10 Março 2023
"Um bispo escrevendo um artigo crítico sobre outro bispo pode ser exatamente o tipo de jogo interno que muitos católicos ignoram ou nem sequer ouvem falar. Mas quando um bispo acusa outro – nada menos que um cardeal – de heresia, todos devemos prestar atenção. Isso realmente vai além das normas até mesmo do debate animado em nossa igreja", manifesta em editorial o jornal estadunidense National Catholic Reporter, 08-03-2023.
Embora não tenha citado nomes em seu ensaio de 28 de fevereiro na revista First Things, intitulado "Imagining a Heretical Cardinal" [Imaginando um cardeal herético], dom Thomas Paprocki, de Springfield, no estado de Illinois, citou o artigo recente do cardeal de San Diego, dom Robert McElroy, que pedia mais inclusão para mulheres, LGBTQ pessoas e outros na Igreja. Paprocki também fez referência a um cardeal "hipotético" que, segundo ele, "declara publicamente que os atos homossexuais não são pecaminosos e que as uniões entre pessoas do mesmo sexo devem ser abençoadas pela Igreja". Paprocki disse a um blog católico que o último comentário se referia a "alguns cardeais europeus".
É a isso que chegou a polarização na Igreja? É um dia triste quando um líder católico soa mais como um político do MAGA [Make America Great Again] na Fox News chamando alguém de traidor do que um seguidor de Jesus. Até onde a direita católica americana irá?
O fato desta confusão estar acontecendo em um momento em que o Papa Francisco pede mais abertura para discussão e escuta por meio de um processo de sinodalidade ou "caminhada juntos" torna tudo ainda mais flagrante. É difícil caminhar junto com quem se apressa em chamar alguém de herege só por levantar questões.
Acreditamos no valor da discussão aberta, até mesmo no desacordo aberto. E respeitamos a aparente decisão de Francisco de não reprimir os bispos que estão comprometidos com uma guerra cultural contra seus irmãos bispos – e às vezes contra o próprio papa.
Mas esse xingamento grosseiro e infantil reflete mal na Igreja americana, para não mencionar o próprio Paprocki. Todos pensaríamos que o recém-eleito presidente da Comissão para Assuntos Canônicos e Governança da Igreja, órgão ligado aos bispos dos EUA, seria mais cuidadoso ao usar a palavra "heresia".
O bispo de Springfield também estava entre vários prelados americanos recentemente pegos tentando escapar das tentativas de Francisco de limitar a missa tradicional em latim, apenas para ter o papa reafirmando a autoridade do departamento vaticano dedicado ao culto e à disciplina dos sacramentos para impor tais restrições, em prol da unidade na Igreja. A repreensão de Francisco aos bispos que tentavam burlar essa lei ocorreu apenas uma semana antes da publicação do ensaio de Paprocki em First Things.
Posteriormente, Paprocki disse ao repórter da equipe do National Catholic Reporter, Brian Fraga, que estava "esperando continuar uma conversa" com McElroy, com quem havia "trocado alguns e-mails" após a publicação do ensaio. Paprocki supostamente não discutiu seu ensaio com McElroy antes de sua publicação. Não é assim que se dialoga.
Acrobacias como essa deixam uma mensagem de que qualquer tentativa de inclusão – ou mesmo conversas sobre inclusão, como as que McElroy está tentando iniciar – serão imediatamente encerradas pelos líderes conservadores católicos. Tal comportamento cheira a desespero e é impróprio para um bispo.
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Acusações de heresia além dos limites. Até onde a direita americana irá? Editorial do National Catholic Reporter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU