“Claro, vivemos em tempos aterrorizantes. Mas o que não apreciamos o suficiente é o quão épicos também são os tempos atuais. Não é toda geração que se vê diante da necessidade de criar uma civilização. E essa é exatamente a tarefa que temos pela frente. Gostemos ou não, não há como evitar tornar-se revolucionário. A história está chegando. Quando ouvirmos falar de uma nova enchente ou incêndio, a sirene de alerta também é um chamado para que acordemos. Em vez de nos desesperar com os muitos adormecidos que vemos ao redor, devemos nos animar com o fato de que até mesmo um executivo de petróleo em 1901 não conseguia compreender que o mundo inteiro estava à beira de uma mudança de grandes proporções. Sempre vivemos em ruínas, em ruínas e emaranhados, em ruínas, emaranhados e nascimentos. Aos que entendem as consequências da não mudança, o nosso maior medo é, provavelmente, a persistência do status quo dos combustíveis fósseis. Respiremos de novo e nos lembremos de que fósseis persistentes são raros, até mesmo milagrosos, no turbilhão de um planeta em decomposição e recomposição”, escreve o Dr. Dominic Boyer, antropólogo e professor da Rice University – EUA para a 349ª edição dos Cadernos IHU ideias, “Basta de fósseis”.
A edição contempla um vasto estudo historiográfico e antropológico sobre as condições socioambientais do modo de produção capitalista, em especial os modos voltados à produção energética.
Dominic Boyer é antropólogo especializado no estudo de energia, clima, política e sociedade. Pesquisa modelos concorrentes de fornecimento de eletricidade e suas implicações sociais na Europa, Estados Unidos e América Latina. Antes de ingressar no corpo docente da Rice University, no Texas, em 2009, lecionou nas universidades de Cornell e Chicago. Foi bolsista visitante na École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, na Universidade de Frankfurt e na Universidade de Durham.
Além de editar a série de livros Expertise: Cultures and Technologies of Knowledge (Cornell University Press) e Energy Humanities (Johns Hopkins University Press) e liderar o coletivo editorial da revista Cultural Anthropology (2015-2018), Boyer é autor de Espírito e Sistema: Mídia, Intelectuais e a Dialética na Cultura Intelectual Moderna Alemã (Chicago UP, 2005), Entendendo a Mídia: Uma Filosofia Popular (Prickly Paradigm, 2007) e The Life Informatic: Newsmaking in the Digital Era (Cornell UP, 2013). Seu livro mais recente é intitulado Energopolitics: Wind and Power in the Anthropocene (Duke University Press, 2019).
“’Fóssil’ hoje mantém um duplo significado semelhante. Por um lado, associamos o termo a descobertas paleontológicas, especialmente dinossauros (outra grande obsessão de infância, aliás). O segundo significado denota combustíveis fósseis, fontes de energia concentrada que trouxeram tanto luxo quanto miséria ao mundo nos últimos quatro séculos. O que desejo destacar neste caderno é como os combustíveis fósseis e as formas de vida cultural associadas a eles vieram a se fossilizar na civilização global”, comenta Boyer.
Analisando nossas formas mais gerais de reprodução material, Boyer admite que “uma civilização para além dos combustíveis fósseis ainda parece difícil de entender, em parte porque os combustíveis fósseis penetraram por completo em nossa imaginação cultural, mineralizando visões do futuro na forma do passado movido a combustíveis fósseis. Assim como a madeira petrificada, as formas culturais geradas pelos combustíveis fósseis são vívidas e belas às suas maneiras”.
Todavia, a História é dialética e, portanto, é movimentada por contradições que desafiam nossas formas de organização. Assim, para Boyer, é importante olhar para a cultura fóssil como aquilo que também representa “modos de vida antigos que, ao contrário dos crinoides, estão mal adaptados para uma maior duração na Terra. A abundância de petrofósseis tem sufocado as possibilidades de vida, não apenas dos seres humanos como da grande maioria das espécies do planeta”.
“É cada vez mais óbvio”, continua ele, “que esta civilização movida a combustíveis fósseis não tem um futuro sustentável. Ela perpetua um esquema piramidal ecológico (Ponzi), roubando a vida de inúmeras espécies e o bem-estar das gerações futuras em troca de conveniências humanas contemporâneas (compartilhadas desigualmente até mesmo entre os humanos!)”.
“Os petrofósseis precisam se decompor e se dissolver. Isso vale para muitos dos carbofósseis e sucrofósseis que pertencem à mesma árvore petrificada da história. Este caderno conta a história do surgimento da civilização movida a combustíveis fósseis, explora o que continua nos prendendo em sua lama e explica o que nos libertará das areias movediças de seu passado. Algo reconfortante que aprendi no decorrer da pesquisa para a presente publicação é que não é possível nos afogar em areia movediça, como nos velhos filmes de Hollywood. Nestes casos, nossa libertação é lenta. Ao mesmo tempo, escapar dos restos do passado não só é possível também, muitas vezes é o curso natural das coisas”.
A íntegra do texto de Dominic Boyer pode ser acessada aqui.
O Ciclo de estudos Transição Energética e o Colapso Global. Limites e possibilidades é a síntese de temas centrais para o Instituto, como a sociedade sustentável, o papel dos distintos sujeitos socioculturais, os paradigmas tecnológicos e técnicos e seus desafios éticos, dentre outros. O esforço de articulação de diferentes matrizes teórico-filosóficas e científicas que se tangenciam nas discussões sobre o novo regime climático e a existência da vida no Planeta é o principal objetivo da realização deste evento, o qual pode ser considerado como um elemento prático da dedicação do IHU em intensificar o diálogo da Academia com os diversos setores da sociedade.