17 Abril 2023
Já no nome a Catedral de Kiev fala sobre a Páscoa. Porque é dedicada à Ressurreição. Se chega em silêncio diante da imponente igreja branca na margem direita do rio Dnieper, desafiando até os alarmes antiaéreos. “Há um ano, quando celebrámos aqui a nossa primeira Páscoa de guerra, todos exclamamos: ‘Cristo ressuscitou; A Ucrânia também vai ressurgir’. Agora estamos mais do que nunca convencidos disso”, explica o Arcebispo Maior Sviatoslav Shevchuk.
Seu povo o chama de "patriarca": tem 52 anos e dirige a Igreja Greco-Católica Ucraniana desde 2011. A Catedral foi um refúgio. E hoje acolherá os ritos da "grande" Páscoa que acontece uma semana depois da Páscoa latina e do Ocidente. Uma Páscoa ainda sob as bombas que une três Igrejas do país: a greco-católica e as duas ortodoxas, uma que tem suas raízes no patriarcado de Moscou, a outra que se separou da Rússia na década de 1990 e foi reconhecida como autocéfala em 2018.
Uma proximidade apenas aparente, limitada ao calendário. Porque a invasão ordenada por Putin abalou também o mundo cristão dentro da Ucrânia. Com a Igreja em comunhão com Moscou que terminou na mira do governo por sua proximidade com o inimigo e que está alimentando protestos no estilo de “cruzadas”.
“Um ano após a invasão, a sociedade ucraniana está profundamente ferida. E, quando neste clima começa a discussão sobre os traidores dentro de uma Igreja que não sabe responder às perguntas do povo sofrido e sempre esteve perto do poder, é uma tragédia. Todas as pesquisas registram uma queda significativa da autoridade moral da Igreja na Ucrânia precisamente por causa desses escândalos. As pessoas não entendem e, portanto, não confiam. Então, indiretamente, todos nós sentimos o eco do confronto entre uma igreja e o governo. E isso vai favorecer a secularização”, explica Shevchuk em italiano fluente, fruto também dos seus estudos no Angelicum de Roma. É uma referência para o país, o arcebispo maior de Kiev. Amado e ouvido.
A entrevista com Sviatoslav Shevchuk é editada por Giacomo Gambassi, publicada por Avvenire, 16-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em novembro e, depois, em janeiro, se encontrou com o Papa, falou a ele sobre a guerra?
O Pontífice está perto do povo ucraniano, como atesta o seu apelo constante à “martirizada Ucrânia". Posso testemunhar que o Papa sofre com a guerra. Por várias razões. Ele sabe que é um abismo para a humanidade. Ele está convencido de que a invasão é um horror injustificado que, no entanto, até agora os russos foram incapazes de reconhecer. Mas há também outro sofrimento do Papa que percebi: é aquele da impotência. Não se consegue parar as armas e as suas palavras não são ouvidas.
Francisco pode ser um mediador entre Moscou e Kiev? Ou, como também disse a Santa Sé, não existem condições?
Para que uma negociação seja aberta, ambas as partes devem confiar no mediador. Por enquanto eu tenho que infelizmente dizer que não há clima político de confiança em relação ao Papa: nem do lado russo, nem no ucraniano. A Rússia é de maioria ortodoxa e não vê no pontífice um líder de autoridade. E o único propósito do Kremlin é explorá-lo para fins de propaganda externa. Se olharmos para Kiev, devemos constatar um esfriamento das relações entre a Ucrânia e a Santa Sé.
Este ano de guerra foi o ano das grandes incompreensões. O governo ucraniano não entende as propostas e os gestos de paz feitos pela Santa Sé como, por exemplo, a ideia de uma conferência “Helsinque 2”. O mesmo vale para a escolha do Vaticano de permanecer acima das partes. Até a dupla visita imaginada pelo Papa, primeiro a Moscou e depois a Kiev, por enquanto está sendo rejeitada nas duas capitais.
Claro, deve ser apoiado o empenho da Santa Sé de silenciar as armas e abrir uma nova fase, aquela das negociações.
No entanto, Francisco tem um papel fundamental na libertação de prisioneiros de guerra.
É verdade, aquela do Papa é uma extraordinária "missão humanitária". Existem dezenas de milhares de prisioneiros. São soldados, mas também civis que são capturados, torturados, exilados. Entre eles há as crianças deportadas para a Rússia: o Tribunal Internacional de Justiça de Haia certificou-o considerando isso um crime de guerra.
Dois sacerdotes greco-católicos de Berdyank estão nas mãos dos russos há cinco meses, presos um novembro nos territórios ocupados.
Estamos tentando libertá-los há tempo, mas eles terão que celebrar a Páscoa na prisão. Então cabe se perguntar: quem pode salvá-los? Quem pode aliviar seu drama? Eu respondo que apenas o Papa pode fazer isso, mais ninguém. E nós provamos que funciona. Entreguei ao Pontífice numerosas listas de prisioneiros nas quais se continua a trabalhar. Além disso, como católicos, somos gratos a Francisco por tudo que fez diante da crise humanitária. Uma crise, que também graças ao Papa e à solidariedade internacional, não degenerou em catástrofe. Na parte do país controlada ou liberada da Ucrânia, ninguém morreu de frio ou fome. Espero que a Europa não se canse de nos apoiar.
Há cansaço entre as pessoas?
Vários sentimentos se alternaram nos mais de 400 dias de ataques. No começo prevaleceu o ódio que, no entanto, desgasta o homem. E nós, cristãos, tentamos transformá-lo em fortaleza. Agora é a hora da dor mais que do que o cansaço. Existe uma dor física: penso nos nossos hospitais lotados de feridos. E há uma dor psicológica e espiritual. O sofrimento também está se tornando uma questão social e política. Acho que o futuro da Ucrânia não dependerá apenas de sua capacidade de se defender, mas também da capacidade de lidar com o trauma da guerra. E nosso povo ferido lê tudo o que é falado ou escrito através da lente da dor. Cada palavra positiva em relação à Rússia causa um grito: isso nunca havia acontecido na Ucrânia.
Mas há desejo de paz?
Não há outro povo no mundo que ore tanto pela paz quanto o povo ucraniano. Aqui hoje o objetivo a alcançar é descrito com a palavra "vitória" que para nós é sinônimo de paz. Os ucranianos sabem que sem a retirada do agressor e a libertação dos territórios invadidos não haverá paz. Os Dez Pontos do presidente Zelensky não são uma invenção dele, mas uma coletânea das intuições do povo. Outra solução de paz não será aceita, especialmente se parecer uma reconciliação imposta. Alguns nos pergunta: por que vocês continuam a lutar? Fazemos isso porque senão estaremos diante de outra “solução final”: o cancelamento do nosso povo.
Resistimos porque sabemos que não temos outra escolha, porque queremos a nossa nação sobreviva.
A guerra levou à reforma do calendário litúrgico. A Igreja greco-católica se separa daquele juliano que também segue o patriarcado de Moscou. Embora a Páscoa permaneça ligada à data bizantina, vocês celebrarão o Natal e a Epifania como no Ocidente. Uma escolha política?
Politizar o calendário não ajuda. É a Igreja de Moscou que considera o calendário juliano como um dogma. A invasão em grande escala resultou em uma transformação rápida e profunda da sociedade ucraniana. Também nós, pastores, devemos redescobri-lo todos os dias. O calendário sempre foi um tema muito delicado e um sinal de identidade. Com a guerra, foi desencadeado na Igreja Ortodoxa Autocéfala um movimento de afastamento de Moscou que também envolveu o calendário.
Um movimento que provocou o país. Então nós também percebemos que havia chegado o Kairós, o tempo certo para intervir, apoiados em um contexto social favorável. E sabe qual foi a reação do povo? "Finalmente, esperamos demais".
Nas quatro regiões ocupadas não há sacerdotes católicos. Como se vive a fé?
Como nos períodos mais sombrios do stalinismo. Hoje não há lugar nem para uma Igreja clandestina porque a sociedade é supercontrolada. Se você não tiver cidadania russa, a liberdade de movimento é limitada: quando não se pode sair de casa, como se reunir para rezar? E também é arriscado acompanhar as celebrações online: os celulares são rastreados. Além disso, o comportamento da Igreja Ortodoxa Russa nessas áreas é vergonhoso. Também coopera com os ocupantes para oprimir as pessoas. E nossos prisioneiros libertados relatam terem sofridos torturas pelos militares russos, encorajados por seus padres.
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“Nem Kiev nem Moscou aceitam a proposta de diálogo do Papa”. Entrevista com Sviatoslav Shevchuk, Arcebispo de Kiev - Instituto Humanitas Unisinos - IHU