30 Março 2023
Um estudo do Inrae apresenta diversos cenários para uma Europa livre de pesticidas químicos até 2050. Com, sem surpresa, resultados muito contrastantes conforme se preveja ou não uma queda acentuada no consumo de carne e outros produtos de origem animal.
A reportagem é de Antoine de Ravignan, publicada por Alternatives Économiques, 24-03-2023. A tradução é do Cepat.
Ao lançar, em 2020, um “Pacto Verde” para a Europa, o executivo sediado em Bruxelas propôs, entre outros objetivos, uma redução de 50% do uso de pesticidas até 2030. O projeto de futuro regulamento “para um uso de produtos fitofarmacêuticos compatível com o desenvolvimento sustentável”, atualmente em negociação – e que os lobbies do agronegócio e alguns Estados membros estão trabalhando para derrotar –, deixa, no entanto, a pergunta final sem resposta: uma agricultura compatível com o desenvolvimento sustentável deve contentar-se “simplesmente” em reduzir o uso de pesticidas, cujos efeitos nocivos sobre a biodiversidade e a saúde estão bem documentados? Não deveria eventualmente eliminá-los completamente? E se esta última opção fosse escolhida, quais seriam as consequências para os europeus?
Este é o objeto de um estudo prospectivo lançado há dois anos pelo Inrae (Instituto Nacional de Pesquisas Agrícolas, Alimentares e do Meio Ambiente), que envolveu mais de uma centena de especialistas e que foi devolvido no dia 21 de março a Paris.
Conclusão: romper totalmente com os pesticidas até 2050 em escala europeia, e garantir a segurança alimentar na União implica em rupturas importantes. O Inrae estudou três cenários, cujo interesse é esquadrinhar o espectro das diferentes escolhas técnicas e sociais possíveis que permitiriam atingir o objetivo “pesticidas zero”.
O primeiro cenário (C1) é uma aposta de viés tecnicista. Satélites, drones, robôs e outras máquinas: a ação de se livrar dos pesticidas seria possível graças ao uso da tecnologia digital e da automação para monitorar as plantações contra pragas e intervir de forma direcionada. As empresas a montante forneceriam ao campo variedades resistentes e produtos de biocontrole, por exemplo, microorganismos, que podem ser inoculados nas plantas, ou mesmo bioestimulantes.
Nesse sistema altamente intensivo em termos de capital, onde as operações de semeadura, capina mecânica e colheita também são amplamente automatizadas, a rentabilidade das fazendas depende de estruturas de grande porte, que utilizam pouca mão de obra. Este cenário parte da premissa da manutenção do atual nível de produção para atender uma demanda cujos parâmetros pouco se alteram.
Por outro lado, o cenário 3 é uma aposta social (assim como o cenário 2, que apresenta uma visão intermediária). Postula uma redução acentuada da procura de carnes e produtos de origem animal (leite e derivados, etc.), com uma divisão quase por três do consumo médio atual de um europeu (o cenário 2 contenta-se com uma divisão por 1,5).
A esta sobriedade no consumo de carne soma-se uma sobriedade tout court, já que a ração média diária vai de cerca de 3.500 a 3.000 quilocalorias por pessoa/dia. Um nível que permanece bem acima dos limites de suficiência definidos pela FAO.
Essa mudança sentida nos pratos tem como consequência reduzir fortemente os cultivos destinados à alimentação animal e, consequentemente, o consumo de agrotóxicos. Além disso, a proteção de cultivos não exige menos aparato técnico do que no cenário 1, mas a filosofia é muito diferente: em vez de confiar principalmente em soluções exógenas (tecnologias digitais e vegetais), trata-se de aproveitar ao máximo todos os mecanismos biológicos relacionados à qualidade dos solos, à diversidade das culturas e das paisagens.
Cada um desses diferentes cenários, se implementado, deve melhorar a biodiversidade terrestre na Europa devido à eliminação de pesticidas, escreve o Inrae. Neste ponto, o impacto seria provavelmente mais benéfico no caso do cenário 3, devido à maior diversificação de cultivos e de paisagens que isso implica.
