28 Março 2023
Há dois séculos os monges trapistas de Flandres, no norte da Bélgica, produzem uma cerveja de alta qualidade, considerada uma primazia não apenas em seu país, mas também exportada com sucesso para Holanda, Grã-Bretanha, França e Itália. A crise das vocações, com cada vez menos jovens dispostos a enfrentar os sacrifícios de uma vida monástica, porém está colocando em crise esse nicho bem conhecido dos entendidos.
Uma fábrica, que produzia a Achel, foi cedida em 2021 para empresários privados, mas ao fazê-lo perdeu o direito de ostentar o título de "cerveja trapista", uma espécie de marca de garantia. Agora em toda a Bélgica sobrevivem apenas cinco mosteiros produtores de cerveja, o mais antigo dos quais, o Westmalle, olha com crescente preocupação para o futuro devido ao número cada vez menor de frades a quem confiar a delicada função.
A reportagem é de Enrico Franceschini, publicada por La Repubblica, 27-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
"A sociedade de hoje oferece pouca motivação para quem quer se tornar um monge", diz o padre Bento, prior da Abadia de Westmalle, ao Observer de Londres que dá o alarme de um dos mais fortes países consumidores de cerveja. “A vida religiosa não é mais considerada significativa, é vista como misteriosa, com uma conotação negativa. Embora seja muito mais fascinante do que se possa suspeitar". É inegável que seja uma escolha rigorosa: os monges acordam todas as manhãs às 3:45 para um dia marcado pela oração, trabalho, Eucaristia, refeições todos juntos e pouco tempo livre. Às 8 da noite vão dormir. “Daqui a dez ou vinte anos, tenho pouca confiança de que teremos monges suficientes para fazer funcionar a cervejaria”, afirma Philippe Van Assche, diretor comercial leigo da iniciativa.
A Associação Trapista Internacional exige que, para ostentar no rótulo “autêntico produto trapista”, a cerveja deve ser produzida dentro de uma abadia, sob a supervisão de monges (ou eventualmente de freiras), com todos os lucros destinados à manutenção da comunidade religiosa, à ordem dos monges trapistas ou a associações de caridade. São admitidos trabalhadores leigos, como o diretor de marketing em Westmalle, mas a presença dos frades não pode ser secundária. E é justamente o princípio básico do "sem fins lucrativos" dar uma aura particular à cerveja trapista: os monges não a produzem para enriquecimento pessoal, mas apenas por paixão, em homenagem a um clássico "ora et labora", reza e trabalha, lema da tradição beneditina a que pertencem os trapistas, cuja denominação oficial é cistercienses de estrita observância, ordem monástica que remonta a 1664.
Como remediar à crise das vocações? Uma possibilidade é confiar mais nos frades dos mosteiros trapistas na África, Ásia e América do Sul, onde a ordem está em crescimento e não em declínio, como acontece com raras exceções em toda a Europa. “É perfeitamente admissível que monges trapistas de outras partes do mundo se mudem para a Bélgica, tornando as abadias trapistas mais multiculturais e mantendo as cervejarias em funcionamento dentro delas”, observa Sofie Vanrafelghem, especialista em cerveja belga. Talvez seja a única forma de não perder essa tradição. Caso contrário, um a um, os mosteiros trapistas da Bélgica serão obrigados a fechar ou ceder a atividade a empresas leigas que visam ganhar dinheiro: mas em tal caso perderiam o rótulo de "cerveja trapista". Dessa deliciosa bebida, ao contrário da proverbial rosa do romance de Umberto Eco ambientado em um mosteiro, nem o nome ficaria.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O alarme dos trapistas. “Crise de vocações, cerveja belga em risco” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU