28 Março 2023
José Antonio Luengo, especialista em Psicologia Educacional e professor do Ensino Secundário, é decano do Colégio Oficial de Psicologia de Madri e membro da Unidade de Convivência da Comunidade de Madri. Escreveu dezenas de ensaios e publicações científicas, além de um conto, El jardín de los abrazos, cujo breve relato nos fala do assédio escolar.
Recentemente, publicou El dolor adolescente, uma obra que defende a necessidade de empreender mudanças no sistema educacional e na atenção primária para que o acompanhamento e o atendimento psicológico sejam acessíveis, pois “a saúde mental está em questão no dia a dia”.
Em conversa com o Público, Luengo nos fala de seu último livro, onde se aprofunda na dor, no sofrimento e na desesperança, partindo da infância e a adolescência. Também aborda temas como a falta de tempo nas relações, a deterioração dos vínculos estáveis e o paradoxo proveniente do se sentir sozinho em um mundo hiperconectado.
A entrevista é de María Martínez Collado, publicada por Público, 27-03-2023. A tradução é do Cepat.
O que o levou a escrever “El dolor adolescente”?
Falamos muito sobre saúde mental, sobretudo com base na pandemia. Um dos efeitos positivos disso tem a ver com o fato de comunicarmos com mais naturalidade o que sentimos, o que pensamos, o que nos inquieta ou o que nos tira o sossego. E considerei necessário trazer à reflexão, principalmente de mães, pais e educadores, o que pude aprender ao longo de mais de 20 anos trabalhando nesses conteúdos.
Como profissional, vivi e me contaram muitas histórias que se referem justamente a como nossas crianças e adolescentes sofrem sem que tenhamos a suficiente dimensão social dos componentes que está presente nesta dor. Pareceu-me necessário explicar que tudo isso que vemos agora, esse dano do qual só conseguimos ver a ponta do iceberg, quando lemos o número de suicídios nos meios de comunicação, era algo que já se via chegando.
Concretamente, a infância e a adolescência são etapas muito vulneráveis, sobretudo nos tempos em que vivemos, onde parece que como sociedade fugimos para a frente embarcados nessa ideia de conseguir mais, mais e mais, sem percebermos que estamos deixando muitas pessoas nas sarjetas. Entre essas muitas pessoas, estão as de sempre: os mais frágeis, que são os idosos, as pessoas com algum tipo de deficiência, os adolescentes...
Quando comecei a escrever o livro, almejava explicar esta realidade para poder entender de onde partimos e quais ferramentas temos, ou quais podemos aprender, para podermos tomar boas decisões que levem a uma vida melhor para todos. Então, se você me permite uma coisa mais de coração, quem finalmente me convenceu foi a mãe de um garoto que havia tirado a própria vida e que me escreveu uma carta pedindo expressamente que eu falasse a esse respeito.
Em sua avaliação, nos últimos anos, os problemas de saúde mental aumentaram ou o aparente aumento corresponde mais a uma maior visibilização?
Estão sendo realizadas pesquisas que dizem que os transtornos de ansiedade e de depressão dispararam, mas, neste sentido, a resposta mais adequada é que não temos certeza se os dados significam um aumento real de casos ou, efetivamente, há um aumento na visibilidade. Ter uma referência exata se é o primeiro dos argumentos ou o segundo é complexo de definir. Provavelmente, seja uma combinação de ambos.
Atualmente, considera-se que de 7 a 15% dos adolescentes têm algum tipo de transtorno psicológico, mas esses números abrem uma margem que é excessivamente ampla. Em todo o caso, é uma evidência de que existem alguns transtornos concretos, relacionados com a vida cotidiana, com a forma como vivemos e como interpretamos, que tem a ver com a ansiedade, com a sintomatologia ansiosa e depressiva, que aumentaram. Não só porque se pede mais ajuda. As pessoas dizem: “Eu não estava mal antes e agora estou”. Portanto, há indícios que nos fazem ver que o mal-estar psicológico, sem chegar a falar de enfermidade, tornou-se forte. Veio para ficar.
Tem ocorrido um tsunami de muitas defesas psicológicas de pessoas comuns que viviam seu dia a dia sem grandes problemas, mas agora aparece com mais frequência essa sensação de dor, de certa angústia. Nesse sentido, provavelmente as populações mais vulneráveis psicologicamente se tornaram ainda mais vulneráveis e, ao mesmo tempo, essa faixa da população cresceu, ou seja, cresceu quantitativamente.
Em seu livro, faz alusão às novas tecnologias como um foco fundamental para entender o mal-estar psicológico na atualidade. Como nos influenciam?
Quando são feitas avaliações gerais do momento vital em que estamos, tanto pessoalmente quanto em relação a coletivos, generaliza-se. E ao se generalizar, sempre são cometidos erros. Contudo, está claro que existem indicadores que devem nos fazer pensar que o que acontece conosco está relacionado a coisas, a situações, a eventos, a modelos de vida que surgem agora.
A mudança não aparece porque sim, ocorre porque as condições de vida mudam e, portanto, mudamos psicologicamente. Se as famílias tinham até oito membros, há quarenta anos, e agora têm dois ou um, é evidente que isso modificará muito a experiência de crescimento pessoal. Antes, os irmãos mais velhos educavam os pequenos e isso marcava um modo de se educar, de estar, de aprender, de sentir, que é diferente do que podem viver os adolescentes que são filhos únicos.
Os jovens passam muito tempo isolados em um quarto onde possuem tudo e, por sua vez, estão interconectados com o mundo. A rua deixou de ser, de alguma forma, o espaço de socialização onde aprendem a se relacionar. Hoje em dia, eu diria que os processos de transferência de informação praticamente turvam a comunicação. É verdade que estamos hiperconectados, mas a comunicação foi rompida. Temos menos habilidades para nos comunicar conforme o ser humano sempre se comunicou, que é com a palavra, com o olhar, com o gesto.
Desse modo, o investimento no mundo das tecnologias e dos conteúdos de informática atinge diretamente as crianças e os adolescentes. E com mais razão ainda, porque, em primeiro lugar, o tempo de uso normalmente é desproporcional. Ou seja, é claro que precisam usar as tecnologias para mil coisas, até para se divertir ou estar com seus amigos. Acontece que está desequilibrado em relação ao tempo que dedicam a outras atividades como praticar esportes, assistir TV com os pais, estar no refeitório ou simplesmente ouvir.
Em segundo lugar, embora os conteúdos que acessam sejam em sua maioria normais, aqueles que são nocivos, são muito nocivos. Algumas vezes, ficam expostos a um mundo que ainda não conseguem compreender e que mostra uma realidade, diríamos, hiper-representada. Vemos isso com o acesso à pornografia, mas também passamos pelo mesmo com as páginas pró-anorexia e pró-bulimia.
Tudo o que tem a ver com a não educação afetivo-sexual tem efeitos, tem um impacto, consequências imprevistas na forma como nos relacionamos quando somos adultos. Para piorar, todas essas experiências costumam ser vividas na solidão, sem a possibilidade de supervisão, consideração ou contrapeso. Para muitos garotos, isto não causa impacto, mas para outros, claramente, sim. O papel da sociedade da informação no mundo, em geral, é muito relevante.
Conforme você comentava, os dados mais recentes sobre suicídios são alarmantes. Em média, 11 pessoas tiram a própria vida, todos os dias, em nosso país [Espanha]. Considera que fracassamos como sociedade em oferecer ajuda e alternativas para evitar que isto aconteça?
Provavelmente, podemos usar a palavra fracasso. Contudo, parece-me mais apropriado dizer que a dor é um problema que não conseguimos situar como um desafio social. As pessoas que tiram suas próprias vidas nos afetam tanto como sociedade que temos a tendência a esconder e ocultar a questão porque nos envergonha. Não temos sido capazes de encarar o fato para pensar em como podemos solucionar.
Por exemplo, alguns problemas como as mortes nas rodovias, sim, foram encarados de frente: configurou-se como um desafio, considerou-se que deveria ser abordado e muitas vidas foram salvas. No entanto, com o comportamento suicida, de certa forma, continuamos com o ocultamento, o tabu. Sendo assim, estamos à altura nas políticas de prevenção do suicídio? Evidentemente, não.
Contudo, há uma visão, uma luz no fim deste túnel que já estamos vendo. Temos argumentos e exemplos suficientes de como planos adequados para a prevenção do comportamento suicida, em diferentes países, têm dado resultados. Existem soluções, o que temos que fazer é caminhar em direção a elas. Acredito que, embora todas as comunidades autônomas tenham um plano de prevenção, é fundamental que o Estado organize um plano nacional.
Considera que se fala pouco sobre o suicídio?
Falar sobre o suicídio não consiste em mostrar nos meios de comunicação cada garoto ou pessoa que tira a própria vida, explicando o método que utilizou para isto, quantos anos tinha e os motivos. É o que dizem a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde. Falar de suicídio significa se aprofundar nos cenários de prevenção, ou seja, desestigmatizar os problemas psicológicos, aprender como ajudar e como pedir ajuda, formar profissionais que tenham contato direto com pessoas vulneráveis e implementar programas de aprendizagem emocional nos centros educativos. Quando nos limitamos a oferecer uma bateria de dados, só conseguimos gerar um estado de perturbação em quem está ouvindo.
Prevenir é falar da tristeza, da desesperança e do que isto significa. Falemos sobre suicídio quando uma pessoa ainda não morreu para contar as vidas que são salvas com planos de prevenção. É disto que se trata. Acredito que não estamos falando adequadamente sobre o assunto, conforme as organizações internacionais especializadas no assunto recomendam. Nesta linha, convém ter muito presente uma frase que uma amiga minha costuma dizer: “O silêncio mata, mas o barulho também”.
Em seu livro, você se mostra muito crítico a uma das características da sociedade atual: o individualismo. Em que medida nos condiciona no momento de enfrentar o sofrimento?
Os sistemas e mandatos sociais são dispositivos que parecem não existir, mas que estão permanentemente aí como centros de ordem. E estes se defendem das críticas ao modelo que representam buscando um bode expiatório. No tema da saúde mental, o bode expiatório sempre foi a doença mental: dizer “o doente é que tem o problema”. Já que quem tem é ele, o indivíduo, vou medicá-lo e acabou o debate, pois quando começamos a debater o porquê a doença surge, não interessa.
É claro que existem alguns transtornos que possuem um componente genético e o ambiente em que se vive não é tão determinante, mas há uma grande parte dos transtornos de comportamento que cresce fundamentalmente em função das experiências adversas vividas e de suas condições, por exemplo, socioeconômicas.
Com isso, busco dizer que é mais provável que garotos que passaram o confinamento em uma casa de 50 metros quadrados, com quartos compartilhados, convivendo com o maltrato e com a fome acabem apresentando algum sintoma de ansiedade. Temos que buscar ver onde está a origem do problema para resolvê-lo.
No entanto, isso produz coceira no sistema porque implica muito dinheiro, muito investimento e inclusive mexer nos alicerces da sociedade. Se olhássemos para os índices de pobreza que temos em nosso país e víssemos a relação com determinados tipos de problemas de saúde mental, provavelmente ficaríamos assustados. E isso não é coisa de agora, sempre aconteceu.
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“A dor é um problema que não conseguimos situar como um desafio social”. Entrevista com José Antonio Luengo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU