07 Janeiro 2023
A dinâmica dos Reis Magos é a de todos nós. Vir de longe. Encontrar-se perdido. Compartilhar o que se tem de mais caro, típico e precioso. Ajoelhar-se na terra alcançada. Admirar a vida em algo pobre e essencial. Por fim, ser um rei em seu próprio país, mas, ao longo do caminho, tornar-se um nômade, um peregrino qualquer.
A reflexão é de Renato Zilio, padre e missionário scalabriniano, autor de Dio attende alla frontiera [Deus espera na fronteira] (Ed. EMI, 35ª edição). O artigo foi publicado em Settimana News, 06-01-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos meus anos de formação teológica em Friburgo, repetia-se com frequência uma frase de um professor, quase como uma regra de ouro: “Tenha o Evangelho em uma mão e o jornal na outra”. Para lembrar que, quando separados, o anúncio do primeiro pode soar vazio, e os acontecimentos do outro podem se tornar uma narração estéril.
Em vez disso, é necessário um vai e vem contínuo, do anúncio à realidade, aos acontecimentos, e vice-versa. Um ilumina o outro. Fecundação recíproca, na qual o Evangelho se faz “construtor de sentido” nos seus três significados: direção, valor e sabor. Assim, certos acontecimentos terão o sabor de eternidade; outros, por sua vez, de... inferno (quando a violência leva à morte de quem se ama).
Assim também para a Epifania e para a realidade de hoje. A primeira, uma celebração que se faz festa do dom. Uma viagem inédita e corajosa a partir da extremidade da terra para levar dons preciosos a Deus.
A realidade, os fatos de hoje, por sua vez, nos narram exatamente o oposto. Sobre quem, pisoteando o maior dom de Deus, a paz, leva para a casa de outra pessoa bombas, violência e ruínas. Pisoteiam-se a dignidade e a liberdade com todas as forças. Surge, então, prepotente, a sensação de paradoxo, de insensatez e de contradição.
Celebrar a Epifania em terras russas em meio a cantos, ouro e esplendores se tornará um tremendo vazio. E, como sempre, surgirá aquela pergunta inquietante das primeiras passagens da Bíblia: “O que você fez com seu irmão?”.
Celebrar a Epifania enquanto a guerra assola como um saqueador que rouba a vida e a esperança dos outros despedaça a própria viagem dos Magos. De quem se despoja de si mesmo, dos próprios hábitos, da própria terra para se fazer dom. Uma festa de significado rico, universal e revolucionário. Muito distante, no entanto, da experiência. Daquilo que captamos com os nossos olhos (muitas vezes úmidos devido a isso). Segurar em uma mão o Evangelho e na outra a vida, para captar seu valor.
Ainda me lembro da expressão de espanto de um emigrante italiano em nossa paróquia de Londres tempos atrás. “Mas então os Reis Magos somos nós!”.
Traduzindo assim a homilia da festa da Epifania, em termos cotidianos, atuais, concretos. A dinâmica dos Reis Magos havia sido explicada ponto a ponto. Vir de longe. Encontrar-se perdido. Compartilhar o que se tem de mais caro, típico e precioso. Ajoelhar-se na terra alcançada. Admirar a vida em algo pobre e essencial. Por fim, ser um rei em seu próprio país, mas, ao longo do caminho, tornar-se um nômade, um peregrino qualquer.
E um antigo provérbio volta à mente: “Quando você encontra um homem, você o julga pelas suas vestes. Quando você se separa dele, você o julga pelo seu coração!”. Sim, na despedida de cada um dos nossos idosos emigrantes [italianos], de fato, são muitos os rostos ingleses que aparecem por encanto, para seu funeral, na nossa igreja em Brixton Road. Reconheceram entre eles os Magos... Assim, às vezes, ouvimos os emigrantes italianos repetirem: “Demos o melhor que tínhamos a esta terra! Não nos resta mais nada, nem mesmo um pouco de saúde!”. E são a juventude, os filhos, as energias melhores, uma grande laboriosidade, belas qualidades morais... eis os tesouros abertos e compartilhados com um povo desconhecido, hostil no início.
O país aqui cresceu com eles e por meio deles. No fundo, só lhes resta a alegria de ver filhos e netos contentes, já aclimatados à nova terra. E depois essa vida fraterna invejável com outras pessoas, com outro povo. Sim, essa abertura de mente e de coração, construída lentamente, é um verdadeiro dom de Deus. Precisamente aquele Deus que, em emigração, por meio de uma fé fortalecida pelas milhares de dificuldades enfrentadas, souberam encontrar. Às vezes sem saber disso.
Ainda me lembro da festa dos Reis Magos de algum tempo atrás, na Paróquia São Flaviano, em Loreto. Na celebração solene, durante o ofertório, Gaspar, Melquior e Baltazar avançavam majestosamente entre duas alas de povo. Vestes pomposas e extravagantes, colares e braceletes preciosos, que as próprias esposas haviam emprestado, e depois, como tradição, ouro, incenso e mirra. Uma cena memorável.
Perto do fim da missa, porém, outros três Magos, em carne e osso, foram convidados a se apresentar. Então, timidamente, Mohamed, Omar e Assan avançaram. Três jovens, magros, malvestidos, com olhos belos e enormes, dois afegãos e um paquistanês, que haviam chegado há pouco à região. Ofereciam curiosos cartõezinhos, preparados à noite em pashtun, com os votos de Natal.
Em poucas palavras hesitantes, depois, ao microfone, ouvíamos a história deles, sua viagem infinita, as feridas e as esperanças costuradas na pele. Era belo vê-los agitando os dedos no ar, contando na frente de todos sobre os sete países, um a um, cruzados a pé à noite (devido à polícia): Irã, Turquia, Grécia, Bósnia… e finalmente Trieste!
Perseguiam uma estrela, que para eles era a vida. Sim, uma vida digna de ser vivida. Como os Magos, perdiam-se, depois, nos meandros do caminho e das suas surpresas, como, em pleno inverno, despidos e mordidos pelos cães da polícia búlgara… E, por fim, descobriam entre os italianos uma surpreendente fraternidade como em Belém: o verdadeiro milagre de Deus!
O aplauso que se seguiu vinha da própria alma dos presentes. Sim, os primeiros Magos comoveram os olhos, mas os segundos, o coração!
Assim, a palavra do Evangelho, que se faz carne nas histórias das pessoas, transforma a existência em “uma história sagrada” e os seres humanos, em personagens bíblicos de hoje. Também para homens que vieram dos confins da terra, porque uma estrela os encantou uma noite e os pôs a caminho…
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Os Magos: uma viagem debaixo de bombas e ruínas. Artigo de Renato Zilio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU