13 Junho 2023
O dr. Alfieri explicou que a laparocele que causou dor em Francisco é consequência de cirurgias anteriores. No livro de Nelson Castro, o próprio Francisco relembra aqueles episódios.
A reportagem é publicada por Vatican News, 10-06-2023.
Nas informações detalhadas fornecidas aos jornalistas na quarta-feira, 7 de junho, no final da intervenção, o dr. Sergio Alfieri, o cirurgião que operou o Papa pela segunda vez na Policlínica Gemelli, explicou a origem da "hérnia incisional abdominal" e as aderências que causavam dores e incômodos a Francisco. Alfieri disse que havia se formado "em correspondência com as cicatrizes de operações cirúrgicas anteriores de anos passados". E acrescentou que "havia sido operado na Argentina por uma peritonite, uma colecistite gangrenosa" na qual "já havia uma laparocele". O médico mencionou então ainda uma operação ainda mais antiga, "um cisto de equinococo", ou seja, a operação sofrida ao pulmão, cuja cicatriz torácica não está diretamente relacionada com os problemas recentes, mas contribuiu para alterar a dinâmica funcional da parede abdominal.
Jorge Mario Bergoglio passou por quatro cirurgias até hoje: duas quando era padre na Argentina (1957 e 1980) e duas como Papa, no hospital Gemelli: uma para a retirada de uma parte de intestino com divertículos em julho de 2021 e outra na última quarta-feira. Pelas palavras do cirurgião fica claro que a laparocele (uma hérnia que se forma sobre uma cicatriz de uma operação anterior e à medida que aumenta pode ficar "presa" ou "estrangulada", causando várias complicações) não estava relacionada com a operação que aconteceu há dois anos em outra região do intestino, mas a cirurgias anteriores.
A primeira delas é a que retirou o "cisto de equinococo" do pulmão do jovem Bergoglio. No recente livro "La salute dei Papi” (A Saúde dos Papas, em tradução livre, edições Piemme), o médico e jornalista Nelson Castro entrevistou Francisco sobre sua história clínica. Assim o Papa recorda aquele episódio ocorrido quando tinha vinte e um anos: “Era agosto de 1957. Eu estava no segundo ano do Seminário de Villa Devoto. Naquele inverno, uma forte epidemia de gripe se espalhou e muitos seminaristas ficaram doentes. Eu também. Mas de fato no meu caso a situação evoluiu de uma forma mais complicada. Enquanto meus colegas se recuperavam em poucos dias, sem sequelas, continuei apresentando um estado febril persistente”. Jorge Mario foi levado ao hospital Sírio-Libanês, onde o Dr. Zorraquín, famoso pneumologista, identificou três cistos no lobo superior do pulmão direito. Havia também um derrame pleural que estava causando dor e dificuldade respiratórias. Após meses de terapia para reabsorver os derrames, o médico decidiu operar para retirar um pedaço do pulmão.
“Foi uma cirurgia de grande porte – conta o Papa Francisco -. A cicatriz da incisão cirúrgica que fizeram vai da base até o vértice do tórax direito. A operação foi impressionante. Contaram-me que me operaram com o afastador... e que foi necessário usar muita força. Depois, quando me recuperei da anestesia, senti dores intensas. O pós-operatório também foi doloroso. Foi mantido um dreno conectado a uma cânula de pressão negativa, para que, ao abri-la, gerasse um efeito de sucção. Isso me causava muita dor, assim como as lavagens com ampolas de solução fisiológica que o cirurgião fazia todas as manhãs durante as medicações. Essas foram os aspectos mais difíceis. Minha mãe e meu pai ficaram muito tristes e ansiosos. Toda vez que minha mãe vinha ao hospital, ela me abraçava e começava a chorar." A cirurgia foi um sucesso total e Bergoglio não sofreu nenhuma consequência. “Nunca senti cansaço nem falta de ar – revela o Papa na entrevista publicada no livro de Nelson Castro -. Os médicos me explicaram que o pulmão direito havia se expandido para ocupar toda a metade do tórax ipsilateral. A expansão foi tão completa que, a menos que seja informado com antecedência, apenas um pneumologista muito experiente consegue identificar a ausência do lobo excisado." Como cabe lembrar, foi justamente essa operação pulmonar a ser discutida no último dia do Conclave de março de 2013, quando os cardeais se questionaram sobre o estado de saúde do arcebispo de Buenos Aires. Isso foi relatado publicamente pelo cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga, então arcebispo de Tegucigalpa, que, tendo ouvido os rumores, foi pedir uma explicação diretamente ao interessado.
A operação de que falava o dr. Alfieri, citando-a como a origem da hérnia incisional, é mais recente, e é aquela sofrida por Bergoglio, na época já com mais de quarenta anos, na vesícula biliar, em 1980. Novamente deixamos a palavra ao protagonista, que assim conta quanto aconteceu no livro organizado por Nelson Castro: “Aconteceu quando eu era superior provincial dos jesuítas. Era hora do almoço e eu estava passando a sopa. De repente tive uma dor aguda e muito forte nas costas, que me imobilizou. Por um instante, fiquei impossibilitado de me mover. Tive que interromper a tarefa que estava fazendo e me sentar. Dada a dor que sentia, tomei um sedativo. Pensei que se tratasse de um problema muscular. Mas, de fato, as horas passaram e a dor não diminuía. Resolvi ir ao médico. Quem me visitou fez uma série de exames para verificar principalmente a vesícula e os rins. A princípio não revelaram nada de anormal. Pensou-se que poderia ser cálculos renais ou na vesícula, mas os exames deram negativo para essas patologias.
Como a dor persistia, o médico resolveu me encaminhar para um cirurgião que, após me examinar, solicitou uma colecistografia para uma avaliação mais aprofundada. Infelizmente foi necessário suspender o exame porque no meio tive uma reação alérgica ao iodo. Esse fato e a persistência do quadro clínico levaram o cirurgião a me informar que era necessário operar de urgência. E não se limitou a isso: acrescentou que se tratava de uma operação de risco porque não sabia o que iria encontrar depois de abrir o abdómen”.
“Eu entendi que a gravidade da situação - continua Francisco - não deixava alternativas. Então autorizei a prosseguir. Naquele momento, me entreguei a Deus, que me ajudou a enfrentar aquela operação com absoluta serenidade. Depois soube que a cirurgia tinha sido muito difícil e arriscada, e que o que eu tinha era gangrena da vesícula, que felizmente havia sido detectada a tempo. “Mais um dia e seu estado se tornaria extremamente grave”, explicou-me o cirurgião. Felizmente, o pós-operatório decorreu sem complicações e me recuperei totalmente”. O cirurgião que operou Bergoglio na época é o Dr. Juan Carlos Parodi, que mais tarde ficou conhecido na comunidade científica internacional na área de cirurgia cardiovascular. O dr. Parodi explicou: “Naquela época, a regra era que grandes operações eram acompanhadas de grandes cortes. A era da cirurgia laparoscópica ainda não havia começado. Então fiz uma incisão da parte superior do abdome até a virilha... Depois de uma exploração laboriosa, chegamos à origem do problema: um cálculo alojado no ducto cístico. Com muito cuidado, então, retirei toda a vesícula biliar, cujas paredes estavam estendidas e duras, e depois de concluída a remoção e ter me certificado de que não havia pedras em outras áreas da via biliar, continuei a remover as aderências intestinais e limpar toda a cavidade abdominal, tarefa que levou mais de uma hora. Uma vez que isso foi concluído, a cirurgia havia terminado. Fizemos uma sutura reforçada, a chamada sutura de "colchoeiro", para garantir o fechamento da ferida, e deixamos dois drenos. Foi uma cirurgia grande e de risco. Felizmente não houve complicações pós-operatórias.
Em abril de 2014, Parodi estava em Londres para um congresso médico quando recebeu a notícia de que Francisco havia lhe concedido uma audiência privada. "Assim que ele entrou no Santa Marta - disse o médico logo após o encontro - radiante, ele me disse: 'Juan Carlos, você está idêntico a como estava quando o vi naquela noite em que senti que estava morrendo, e você salvou a minha vida. Jamais esquecerei seu rosto, porque assim que o vi, comecei a me sentir melhor’".
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A cirurgia sofrida pelo Papa em 1980 na origem da última intervenção - Instituto Humanitas Unisinos - IHU