Em todo caso, os autores destacam um ciclo virtuoso: “Essa melhoria na biodiversidade pode fortalecer os mecanismos naturais de regulação em todos os três cenários, tornando a meta de pesticidas químicos zero ainda mais possível”.
Relativamente convergentes na perspectiva da biodiversidade, os cenários estudados, ao contrário, mostram balanços muito contrastantes em termos de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Devido à mudança de hábitos alimentares para o vegetarianismo e o flexitarianismo, o cenário 3 traduz-se numa queda de 37% nas emissões de GEE do setor agrícola, enquanto na visão C1 caem apenas 8%.
Da mesma forma, como a diminuição do consumo de carne permite transformar muitas pastagens em áreas arborizadas, os solos captam cinco vezes mais CO2 atmosférico no cenário 3 do que no 1. Obviamente, esses elementos pesam muito na equação se a Europa quiser alcançar a neutralidade nas emissões de gases de efeito estufa até 2050.
Pelas mesmas razões de uma dieta mais ou menos à base de carne, a pegada e a soberania alimentares da União Europeia são muito diferentes de uma visão para outra.
No cenário 1, como na situação atual, a Europa é um importador líquido de produtos agrícolas. Os excedentes comerciais não devem esconder o fato de que a Europa depende muito da soja das Américas para alimentar suas fazendas, tanto que importa mais calorias do que exporta.
Hoje, esta dependência faz com que a pegada ecológica dos alimentos europeus, que pesa fortemente nos ecossistemas, ultrapasse as fronteiras da União. No futuro, as importações também terão que ser “zero agrotóxicos”, o que deve passar por negociações comerciais internacionais que não serão fáceis.
Nos outros dois cenários, porque a queda no consumo de produtos de origem animal reduz muito a pegada ecológica importada, essa questão desaparece. Melhor ainda, no cenário 3, a produção agrícola excede o consumo, o que permite à Europa exportar os excedentes. O argumento do lobby agrícola de que a transição para a agroecologia se daria em detrimento da “vocação exportadora” da Europa e da assistência alimentar aos países deficitários é, portanto, bastante discutível.
O Inrae não apresentou nenhuma modelagem macroeconômica ou de avaliação social de seus cenários, o que é lamentável. Mas as “narrativas” descritas sugerem efeitos muito diferentes em termos de empregos e de propriedade do capital. Em um extremo, uma agricultura muito intensiva em tecnologias de ponta, empregando pouca mão de obra, e setores dominados por grandes varejistas e grandes players do processamento de alimentos. No outro extremo, uma forte relocalização das cadeias de valor, um consumo condizente com a sazonalidade da produção, uma agricultura orgânica intensiva em mão de obra, etc.
Seja qual for o cenário considerado, como já dissemos, as rupturas são fortes e apelam, sublinha o Inrae, a uma ponderação do sistema alimentar na sua globalidade, ao envolvimento de todos os seus intervenientes e à coerência política a Política Agrícola Comum.
O instituto público de pesquisa não se pronuncia a favor de uma visão ou de outra. Seus resultados quantificados sugerem, no entanto, com bastante clareza, que o caminho vencedor é aquele que mais se aproxima do cenário 3, que permite simultaneamente atuar fortemente pela biodiversidade, reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa ligadas à agricultura, melhorar a saúde nutricional e aumentar a soberania alimentar e até o emprego.
Na França, os trabalhos da Solagro (cenário Afterres 2050) e depois do Iddri (cenário Tyfa), dois centros especializados não-governamentais, há muito tempo chegaram às mesmas conclusões. Resta saber qual será a adequação do estudo do Inrae: convite ao debate ou legitimação da abordagem “tecnicista” que poderia ser considerada como solução equivalente à abordagem “social”.
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Três cenários para uma agricultura livre de pesticidas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU