29 Março 2023
O merco temporal representa uma continuação da violência sistêmica que os povos indígenas sofrem no Brasil. Entidades nacionais e internacionais cobram agilidade do Estado brasileiro na defesa e garantia de direitos dos povos originários. Um grupo de entidades discursou no Coletivo da Revisão Periódica Universal (RPU) pedindo responsabilidade e agilidade do novo governo no cumprimento da Constituição Federal e das recomendações de ações para o governo feita por diversos grupos em defesa dos indígenas.
A reportagem é de Adi Spezia, publicada por Conselho Indigenista Missionário - CIMI, 28-03-2023.
Em declaração conjunta do Coletivo da Revisão Periódica Universal (RPU), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Instituto Iepé, Terra de Direitos, Geledés e Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero afirmam que “rejeitar definitivamente a tese violadora do marco temporal é responsabilidade do Estado brasileiro, de cada um dos seus três Poderes”.
Paulo Lugon Arantes, assessor especializado em incidência internacional do Cimi, deu voz às denúncias junto à RPU do Brasil, em evento realizado na manhã desta terça-feira (28). A revisão faz parte do 52º período ordinário de sessões do Conselho de Direitos Humanos (CDH 52) da Organização das Nações Unidas (ONU), que está sendo realizado em Genebra, na Suíça.
As organizações afirmam confiar que o Supremo Tribunal Federal (STF) irá retomar, rapidamente o julgamento da tese do marco temporal e decidirá sobre sua inconstitucionalidade, destacou o assessor do Cimi. A declaração ainda reforçou que também cabe ao governo brasileiro “revogar os Pareceres Normativos 001 e 763 da Advocacia Geral da União [AGU], nos termos da Constituição e do Direito Internacional”.
O Parecer Normativo 001/2017 da AGU determina a aplicação do marco temporal a todas as instâncias do Poder Executivo. Em 2020, sua validade foi suspensa por decisão do STF no âmbito do processo de repercussão geral sobre demarcações de terras indígenas.
O marco temporal restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas, pois nesta interpretação da tese, os povos originários só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição –, ou estivessem sob disputa física ou judicial comprovada naquela data.
Defendido pelo agronegócio e demais setores interessados na exploração dos territórios indígenas, o marco temporal legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos historicamente. É também inconstitucional, pois não existe marco temporal na Constituição Federal de 1988.
Já o Parecer Normativo 763/2020, também da AGU, faz uma espécie de “interpretação restritiva” da decisão do Supremo ao suspender o Parecer 001/2017. O Parecer 763 proíbe a continuidade de todo e qualquer procedimento administrativo de reconhecimento e demarcação de terras indígenas no Brasil por parte do governo federal.
No entendimento das organizações, esses dois pareceres da AGU – em especial no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 – causam um prejuízo permanente e incalculável a todos os nossos povos originários no Brasil.
Na oportunidade, Paulo Lugon agradeceu aos Estados pelas recomendações propostas em relação aos direitos dos povos originários no país e listou, com destaque, recomendações como “a rápida retomada dos processos de demarcação; a atribuição orçamentária para políticas de proteção e gestão territorial e a implementação de políticas públicas específicas e diferenciadas, incluindo os setores de saúde e educação”.
Hoje, 28 de março, na adoção das recomendações do 4º ciclo da RPU pelo Brasil, o Chefe da Delegação Permanente do Brasil em Genebra, embaixador Tovar da Silva Nunes, destacou a atuação da sociedade civil em todas as fases deste último 3º ciclo.
Também informou que o Brasil “apoia totalmente as 301 recomendações recebidas em sua revisão em 14 de novembro de 2022”, mas também informou que apoia, com pedido de esclarecimentos adicionais, três recomendações.
Uma delas, feita pela Noruega no item 150.17, diz respeito aos povos indígenas e recomenda ao Brasil “concluir os processos pendentes de demarcação de terras, rejeitar a tese do marco temporal e garantir que os povos indígenas sejam protegidos de ameaças, ataques e despejos forçados”.
A recomendação feita pela Noruega está em consonância com as organizações que integram a declaração conjunta que o assessor do Cimi deu voz no evento.
Mesmo assim, Paulo Lugon alertou para a falta de implementação de políticas públicas e o aumento da violência contra os povos no Brasil, durante o governo Bolsonaro. Segundo as organizações, a consequência foi “o aumento crítico dos conflitos socioambientais, gerando graves violações, com invasões de territórios e aumento da violência contra os povos indígenas, como a perseguição de lideranças do povo Guarani Kaiowá, o assassinato de adolescentes do povo Pataxó e lideranças do povo Guajajara ou a prática de genocídio contra o povo Yanomami”.
Apib, Cimi, Instituto Iepé, Terra de Direitos, Geledés e Gestos, por fim, reconhecem “o senso de responsabilidade do Estado brasileiro em aceitar todas as recomendações recebidas sobre os direitos indígenas e sua declaração no sentido de concluir o processo de demarcação”.
Ainda nesta semana, durante o CDH 52, o presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho (RO), Dom Roque Paloschi, alertou ser fundamental que o novo governo retome, imediatamente, a política de demarcação de terras indígenas no Brasil e que o país supere, definitivamente, a tese inconstitucional do marco temporal, por parte da Suprema Corte brasileira e do novo governo. O alerta foi feito em Debate Geral sobre situações de Direitos Humanos que requerem a atenção do Conselho.
Na oportunidade, o presidente do Cimi também chamou a atenção para o assassinato de lideranças dos povos Pataxó, Guajajara e Kinikinau. Os casos têm em comum os conflitos envolvendo a demarcação das terras indígenas e as lutas pelo reconhecimento do direito originário à terra.
Ao Conselho e ao Organismo das Nações Unidas, Dom Roque fez um apelo: “solicitamos a este Conselho que mantenha uma atitude vigilante para que o Estado brasileiro avance concretamente na garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas”.
A Revisão Periódica Universal (RPU) é um mecanismo periódico e universal do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Instaurado em 2008, todos os Estados-parte da ONU participam, em ciclos de aproximadamente quatro anos e meio.
A função desse instrumento é revisar e verificar o cumprimento das obrigações e compromissos de direitos humanos assumidos pelos 193 Estados-membros da ONU. Com objetivo de acompanhar a implementação das recomendações da RPU, disseminar informações sobre o mecanismo no Brasil e cobrar transparência do Estado brasileiro para ampliar a participação social, uma coalizão composta por 31 entidades, redes e coletivos da sociedade civil brasileira foi criada em 2017, formando o Coletivo RPU Brasil.
Nesta sessão do CDH 52, o Brasil está fechando seu 3º ciclo da RPU e indo para o início da primeira fase do 4º ciclo. Como a Revisão Periódica Universal é um ciclo, as organizações afirmam que continuarão “a monitorar e pressionar pela implementação das recomendações feitas ao Estado brasileiro sobre os direitos dos povos indígenas”.
Declaração Conjunta do Coletivo RPU, assinada por:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Instituto Iepé
Terra de Direitos
Geledés
Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
Senhor Presidente,
Falo em nome do Coletivo RPU.
Agradecemos aos Estados pelas recomendações propostas pelo movimento indígena, pelos direitos dos 305 povos no país, como a rápida retomada dos processos de demarcação; a atribuição orçamentária para políticas de proteção e gestão territorial e a implementação de políticas públicas específicas e diferenciadas, incluindo os setores de saúde e educação.
Durante o último governo, a falta de implementação dessas políticas levou a um aumento crítico dos conflitos socioambientais, gerando graves violações, com invasões de territórios e aumento da violência contra os povos indígenas, como a perseguição de lideranças do povo Guarani Kaiowá, o assassinato de adolescentes do povo Pataxó e de lideranças do povo Guajajara ou a prática de genocídio contra o povo Yanomami.
Portanto, reconhecemos o senso de responsabilidade do Estado brasileiro em aceitar todas as recomendações recebidas sobre os direitos indígenas e sua declaração no sentido de concluir o processo de demarcação. Rejeitar definitivamente a tese violadora do marco temporal é responsabilidade do Estado brasileiro, de cada um dos seus três Poderes.
Confiamos que o Supremo Tribunal Federal do Brasil retomará rapidamente o julgamento da tese do marco temporal e decidirá sobre sua inconstitucionalidade. Cabe também ao governo federal revogar os Pareceres Normativos 001 e 763 da Advocacia Geral da União, nos termos da Constituição e do direito internacional.
Uma vez que a RPU é um ciclo contínuo, continuaremos a monitorar e pressionar pela implementação das recomendações feitas ao Estado brasileiro sobre os direitos dos povos indígenas.
Muito obrigado.
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Rejeitar o marco temporal é responsabilidade do Estado brasileiro, afirmam organizações em declaração à RPU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU