O atual estágio da Inteligência Artificial (IA), mesmo com as maravilhas que já estão disponíveis com o ChatGPT, comparado com a evolução da Terra, ela não passa de uma ameba, definiu o historiador israelense Yuval Noah Harari em entrevista para o repórter português Pedro Pinto, em Lisboa.
A reportagem é de Edelberto Behs.
O autor de Homo Deus e Sapiens mostrou-se surpreso com a velocidade dos avanços da IA. Já existe ferramenta muito mais poderosa que o ChatGPT, disponível em laboratório. Pela primeira vez o homo sapiens desenvolve e se depara com uma tecnologia que pode tomar decisões por si e criar novas ideias.
Harari usou o exemplo da Bíblia. Gutenberg a imprimiu, no século XV, mas ele não criou uma única página. “Ele não tinha noção sobre a Bíblia, se era boa ou má, como interpretar isto ou aquilo”, explicou. A IA pode ser capaz de escrever uma nova Bíblia. Dentro de alguns anos existirão religiões cujo livro sagrado será escrito por uma IA, previu.
“Não sabemos o que vai acontecer com a IA daqui a dez, vinte anos”, disse o historiador. O ser humano não está apto a se deparar com uma tecnologia com tal velocidade de avanços. “Nós não fomos feitos para mudanças tão rápidas e constantes. O homem precisa descansar, dormir, tirar férias”, o que um robô dispensa. Os computadores estão sempre “on”, frisou.
O problema futuro da humanidade será o estresse. “A mudança sempre é estressante” e “precisamos de tempo. Se não tivemos tempo, vamos entrar em colapso psicológico”, disse, porque “vivemos num mundo cada vez com mais demandas de entidades inorgânicas”.
Harari alerta para um perigo: a IA poderá destruir a conversação democrática, cuja base está assentada na confiança nas pessoas. “Mas o que acontece quando temos entidades que não são humanas, mas que podem conversar com você e serem ainda mais persuasivas?”
O que dá para fazer diante desse quadro, perguntou o entrevistador. Será responsabilidade dos governos, respondeu Harari, “ajudar-nos a ganhar tempo”, abrandando a velocidade de mudanças na IA. “Não podemos parar as investigações de IA, mas necessitamos de tempo de adaptação e realizar avanços mais lentos, que regulem a aplicação da IA na sociedade, o que governos já fazem com produtos”, como a introdução de um novo medicamento, exemplificou.
E mais: governos terão que introduzir uma lei extrema, “que torne ilegal a falsificação de humanos, (IA) fazendo-se passar por humanos”. Se a IA tem capacidade para uma maior evolução, Harari entende que também o ser humano poderá fazê-lo. “Humanos estão longe de descobrir o seu verdadeiro potencial. Não nos conhecemos de todo ainda”, afirmou.
No início da entrevista, Harari definiu o ser humano como “quase deus”, capaz de construir, mas também de destruir, “inclusive a nós mesmos”, apontando para o colapso na ecologia. “Se somos tão inteligentes assim, por que fazemos coisas tão estupidas?” – indagou. “É um paradoxo dos humanos sábios”, confessou.
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