O Papa Francisco lançou um novo apelo à unidade da liderança política argentina e alertou que o risco mais sério que a vida política argentina enfrenta é o "internalismo". Ele argumentou que as diferenças para levar o país adiante não afetariam apenas o chamado social, mas também poderiam levar a novos tipos de totalitarismo.
A reportagem foi publicada por Página 12, 28-03-2023.
“O nosso internismo é nocivo, a ponto de às vezes ser mais forte que as pertenças-chave”, raciocinou o pontífice argentino no que foi uma continuação da resposta enviada aos principais atores da vida política nacional, que há duas semanas lhe enviaram saudações pelos 10 anos de pontificado.
Na ocasião, Jorge Bergoglio não só agradeceu a saudação assinada pelos líderes do partido governista e da oposição, como também lhes perguntou: "Assim como eles se juntaram para assinar esta carta, que bom (seria) se eles se juntassem conversar, discutir e levar a pátria adiante”.
Desta vez, durante entrevista ao jornalista Gustavo Sylvestre, o Papa reforçou esse pedido de unidade e referiu-se ao que considerou um dos principais problemas da vida política nacional.
Nós, argentinos, “nos encantamos com as disputas internas, montar uma prévia para qualquer coisa”, porém “nosso internismo é prejudicial a ponto de às vezes ser mais forte que os nossos pertencimentos-chave”, destacou o pontífice.
“O internismo destrói a filiação política. Você é radical, socialista, peronista ou sei lá o quê, mas tem filiação política. Em vez disso, existe uma prévia que quebra a filiação política. E aos poucos vão se formando vários grupos dentro do partido que não têm força política de convocação. Depois é o que aconteceu na Alemanha”, alertou.
O Papa se refere ao contexto anterior que tornou possível a ascensão da Alemanha nazista. E para tanto, baseou-se nas análises feitas em um livro do intelectual italiano Siegmund Ginzberg, chamado “Síndrome de 1933”.
Essa publicação, continuou Bergoglio, "narra um pouco o tremendo internalismo que existia na Alemanha no final da República de Weimar (depois da derrota na Primeira Guerra Mundial) e como eles não conseguiam encontrar quem fizesse as coisas".
“Foi (Franz) Von Papen o responsável por apresentar um político que falava lindamente e que seduzia as pessoas. O nome dele era Adolfo (Hitler) e todos diziam 'bem vamos tentar esse aqui, ninguém o conhece; não conhecemos suas raízes e sua condição.' Então votaram no Adolfito e foi assim que acabamos”, desabafou Francisco.
Não é a primeira vez que o Papa argentino faz uma análise com base na "Síndrome de 1933". Em 2020, ele havia recomendado sua leitura ao presidente espanhol Pedro Sánchez, durante uma audiência em que ambos falaram sobre política no momento em que a força ultranacionalista VOX se firmava na Espanha.