06 Abril 2023
No dia 25 de março, o Papa Francisco aceitou a renúncia do bispo de Osnabrück, Franz-Josef Bode, vice-presidente da Conferência Episcopal Alemã. Isso foi uma surpresa não apenas para os alemães. Ele é o sexto prelado alemão em apenas alguns anos a apresentar sua renúncia, mas foi o primeiro a ter sua renúncia aceita pelo papa. Por que tantos bispos alemães querem deixar o cargo? A história é mais complicada do que você pensa.
A reportagem é de Renardo Schlegelmilch, publicada em National Catholic Reporter, 04-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Cinco anos atrás, em setembro de 2018, houve um momento que continua reverberando na Igreja alemã. Os bispos apresentaram um estudo nacional revelando pelo menos 3.677 casos de abuso sexual de menores ao longo de cerca de sete décadas. Na coletiva de imprensa que se seguiu, a jornalista Christiane Florin perguntou se algum membro da Conferência dos Bispos havia pensado em renunciar devido a tais descobertas.
A resposta do então presidente, o cardeal Reinhard Marx, foi “não”. Essa simples palavra ardeu na mente do público alemão. Comparando o escândalo com situações semelhantes na política ou na vida pública, as pessoas esperavam ou exigiam que alguém assumisse a responsabilidade pessoal. No entanto, demorou quase cinco anos para que o primeiro bispo pudesse dar esse passo. Mas não por falta de tentativa.
Bode, 72 anos, é o bispo diocesano mais antigo no cargo na Alemanha. Durante quase 30 anos, ele liderou a Diocese de Osnabrück, no noroeste do país. Ao longo dos últimos anos, ele se tornou uma das vozes mais fortes ao pedir uma reforma radical na Igreja alemã. No projeto de reforma do “Caminho Sinodal” da Alemanha, ele copresidiu o grupo que trabalha em novos papéis para as mulheres na Igreja e se tornou um forte defensor da ordenação feminina.
Quando o projeto de reforma alemão realmente encontrou uma maioria para essa proposta em sua assembleia sinodal em Frankfurt em março, ele não pôde conter as lágrimas. Era uma visão incomum para um bispo mais velho, sério e carrancudo. Alguns dias depois, sua diocese ganhou as manchetes, anunciando outra mudança radical: as bênçãos para casais do mesmo sexo deveriam começar imediatamente, e não depois de três anos, como havia sido decidido recentemente pelo Caminho Sinodal.
Por que a pressa? Em retrospectiva, agora sabemos. Ainda em janeiro, Bode havia pedido a Francisco que aceitasse sua renúncia. Parece que ele estava implementando as mudanças que podia, para ter tudo pronto para seu sucessor.
Mas não está 100% claro por que Bode decidiu renunciar exatamente. Há muita especulação no público alemão. A maioria das pessoas acha e diz que ele assumiu as consequências por seu papel no encobrimento dos abusos sexuais. Mas ele também tem 72 anos e indicou especificamente que não tem energias para continuar por mais três anos no cargo. Isso parece plausível, pois ele teve que fazer uma pausa mais longa em 2019 após uma doença grave.
Talvez nunca saibamos quais foram as razões reais para o papa aceitar sua renúncia, já que o Vaticano normalmente não comenta os motivos das nomeações ou das renúncias.
Mas há uma história mais longa aqui. Após o estudo científico que os alemães publicaram em 2018 e vários estudos menores encomendados por dioceses individuais, vários bispos alemães apresentaram sua renúncia ao papa.
O primeiro bispo diocesano a fazê-lo foi Stefan Hesse, arcebispo de Hamburgo. Depois de ter sido citado em um estudo que apontava para o seu encobrimento, ele convocou uma entrevista coletiva em março de 2021 e disse ao público que havia apresentado ao papa a sua renúncia. Depois, passaram-se meses de espera e, finalmente, a recusa. O Vaticano disse que Hesse estava arrependido e expiando seus erros, e deveria continuar em sua posição como arcebispo.
Foi a mesma história com dois bispos auxiliares de Colônia, Dominik Schwaderlapp e Ansgar Puff. Meses depois, a próxima coletiva de imprensa: Marx, líder da Arquidiocese de Munique e Freising, apresentou sua própria renúncia. Ele disse que seu “não” em 2018 ficou em sua mente e que era hora de alguém assumir as consequências pessoais pela crise dos abusos.
Desta vez, o papa levou apenas alguns dias. Obrigado por sua carta, mas, por favor, continue me servindo como arcebispo, foi o que Francisco disse. Marx, Hesse, a Igreja e o público alemães ficaram boquiabertos. Por que o papa não os deixou ir embora? Isso gerou um certo embaraço, já que Hamburgo, Munique e Freising eram agora governadas por bispos que não queriam mais ser bispos.
Ainda mais confuso é o caso do cardeal de Colônia, Rainer Maria Woelki, que há anos está em conflito com sua diocese. Em 2021, o papa concedeu-lhe seis meses de folga para refletir e depois voltar ao cargo. Quando voltou, ele também apresentou oficialmente sua renúncia. Já se passou um ano desde então, mas nenhuma decisão foi tomada. O papa tem sido questionado sobre isso ocasionalmente. Sua resposta: “Tenho a carta dele em cima da minha mesa”.
Assim, a renúncia de quatro bispos foi rejeitada, e uma se encontra no limbo. E agora Bode é o primeiro bispo alemão a ser realmente autorizado a renunciar. O que Bode fez de diferente?
Algumas pessoas dizem que não foi a renúncia em si mesma, mas sim o modo como ele a tratou. Ao contrário de Hesse e de Marx, ele não anunciou sua renúncia com uma entrevista coletiva, mas conversou primeiro com o papa, antes de ir a público.
Não é nenhum segredo que as relações entre o Vaticano e a Alemanha estão frias. Talvez o papa se sinta pressionado ou intimidado quando os bispos alemães anunciam suas renúncias à imprensa antes de falar com o Vaticano.
Algumas pessoas também veem uma dimensão política nisso. Francisco removeu Bode porque ele era uma voz proeminente da reforma proposta pelo Caminho Sinodal? Francisco é bastante crítico em relação ao processo sinodal alemão. Isso pode parecer lógico em princípio, mas por que então ele não removeu Marx, que é ainda mais aberto ao defender as reformas progressistas na Igreja?
Quaisquer que sejam as razões, o Vaticano permitiu que o primeiro bispo alemão com uma clara conexão com a crise dos abusos renunciasse. Esse é realmente um grande passo, mas pelo menos igualmente grande é a confusão na Igreja alemã agora. O que um bispo deve fazer para poder renunciar? Neste ponto, só nos resta adivinhar.
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Por que os bispos alemães continuam tentando renunciar – e geralmente não conseguem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU