04 Março 2023
Oitenta anos após sua execução, Hans e Sophie Scholl continuam sendo um símbolo de oposição ao nazismo. Na companhia de cerca de quarenta estudantes alemães, eles se levantaram contra a ideologia mortal e sua “máquina de guerra ateia”.
A reportagem é de Pierre Jova, publicada por La Vie, 22-02-2023. A tradução é do Cepat.
Hans Scholl, Sophie Scholl e Christoph Probst, em 1942 | George (Jürgen) Wittenstein | Akg-Images
Era um grupo de amigos, unidos pelas leituras, pelas tardes passadas para refazer o mundo e pelas caminhadas nos Alpes. Esses quarenta estudantes de Munique e Stuttgart criaram uma resistência a Hitler. Eles adotaram para si um nome em junho de 1942: Rosa Branca, símbolo de pureza. A execução, em 22 de fevereiro de 1943, de Hans Scholl, 24 anos, estudante de medicina, de sua irmã Sophie, estudante de biologia e filosofia, 21 anos, e de Christoph Probst, estudante de medicina, 23 anos, soou a sentença de morte para esse levante.
Um século depois, Hans e Sophie Scholl seguem sendo as grandes figuras desse movimento. Ambos nasceram em Baden-Württemberg, no sul da Alemanha, em uma família excepcional. Sua mãe, Magdalena, diaconisa luterana que abandonou as funções para se casar, transmitiu sua profunda fé aos seus seis filhos. Seu pai, Robert Scholl, um objetor de consciência durante a Grande Guerra [Primeira Guerra Mundial], foi um dos primeiros oponentes de Adolf Hitler, a quem ele comparou ao lendário flautista de Hamelin, feiticeiro de crianças. “Quero apenas que vocês caminhem pela vida com liberdade e retidão, mesmo que seja difícil”, explica aos filhos, frase citada pela filha, Inge, primeira historiadora do movimento Rosa Branca em obra publicada em 1952.
Primeiros passos na guerra
Num primeiro momento, Hans e Sophie se juntam com entusiasmo à Juventude Hitlerista. “As pessoas começaram a falar conosco sobre pátria, camaradagem, comunidade popular e amor ao país”, lembra Inge. Mas suas ilusões são rapidamente perdidas pela brutalidade e censura do regime. Em 1938, Hans foi preso por um curto período de tempo, acusado pela Gestapo de cortejar um movimento de escoteiros proibido e de ter tido um caso homossexual. Estudando medicina na Universidade de Munique desde 1939, ele se tornou amigo de Otl Aicher, um estudante católico do ensino médio que se recusou a entrar na Juventude Hitlerista, que o encorajou a rejeitar o nazismo.
Sophie, por sua vez, conheceu em 1937 Fritz Hartnagel, um arrojado tenente da força aérea, a Luftwaffe. Ela tem 16 anos e ele 20. Piedosa e inconformista, a jovem arrasta seu amante em escapadas pelo Mar Báltico. Ao eclodir o conflito, Sophie não poupa Fritz nas muitas cartas que trocam. “Sempre achei ruim que um pai fique do lado do filho por princípio, por exemplo, quando o professor o castiga. Apesar do amor que ele tem por seu filho. Ou por isso mesmo”, ela lhe escreveu, quando ele participou da invasão da França em 1940. “Também não penso que seja certo para um alemão ou um francês, ou quem quer que seja, defender sua nação contra todas as probabilidades, pela única razão de que é sua nação”.
Também mobilizado na França, como enfermeiro, Hans decidiu aprender a língua de Molière. Já imbuídos dos clássicos alemães, de Goethe a Schiller, o irmão e a irmã foram apresentados aos escritores católicos franceses: Pascal, Maritain, Bernanos, Bloy... “É preciso ter um espírito duro e um coração terno”, repete Sophie, citando as palavras de Jacques Maritain dirigidas a Jean Cocteau. Na frente oriental, para onde foi enviado no verão de 1942, Hans passou as noites com os camponeses russos, mergulhou em Dostoievski e assistiu à liturgia ortodoxa. Como se essas almas curiosas de tudo, pertencentes ao campo dos vencedores, tivessem que se juntar aos vencidos.
É por etapas que Hans e Sophie entram para a resistência. “Esta guerra, como todas as guerras importantes, é intrinsecamente espiritual por natureza”, exorta o jovem, em carta à namorada, Rose Nägele, datada de outubro de 1941. Através de Otl Aicher, conhece Carl Muth, editor da revista católica Hochland, censurada pelo regime. Com ele, Hans e Sophie entram em contato com um círculo de teólogos e intelectuais hostis ao nazismo, como Theodor Haecker, convertido ao catolicismo e autor de um livro proscrito, O cristão e a história.
Hans e Sophie vivem nessa companhia com a dissidência um aprofundamento de sua fé. “Este ano, Cristo nasceu de novo em mim”, escreveu o irmão a Carl Muth na véspera de Natal de 1941. Cada um deles passou por batalhas espirituais: ainda se recuperando de seu tempo na prisão em 1938, Hans se identificou com os “mendigos e pecadores que Cristo redimiu”. Sophie, por sua vez, se reconhece nos tormentos de Teresa de Lisieux. “Ainda estou tão longe de Deus que nem o sinto quando rezo”, escreveu ela em seu diário em 1942. “Às vezes, quando pronuncio o nome de Deus, quero mergulhar no nada. Não é algo assustador ou vertiginoso, não é nada, e é muito mais horrível. Não há outro recurso senão a oração, e por mais que os demônios se enfureçam dentro de mim, me agarrarei à corda que Deus me lançou em Cristo Jesus, mesmo que não a sinta em minhas mãos dormentes”.
Em Sophie, a alegria é uma decisão diária. Um verso de Goethe deu-lhe o seu lema pessoal: “Allen Gewalten zum Trutz sich erhalten” – resistir apesar de toda a violência! Em sua busca por Deus, ela experimenta a presença de Cristo na Última Ceia, o que a faz se inclinar para o catolicismo. “Gostaria muito de ir à igreja, não à igreja evangélica (luterana, nota do editor), onde ouço com ouvido crítico o que o pastor diz, mas à outra, onde suporto tudo e onde basta estar aberto e receptivo. Mas é o correto?”, pergunta Sophie na Sexta-Feira Santa de 1941.
No início de 1942, os Scholl encontraram folhetos em sua caixa de correio que reproduzem o sermão de 3 de agosto de 1941 proferido pelo bispo católico de Münster, Clemens-August von Galen. Este último denunciava a eutanásia dos deficientes físicos e mentais, os quais o regime nazista considerava indignos de viver e improdutivos. “Se for estabelecido e praticado o princípio de que os homens têm permissão para matar seu vizinho improdutivo, então ai de todos nós, pois envelheceremos e nos tornaremos senis!” Impressionado, Hans pegou a ideia dos folhetos distribuídos por mãos anônimas como modo de ação para a Rosa Branca, reunida no verão de 1942 em torno de Karl Huber, professor de filosofia em Munique. Seus cérebros são Hans e Alexander Schmorell, um estudante de medicina filho de pai alemão e mãe russa, de confissão ortodoxa: a Rosa Branca vive o ecumenismo cristão de forma simples e profética.
Ao todo, seis folhetos são datilografados e distribuídos: quatro entre 27 de junho e 12 de julho de 1942 e dois em janeiro e fevereiro de 1943. Os quatro primeiros convocam à resistência contra a “máquina de guerra ateísta”, denunciam o extermínio dos judeus que Hans testemunhou no Oriente, incentivam a desobediência civil e a sabotagem. Impressos pela primeira vez em algumas centenas de cópias, os folhetos são enviados para endereços escolhidos aleatoriamente nos arquivos do Deutsches Museum, o Museu de Ciências de Munique.
Os últimos folhetos tiveram uma tiragem de mais de 6.000 cópias: o inverno de 1942-1943 viu a batalha de Stalingrado, da qual Fritz, o noivo de Sophie, participou. O quinto prevê de maneira lúcida a derrota final. “Hitler não pode vencer a guerra, só pode prolongá-la”, escrevem os estudantes, que traçam um verdadeiro programa político para o futuro não só da Alemanha, mas também da Europa. “Liberdade de expressão, liberdade de crença, proteção dos cidadãos contra a arbitrariedade de Estados ditatoriais criminosos, essas são as bases necessárias da nova Europa”.
A incerteza em que vivemos hoje, que nos proíbe de fazer planos despreocupados para o dia seguinte e lança sua sombra sobre os próximos dias, me oprime e não me larga um minuto de dia e de noite – Sophie Scholl
Os jovens estão assumindo riscos cada vez maiores. Tesoureira da Rosa Branca, Sophie transporta até 600 envelopes para Stuttgart em janeiro de 1943 para postá-los. Os estudantes são encorajados a fazer pichações em prédios públicos de Munique: “Abaixo Hitler”, “Liberdade”, “Hitler, assassino em massa”. O perigo aumenta a audácia, mas também a angústia. “A incerteza em que vivemos hoje, que nos proíbe de fazer planos despreocupados para o dia seguinte e lança sua sombra sobre os próximos dias, me oprime e não me larga um minuto de dia e de noite”, confidencia Sophie a Fritz, em carta de novembro de 1942, sem lhe revelar suas atividades clandestinas, para não comprometê-lo. No entanto, ela apenas aspira à tranquilidade, aventurando-se a sonhar com o noivo sobre a vida deles no pós-guerra, criando galinhas em uma pequena fazenda...
No dia 02 de fevereiro de 1943, a Alemanha soube da rendição do 6º Exército cercado em Stalingrado. Fritz, ferido, foi evacuado para Stalino (atual Donetsk) e depois para Lemberg (Lviv). Os estudantes e seu professor Kurt Huber redigem o sexto folheto, com a intenção de causar um grande impacto. Dirigido aos estudantes, este texto reivindica ser parte da revolta alemã contra a ocupação napoleônica em 1813. “Queremos retomar a posse do que é nosso; o nosso país, pretexto para nos enganar tão vergonhosamente, pertence a nós”, afirma o folheto, apelando à consciência pessoal e ridicularizando as palavras de ordem do regime. “Liberdade e honra! Há 10 longos anos, Hitler e seus partidários martelam em nossos ouvidos essas duas palavras, como só os diletantes sabem fazer, que jogam os valores mais altos de uma nação aos porcos. O que eles querem dizer com essas palavras, eles mostraram suficientemente durante esses anos em que toda liberdade, tanto material quanto intelectual, todo valor moral, foram desprezados. (…) Ergamo-nos contra a escravização da Europa pelo Nacional-Socialismo, numa nova afirmação de liberdade e honra”.
Na noite de 15 para 16 de fevereiro de 1943, membros da Rosa Branca distribuíram 1.200 panfletos em Munique. Hans decide distribuir os exemplares que ficaram na universidade. No dia 18 de fevereiro de 1943, no final da manhã, os irmãos colocaram os folhetos no pátio, nos corredores e em frente ao anfiteatro lotado de estudantes. Sophie joga sua última pilha por cima do corrimão no segundo andar, assim que o sinal toca e seus colegas saem da aula. É ali que eles são presos por um zelador, Jakob Schmid. “Dois olhos impessoais. Duas lentes automáticas a serviço da ditadura”, descreve Inge Scholl.
Entregues à Gestapo e reclusos na prisão de Stadelheim, Hans e Sophie são submetidos a interrogatórios impiedosos. A jovem tem a perna quebrada pelos carcereiros. Eles ficam sabendo da prisão de seu camarada Christoph Probst em 20 de fevereiro, quando sua esposa acaba de dar à luz seu terceiro filho.
O julgamento dos três amigos acontece no dia 22 de fevereiro de 1943, perante o tribunal popular presidido por Roland Freisler, um ex-comissário político comunista que se tornou um nazista fanático, que veio de Berlim especialmente para isso. Eles são condenados à morte. “O que dissemos e escrevemos, muitas pessoas também o pensam. Mas não se atrevem a dizê-lo”, confirma Sophie. Hans diz: “Daqui a pouco você estará no nosso lugar”.
A decapitação está prevista para o mesmo dia, apesar da lei alemã que prevê um período de 99 dias entre o anúncio da sentença e sua execução. Hans, depois Sophie, são levados separadamente para se despedir de seus pais. Magdalena Scholl sussurra para a filha: “Aber gelt Jesus! (“Segure-se em Jesus”), ao que Sophie responde: “Mas você também, mamãe!” Não tendo pertencido a nenhuma denominação religiosa, Christoph Probst pediu um padre católico e recebeu o batismo. Segundo seu biógrafo alemão Robert Zoske, Hans e Sophie pedem para comungar durante a missa celebrada para seu camarada, mas são informados de que devem ser católicos para fazê-lo. É o pastor luterano da prisão que vem atendê-los e levar-lhes a comunhão.
Não tendo partilhado a Eucaristia, os três condenados são autorizados pelos guardas a fumar um último cigarro juntos, num reduzido espaço de tempo, antes de serem conduzidos à guilhotina. “Em alguns minutos, nos veremos novamente na eternidade”, anuncia Christoph Probst. Ainda hospitalizado na Ucrânia, Fritz fica sabendo da sentença de morte de Hans e Sophie, e vai imediatamente para Berlim para pedir seu indulto: ao chegar, em 28 de fevereiro, fica sabendo que a sentença já fora executada. Uma onda de prisões e um segundo julgamento, em abril de 1943, condenando Kurt Huber e Alexander Schmorell à morte, liquidaram a Rosa Branca.
Um dia antes de sua execução, Sophie teve este sonho: ela levava uma criança de vestido branco à igreja para ser batizada. Um abismo se abre à sua frente e ela mal tem tempo de colocar o bebê do outro lado antes de cair. “A criança de túnica branca é o nosso ideal, que triunfará sobre todos os obstáculos. Tínhamos que mostrar o caminho, mesmo à custa de nossas vidas”, contou a Else Gebel, prisioneira comunista que compartilhou seu cativeiro. Apesar da repressão, a conspiração estudantil rapidamente se tornou conhecida fora de Munique.
O último folheto encontra-se na imprensa sueca, de onde segue para a Grã-Bretanha. A partir do verão de 1943, os Aliados jogaram milhões deles sobre a Alemanha. “Li o apelo, simplesmente magnífico, de um patriotismo profundamente moral, que lhes custou a vida”, testemunha Ulrich von Hassell, ex-embaixador da Alemanha em Roma e futuro cúmplice na conspiração de 20 de julho de 1944 destinada a eliminar Hitler. “É importante para o futuro que tal apelo tenha surgido”.
Ao final da guerra, a doutrina da Rosa Branca foi amplamente adotada pela democracia cristã, baseada no ecumenismo entre católicos e protestantes. A memória deles é cultivada por Inge Scholl, que se casa com Otl Aicher, e também por Fritz, que se casa com Elisabeth, a irmã mais nova de Sophie, e se torna um convicto ativista pela paz. A Rosa Branca alcançou fama mundial graças ao filme Sophie Scholl, os últimos dias, de Marc Rothemund (2005), com Julia Jentsch no papel de Sophie. Em 2012, Alexander Schmorell foi canonizado pela Igreja Ortodoxa Russa. Em 2016, a banda de rock francesa Mickey 3D homenageou os estudantes de Munique com a música La Rose Blanche.
Enquanto a guerra está destruindo a Europa novamente, nas mesmas planícies que conheceram Hans Scholl e Fritz Hartnagel, esses combatentes da resistência das sombras ainda são uma fonte inesgotável de inspiração. Em primeiro lugar, para se persuadir de que um regime não se confunde com uma cultura, um país, e que um punhado de justos pode redimir todo um povo. “Nem sempre foram os mais fortes, os mais inteligentes, os mais aguerridos que escaparam da sedução. Tampouco eram os que considerávamos piedosos”, declara a escritora alemã Gertrud von Le Fort, dissidente antinazista e cristã fervorosa. Pouco conhecido na França, seu livro Escritos da Resistência foi traduzido por Henri Peter, que prepara um livro sobre a Rosa Branca para as edições Via Romana. “Vi muitas pessoas sucumbirem ou resistirem magnificamente quando ninguém esperava. Em ambos os casos, a decisão foi provocada pelo contato vivo ou contato sem vida do sobrenatural, com o anjo que é o senhor do abismo, com o Salvador do mundo cuja força opera poderosamente em nossa fraqueza”. Como não reconhecer Hans, Sophie e seus amigos nessas palavras?
Por fim, a Rosa Branca deixa um legado, “essa imperiosa necessidade de se formar, intelectual, cultural e espiritualmente, para resistir ao pessimismo e encontrar as palavras correspondentes aos acontecimentos atuais”, sublinha Christophe Lafontaine. Este último se apropriou da epopeia dos Scholl, dedicando-lhes uma peça de teatro, Le soleil brille, encore (O sol ainda brilha). “Na sociedade, a obediência corresponde muitas vezes a uma atitude irrefletida e passiva perante a lei, que quer se livrar de toda responsabilidade, julga o autor. Mas há uma obediência mais fértil, mais fecunda: obedecer significa ouvir, em latim. Hans e Sophie ouviram sua consciência, que continua sendo o santuário inviolável de todos. Eles nos mostram que a resistência sempre é possível”.
No verão de 1942, Sophie registrou em seu diário outro sonho, no qual caminhava com Hans e Alexander Schmorell, sob um céu sombrio. “Conheço uma prova muito simples da existência e da ação de Deus no mundo de hoje, anuncia a seu irmão. Deus injeta regularmente em nosso mundo uma lufada do Seu sopro que triunfa e renova o ar poluído”. Sophie então vê Hans inspirando e jogando o ar para o céu: “Seu sopro jorrou na forma de um jato azul brilhante, que foi aumentando e subiu ao céu, perseguindo as nuvens imundas, diante de nós e acima de nós, até o céu assumir a coloração de um azul profundo. Era bonito”. No dia 22 de fevereiro de 1943, uma tentativa de resistência falhou. Na realidade, o dia venceu a noite.
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Hans e Sophie Scholl, figuras da resistência alemã e mártires do nazismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU