19 Abril 2023
"'Libertar Jesus do cristianismo e da igreja', 'Retornar a Jesus', 'Basta o Evangelho', 'Por que não podemos mais nos chamar de cristãos'...: slogans ideológicos, polêmicas capciosas ou suposições preconceituosas? Este não é o caso de [Raffaele] Nogaro. Toda a sua vida apoia-se sobre um único fundamento: 'Eu amo Jesus'!", escreve Antonio Greco, em artigo publicado por Manifesto4ottobre, 14-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Doce Jesus, volte entre nós. A humanidade de hoje precisa urgentemente de um novo encontro com você". Isso foi escrito por Raffaele Nogaro, bispo emérito de Caserta, que completará 90 anos em 31 de dezembro de 2023. Um bispo pobre e acolhedor, um homem cuja vida está radicalmente ligada a Jesus, ao Jesus dos Evangelhos. Uma vida de profecia obscurecida, desprezada e não reconhecida. A citação é extraída de seu belíssimo texto publicado pela Adista em 15 de abril de 2023, com o título: "Oggi è necessario liberare Gesù".
“Libertar Jesus do cristianismo e da igreja”, “Retornar a Jesus”, “Basta o Evangelho”, “Por que não podemos mais nos chamar de cristãos”...: slogans ideológicos, polêmicas capciosas ou suposições preconceituosas? Este não é o caso de Nogaro. Toda a sua vida apoia-se sobre um único fundamento: “Eu amo Jesus! Eu o amo sem limites e fronteiras! Ele é um só comigo! É o amor! Eu não preciso de mais nada! O amor harmoniza minha voz e minha atuação! Jesus é determinante! Exaustivo! Eu o amo!" E, com coerência e sem hipocrisia, escreve: "Sou um homem de Igreja e amo a Igreja", mas "não é a Igreja que salva, é Cristo que salva”.
O texto, livre de sentimentalismo, de espiritualidade abstrata e verborrágica e de velado interesse individual e eclesial, é muito profundo, impregnado de conhecimento bíblico e dos Evangelhos, "ruminado" e "vivido". A exegese histórico-crítica dos textos, a mais atualizada, embora presente, nada tem nada de didascálico e abstrato. Tentarei fazer uma síntese do documento, com um forte convite à sua leitura na íntegra, sob um ângulo de visão (que para mim se torna agora imperioso): identificar os pontos nodais para discernir, se, apesar de tudo, está mais perto do Evangelho quem fica ou quem decide sair da Igreja Católica.
1. O Evangelho de Jesus de Nazaré é algo totalmente diferente, não tem nada a ver com o que conhecemos como “cristianismo” desde 313 d.C.
“Meu entusiasmo juvenil pela Ecclesia reformanda de João XXIII continua sempre vivo. Mas acredito que a Igreja não possa mais ser reformada. Tornou-se um grande império esclerotizado, a ponto de não ter mais elementos novos e vitais para se comunicar com o homem de nosso tempo. A doença mortal desta Igreja é o poder. Após o edito de Constantino de 313, a Igreja tomou todo o poder para si e o papa proclamou-se "Summus Pontifex", o chefe de estado que exerce a monarquia absoluta com a garantia da infalibilidade de Deus".
“A 'Igreja reformanda' do Papa João permaneceu imóvel, mantendo assim ainda aprisionando Jesus. A Igreja compromete o Evangelho porque faz de Jesus uma 'doutrina cristã', na qual acreditar cegamente, tornando culpado o homem que não tem fé nela. A Igreja corre o risco de tirar a consciência e a liberdade das pessoas em nome de uma sua infalibilidade em pretender definir a perfeição da vida humana com o 'Catecismo' da Igreja Católica. O Papa Francisco confessa que 'não é a Igreja que salva, é Cristo quem salva'".
“Penso com angústia que ainda hoje Jesus e Igreja não podem entrar em acordo. Jesus tem o Evangelho e perdoa, conforta e ilumina. A Igreja tem o Direito Canônico e o Catecismo e manda e pune. Jesus me diz: 'Eu entre vós sou como aquele que serve' (cf. Lc 22,27)”. “Jesus Cristo é 'o único fundamento' (cf. 1Cor 3,11) e 'o único Salvador' (cf. 1Tm 2,3-5) da humanidade. A Igreja só é válida quando realiza uma boa mediação do Evangelho”.
2. Trazer o Evangelho de volta à Igreja
“A Igreja de Cristo não pode constituir-se como monarquia absoluta e como Estado do Vaticano. Ao longo dos séculos, de fato, a Igreja perdeu o Evangelho e confiou-se à Doutrina cristã e ao Direito Canônico, que são obra dos homens, não mais de Cristo. Em nossos tempos de escuridão é indispensável que Jesus traga o Evangelho de volta à sua Igreja. Nessa realidade da vida humana expressamente mortificada, são necessários os Obreiros do Evangelho, aquelas testemunhas livres e humildes que podem alcançar as pessoas onde quer que estejam."
a) A Igreja ou é diaconal ou não é a Igreja de Cristo.
“Enquanto nos primeiros séculos o diaconato é o ministério exclusivo, gradualmente com a afirmação do sacerdócio ordenado, o diaconato como ministério permanente desaparece da Igreja". “Creio também que a primeira e verdadeira instituição ministerial da Igreja e talvez até a única, seja o diaconato, 'o serviço à mesa', o serviço aos pobres (cf. At 6,2)”.
