tampouco se manifestou sobre esta possibilidade.
Jovens haitianos que deixaram seu país de origem com o sonho de melhorar de vida e ajudar suas famílias encontram a morte em uma atividade precária, onde muitas vezes os zelos com os ganhos se sobrepõem à proteção da vida.
Esta tragédia é reveladora de uma faceta da globalização neoliberal: as vítimas são, na quase totalidade, imigrantes, pessoas que deixaram seu país e tudo o que isso significa em busca de uma vida melhor, e são sacrificadas por um mercado de trabalho precarizado (eles eram terceirizados), em um setor econômico, o agronegócio, que está em interface com a agricultura, a criação de animais e a produção de commodities para exportação. Infelizmente, os sucessivos recordes de produção de grãos coincidem com altos índices de acidentes de trabalho no setor agroalimentar e com a multiplicação de mortes de trabalhadores, que poderiam ser evitadas.
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Explosão em armazém no Paraná. Uma pergunta inevitável: por que tantos trabalhadores haitianos morreram juntos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU