01 Julho 2023
"A realidade da Amazônia não está sendo considerada nos encontros de Belém, o dos presidentes dos países amazônicos e o da COP30", relembra Ivânia Vieira, ao citar a frase de Ennio Candotti.
Ivânia é jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista no jornal A Crítica de Manaus, cofundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
O gaúcho Cezar Santos Alvarez, assessor especial da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), esteve em Manaus no dia 24 de junho para uma escuta sobre a produção da fome, realidades e enfrentamentos à insegurança alimentar no Amazonas. Pediu os nomes dos presentes e fez muitas anotações em papel. Admitiu: “é muita coisa”, após três horas de audiência com representantes de diferentes setores (catadores de lixo, agricultores familiares, indígenas, professores, pesquisadores, da economia solidária, representantes locais do Ibama, do Incra, do MDA).
Sim é! A maioria das 60 pessoas presentes, convidadas para o encontro, tinha em comum um engasgo diante do ‘caminho errado’ do Amazonas na tomada de posição em defesa de um desenvolvimento que persiga o socioeconômico e ecologicamente sustentável na região. Incomoda a esse grupo o alheamento do Estado em relação a eventos como a Cúpula da Amazônia (a IV Reunião de presidentes dos Estados Partes no Tratado de Cooperação Amazônica - OTCA), a realizar-se no mês de agosto em Belém, e da Conferência do Clima (COP 30), em 2025, a primeira na Amazônia.
Uma das articuladoras do encontro com o assessor da FAO, a professora e pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a cientista social Marilene Correa da Silva Freitas elencou pontos para o debate e possível tomada de posição. Eis alguns deles: Hoje, a fome assombra a Amazônia. Há 50 anos, a preocupação era com a pobreza e a fome no Nordeste; os órgãos responsáveis pelo desenvolvimento no Amazonas e na região não alcançaram a Amazônia profunda, por quê? O mapa da fome em Manaus é escandaloso; as políticas públicas traduzem o nível de precariedade com que são executadas na região e, de forma particular, no Estado.
O físico Ennio Candotti, diretor-geral do Museu da Amazônia (MUSA) disse que o discurso de avanços na Amazônia não faz parte dos discursos ambiental e sustentável. Criticou a falta de uma articulação capaz de envolver as esferas federal, estadual e as municipais. Candotti entregou uma carta ao representante da FAO onde apresenta números do potencial existente na Amazônia legal (como os 300 campi de instituições federais e estaduais) que não são utilizados nem os seus recursos humanos como um dos suportes de busca de soluções aos problemas que as populações amazônicas vivenciam. Para o pesquisador, a realidade da Amazônia não está sendo considerada nos encontros de Belém, o dos presidentes dos países amazônicos e o da COP30.
A fome na Amazônia e, em recorte no Amazonas, ganhou destaque nas falas dos convidados. A professora e pesquisadora Iraíldes Caldas, da UFAM, mencionou a existência de mais de um milhão de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar. “A Amazônia é uma região assaltada”, afirmou para questionar o porquê da FAO não se fazer presente na região. De acordo com os dados do físico pesquisador e escritor sobre os ecossistemas amazônicos Marcílio de Freitas, são 600 mil em miséria profunda no Estado. “Não dá para teorizar sobre a fome, os alimentos precisam chegar aos famintos”, observou ao classificar como “errado” o modelo de desenvolvimento estadual.
Para Bonifácio Baniwa, os indígenas da região estão sendo vistos pelo governo por meio de drone. “Eles precisam melhorar o drone que usam para nos ver de mais perto, nos sentir”. “O que queremos é que nós, da Amazônia, sejamos ouvidos. Nesta região tem um mapa da fome diferenciado e uma logística diferenciada que precisam ser considerados e levados a sério”, disse a secretária de Mulheres do PT, Anne Moura.
O bloquinho de anotações de Cezar Alvarez ficou cheio. O consultor lembrou da importância estratégica de monitorar as políticas públicas e observou que quem manda na FAO são os governos dos países. É uma indicação de pauta a ser defendida pelos movimentos sociais, a academia, as organizações da agricultura familiar e de tantos outros setores junto ao governo do Brasil. “A FAO está comprometida”, afirmou Alvarez. Está anotado no bloquinho daqui.
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Os encontros de Belém e a pauta da fome - Instituto Humanitas Unisinos - IHU