É com uma sensação de profunda tristeza, misturada à gratidão, que nos despedimos de Rita Lee, uma das vozes mais significativas e influentes da música brasileira. Nascida em São Paulo no último dia do ano de 1947, Rita Lee Jones se foi em 08-05-2023, deixando um legado imensurável que ultrapassa as barreiras sonoras, alcançando as profundezas da nossa identidade cultural e também a luta feminista.
O artigo é de Marcelo Zanotti, historiador e membro da equipe do IHU.
Rita Lee foi uma mulher de fibra, rebelde com uma causa. Ela entendeu desde cedo que as regras estabelecidas pela sociedade nem sempre são justas e que, às vezes, é preciso desafiá-las para encontrar o próprio espaço.
Ao analisar as letras de suas músicas, é possível perceber que Rita sabia da importância da igualdade de gênero, da luta pelo reconhecimento das mulheres e da necessidade de quebrar tabus. Suas canções, repletas de mensagens feministas, falam da importância da autoafirmação e da resistência feminina diante dos desafios da vida.
Sua música sempre foi um espelho de sua vida: contestadora, original, verdadeira. Rita Lee foi, e sempre será, um símbolo de força e resistência, uma inspiração para todas as mulheres que buscam afirmar-se em um mundo ainda tão desigual.
A perda de Rita Lee é um golpe duro, mas seu legado, eternizado em sua música e nas gerações que a ela se inspiram, certamente continuará vivo. Ela nos deixou um repertório rico e diversificado, que ainda será cantado e apreciado por muitos anos.
Rita Lee iniciou sua carreira artística no final dos anos 60, como integrante da banda Os Mutantes. Junto a Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, o grupo tornou-se um dos pilares do movimento tropicalista, combinando elementos do rock psicodélico com a música popular brasileira. Porém, a relação de Rita com a banda, principalmente com Arnaldo Baptista, começou a se deteriorar no início da década de 1970.
Rita, além de se sentir sufocada pela relação pessoal com Arnaldo Baptista, também enfrentava a discriminação de gênero na indústria da música, problema ainda mais acentuado naquela época. Ela vivenciou o machismo dentro do próprio grupo, onde era constantemente subestimada e tinha suas opiniões desconsideradas por ser mulher. Como resultado, Rita passou a buscar seu próprio espaço para expressar-se artisticamente.
Em 1972, após muitos conflitos internos e desgastes pessoais, Rita Lee saiu d'Os Mutantes, dando início a uma carreira solo que se tornaria extremamente bem-sucedida. Foi um período de intensa renovação e autodescoberta. Ela se reinventou como cantora, compositora e como ativista, assumindo sua voz na luta pelos direitos das mulheres e por uma sociedade mais igualitária.
Seu auge na carreira solo ocorreu durante os anos 70 e 80, quando lançou sucessos incontestáveis como "Ovelha Negra", "Mania de Você", "Lança Perfume" e "Baila Comigo". Essas músicas, além de se destacarem por sua originalidade e qualidade musical, eram repletas de mensagens de empoderamento feminino, incentivando as mulheres a serem donas de suas próprias vidas.
Em sua carreira solo, Rita Lee consolidou-se como uma das maiores artistas da música brasileira, conquistando um público fiel e marcando várias gerações com suas letras provocativas e performances vibrantes. Ela abriu caminho para que outras artistas pudessem afirmar-se em uma indústria historicamente dominada por homens.
A trajetória de Rita Lee, desde a saída d'Os Mutantes até o auge de sua carreira solo, é uma história de resistência, resiliência e transformação. Ela enfrentou o machismo, buscou seu próprio espaço e tornou-se uma das maiores vozes feministas da música brasileira, deixando um legado que transcende a arte e toca as esferas da luta pela igualdade de gênero.
Em sua extensa e prolífica carreira, Rita Lee apresentou ao Brasil – e ao mundo – uma mulher irreverente, talentosa e autêntica, cuja arte questionava normas e estereótipos. Ela foi uma pioneira, desafiando os padrões de uma indústria dominada por homens e se tornando uma das principais referências do rock nacional.
Na música "Todas as Mulheres do Mundo", desvendou a diversidade feminina. Com um ritmo cativante e versos diretos, a canção é um hino de empoderamento e aceitação. Rita convida todas as mulheres a celebrarem sua essência, suas singularidades, suas lutas e suas vitórias. Ela nos fala que ser mulher é ser múltipla, é ser única, é ser todas as mulheres do mundo.
Já em "Pagu", uma poderosa colaboração com Zélia Duncan, Rita prestou uma homenagem à notória feminista brasileira Patrícia Rehder Galvão, conhecida como Pagu. A música reflete a irreverência e a coragem dessa mulher, que desafiou a sociedade machista do século XX, justamente como Rita fez através de sua música.
Rita Lee carregou a bandeira do feminismo não só através das suas letras, mas também por meio de sua postura diante do mundo. Com o seu talento e irreverência, ela fez história ao se tornar a primeira mulher a liderar uma banda de rock no Brasil, Os Mutantes, desafiando as normas de gênero de sua época.
Além disso, ela foi uma das pioneiras ao introduzir letras de teor social e político no universo do rock nacional, rompendo com os estereótipos de que o gênero musical era essencialmente masculino e de que a mulher em uma banda de rock deveria estar relegada a uma posição secundária.
Rita Lee desafiou estereótipos, abriu caminhos e celebrou a liberdade e a autenticidade feminina. Com sua voz potente, suas melodias inesquecíveis e seu espírito indomável, ela fez história na música brasileira. Agora, mesmo após sua morte, a voz de Rita Lee continua ecoando, inspirando novas gerações e perpetuando a luta feminista.
A história da música brasileira não pode ser contada sem mencionar Rita Lee. E a luta feminista também não. Afinal, ela usou sua voz, sua música e sua presença de palco para defender uma causa maior: a igualdade de gênero.
Rita Lee, a eterna Rainha do Rock brasileiro, a mulher que ousou, inovou e quebrou barreiras, será para sempre lembrada. Não só por suas músicas, mas também pela mulher que foi: forte, corajosa, rebelde e, acima de tudo, autenticamente ela mesma.
Que sua voz continue a ecoar pelos quatro cantos do Brasil, inspirando novas gerações de mulheres a lutarem por seus direitos e a fazerem história, assim como ela fez. Rita Lee, eternamente em nossos corações, será sempre um símbolo de força e resistência, uma eterna referência em nossa música e nossa luta.