"O diácono, portanto, é 'a testemunha de Jesus'. O diácono é aquele que confirma e prova com a sua vida, de serviço total a todos os necessitados, a verdade de Jesus e do seu Evangelho. Apenas mantendo o espírito diaconal a Igreja é bem-estar para a humanidade, caso contrário é apenas política. Na era apostólica, o diaconato é a principal instituição da Igreja”.
b) A democracia é um pecado na Igreja.
“Nas encíclicas sociais declara-se que a democracia é a melhor forma para a condução da sociedade humana. Mas na Igreja a democracia é pecado”. “Na Igreja, de fato, o superior tem 'a graça do Estado' que exige apenas a obediência de seus súditos. A Igreja ainda é uma expressão da classe média alta, bem distante dos sofrimentos das pessoas comuns".
3. Desigualdade radical
“As desigualdades em nosso mundo são desconcertantes e cruéis. E deve-se notar que uma de suas principais causas é o governo da Igreja Católica. Ainda hoje a Igreja tem uma visão ptolomaica de si mesma. Considera-se o ser absoluto que atua com a infalibilidade de Deus." “A desigualdade radical, que a Igreja mantém como dogma de fé, é aquela das mulheres em comparação com os homens. E com esse critério de conduta a Igreja torna-se antievangélica”.
Indico a leitura de páginas belíssimas, por vezes até poéticas, sobre mulheres dos Evangelhos que Nogaro desenha no corpo central de seu texto. Basta-me citar os títulos: Maria, a discípula; Maria, a mãe; As mulheres com Jesus e os apóstolos (Lc 8,1-3); O casamento; O episódio da mulher que ungia os pés de Jesus com perfume (Lc 7,36-50); A mulher siro-fenícia (Mc 7,24-30); A esposa de Pilatos; A ceia de Betânia (Mt 26,6-13); As mulheres na crucificação (Mt 27,35-36), As mulheres da ressurreição (Lc 24,1-12); Algumas mulheres fundadoras do evangelho: – a “mulher samaritana”: a primeira missionária; – Maria de Betânia: a primeira crente; – Marta: a primeira teóloga; – Maria de Magdala, a fundadora da fé pascal; – a adúltera: a primeira feminista.
Nogaro, no final dessa parte, esclarece: “Minha reflexão sobre a mulher não é exaltação gratuita de seu gênio, nem uma inventividade de minha meditação do Evangelho. Tenho a convicção de que a Igreja nunca poderá ser a Igreja de Cristo se a mulher não for libertada de sua subordinação para se tornar a construtora responsável do casa-Igreja em pé de igualdade com os homens”.
4. Convite para reiniciar
“Eu sei que no meio do inferno mundano está Jesus, o exemplar da humanidade genuína, aquela que é preenchida com o Amor integral do Pai-Mãe. Portanto, todas as religiões são verdadeiras, mesmo aquela ateia, quando levam a compreender e a amar o homem, histórico, sem preferência de pessoas: 'quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus, a quem não viu' (1Jo 4,20), caso contrário as religiões não são apenas 'o ópio dos povos', mas são a desagregação e o fracasso da humanidade: todas as guerras, de fato, são guerras de religião. Os pequeninos, os diáconos, os discípulos, os operários do Evangelho, seguem Jesus com paixão irrefreável e colocam em prática o 'meu mandamento' (cf. Jo 15,12), 'o novo mandamento' (cf. Jo 13,34), 'o único mandamento' (cf. Jo 15,17) de Jesus: 'Amai-vos uns aos outros como eu vos amo’. Jesus conclui assegurando: 'Eu sei que o mandamento do Pai é a vida eterna' (Jo 12,50)".
"O Evangelho exige do 'discípulo' o 'seguimento' de Jesus: 'vem e segue-me', um 'seguimento' que se realiza no despojamento de tudo o que se possui (cf. Mt 8,18-22; Lc 9,57-62) até o despojamento do 'eu': ‘assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos foi mandado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer’ (Lc 17,10). A Igreja aderiu ao seguimento de Jesus rumo à 'espiritualidade cristã'. Agostinho, Tomás, Pascal, Kant, Maritain... sempre desenvolveram uma espiritualidade teocrática e humanista, mais do que evangélica”.
"A Igreja sempre preferiu invocar o Espírito segundo uma orientação teológico-humanista, quase programando a separação da natureza radical do 'seguimento'. Hoje é necessário libertar Jesus e devolver-lhe a sua autenticidade evangélica. Que nisso se empenhem os discípulos, os diáconos, os obreiros do Evangelho e as mulheres".
Até aqui: Raffaele Nogaro, Bispo profeta.
5. Ficar ou sair?
Alex Zanotelli, em Nigrizia de 20 de fevereiro de 2020, revelou que "amigo de Dom Tonino Bello (bispo de Molfetta, falecido em 1993), Raffaele deveria tê-lo sucedido na condução daquela diocese. Mas a Conferência Episcopal Italiana se atravessou... e é apenas um capítulo da perseguição que ele sofreu" e acrescentou que "a sua profecia é uma verdadeira e própria profecia obscurecida, desprezada, não reconhecida, mas os profetas são sempre reconhecidos depois...", esperando que não se transformem em santinhos inofensivos, devo acrescentar. Será o mesmo para Raffaele Nogaro?
Para concluir: o dilema subjetivo, permanecer ou sair do atual cristianismo eclesiástico, recebe muita luz da escrita de Nogaro no sentido de que não se apresenta mais apenas como um inquieto problema subjetivo. É o próprio Jesus de Nazaré, através de seu Espírito, que bate, prisioneiro de dentro da igreja e do cristianismo, para sair.
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Jesus aprisionado pelo cristianismo. Artigo de Antonio Greco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU