13 Dezembro 2022
Um grupo de 75 pessoas de todo o mundo se reuniu na semana passada em Roma, de 5 a 7 de dezembro, para iniciar uma revolução pacífica.
A reportagem é de Terrence Rynne, publicada por National Catholic Reporter, 13-12-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eles participaram de uma conferência patrocinada pela Iniciativa Católica de Não-Violência, um projeto da Pax Christi Internacional, e da Comissão de Justiça, Paz e Integridade da Criação das Uniões Internacionais de Superiores, tanto das ordens religiosas femininas quanto masculinas. A conferência chamava-se “Papa Francisco, a não-violência e a plenitude da Pacem in Terris”. Seu objetivo era entender, por meio da partilha de histórias, o poder prático da não-violência para ajudar a curar nosso mundo.
A maioria dos participantes sofreu violência durante grande parte de suas vidas – guerra, revolução, tráfico, opressão de ditadores, devastação de suas terras. Cada um tinha uma história para contar sobre o uso da ação não-violenta para confrontar e superar a violência que os atacava.
A diversidade de países de origem era de tirar o fôlego: Bolívia, Brasil, Camarões, Congo, Estados Unidos, Filipinas, Guatemala, Indonésia, Japão, Líbano, México, Nigéria, Palestina, Quênia, Romênia, Sri Lanka e Uganda. Durante dois dias e meio, ouvimos histórias emocionantes e percebemos que é realmente uma Igreja mundial.
Entre as histórias:
Padre Nandana Manatunga, do Escritório de Direitos Humanos no Sri Lanka: descreveu a recente campanha de não-violência das comunidades budista, muçulmana e cristã unidas que derrubaram do poder os três irmãos tirânicos Rajapaksa que eram, respectivamente, presidente, vice-presidente e chefe das forças armadas;
Padre Rodrigo Peret, franciscano: fez um balanço de seus 30 anos de trabalho com os indígenas da Amazônia brasileira, acompanhando-os em suas lutas pela reforma agrária após séculos de despojamento de suas terras;
Irmã Maudília López, da Pastoral Defensoras da Madre da Guatemala: apresentou seu trabalho como líder de um grupo de mulheres que luta contra as práticas poluidoras da terra da mineradora canadense Goldcorp;
Zoughbi Zoughbi, diretor do Centro de Transformação de Conflitos Wi'am (Ágape) em Belém, Cisjordânia: deu um panorama de seu trabalho construindo uma equipe de paz não-violenta em Belém;
Essas e outras histórias de sucesso da não-violência foram parte do motivo pelo qual esta conferência promove uma revolução. A outra razão foi a nítida proximidade entre os participantes e o Papa Francisco sobre como aprofundar e divulgar o compromisso da Igreja com a não-violência.
Por exemplo, dom John Stowe, bispo presidente da Pax Christi nos Estados Unidos, explicou em uma palestra como esse papa jesuíta trouxe consigo uma forte espiritualidade franciscana – que se concentrava nos pobres, nos marginais e na sacralidade de nossa casa comum. Trouxe consigo o espírito do CELAM, a conferência episcopal latino-americana que também se concentrou no seguimento de Jesus, na opção preferencial pelos pobres. Francisco nos liderou na prática da não-violência como padre, bispo e papa.
Rose Berger, da revista Sojourners, apresentou uma série de 27 fotografias impressionantes de Francisco praticando a não-violência. Uma amostra: uma foto do Papa Francisco em um abraço caloroso de duas crianças que cresceram em um depósito de lixo nas Filipinas, com a frase “essas crianças são os tesouros da Igreja”. Outra foto, de 2017, mostrava o papa com Aung San Suu Kyi em Mianmar apresentando a ela sua declaração, “Não-violência, um estilo de política para a paz”, lembrando-a de seu dever para com os grupos minoritários de seu país.
Outra imagem mostra Francisco se curvando para beijar os pés dos líderes do Sudão do Sul, enquanto eles iniciavam um retiro no Vaticano destinado a encerrar os combates ali. Berger chamou essas imagens de ações do papa de “sacramentos da não-violência” – sinais visíveis que dão graça.
O que dizer então do pedido contínuo ao papa para escrever uma encíclica sobre a não-violência do Evangelho?
As respostas nesta conferência foram muitas e entusiásticas a favor dessa encíclica. Se a Igreja deseja convidar os fiéis a entrar na luta contra as muitas formas de violência que afetam o mundo, a Igreja deve ensinar e incorporar a maneira mais eficaz de combater a violência – com uma não-violência esmagadora. A única maneira de derrotar o ódio é com amor. A não-violência é o amor em ação no contexto do conflito. A não-violência é um amor duro, obstinado, imaginativo, que substitui e pode derrotar a violência.
Atualmente, há pouca formação na Igreja para a não-violência. A Igreja está muito longe de entender, muito menos de praticar uma ação não-violenta eficaz. Muitos ainda o confundem com pacifismo ou o consideram passivo ou irreal. Eles não estudaram os incríveis estudos de caso da não-violência eficaz. Eles não conhecem a pesquisa exata que mostra que as campanhas não-violentas têm sido duas vezes mais eficazes do que as campanhas violentas.
Os padres, em sua maioria, não entendem. Poucos sermões são pregados sobre ele. Os seminaristas não aprendem isso. Eu visitei pessoalmente dois seminários na minha área, por exemplo, oferecendo-me para ministrar um curso sobre estudos de paz/não-violência. Eu ensinei centenas de alunos da Marquette University por mais de uma dúzia de anos e sei com que entusiasmo eles abraçam o poder e o potencial da ação não-violenta quando são expostos a ela. Eles entendem que toda a sua cultura está impregnada da crença na violência e que a história lhes foi ensinada como uma história de guerras.
Cada seminário recusou, dizendo que seu currículo é estritamente definido pelos bispos. Nem mesmo uma palestra. Como pode a Igreja praticar os caminhos para a paz se seus padres e seminaristas não entendem as poderosas alavancas de poder contidas na não-violência – não-cooperação, desobediência civil, boicotes, práticas de justiça restaurativa, acompanhamento desarmado e resolução de conflitos? Como eles podem seguir o Jesus não violento se não foram apresentados a ele em ação?
Um padre africano na conferência lamentou o fato de que a não-violência não é ensinada nas escolas católicas ao redor do mundo. Ninguém os convidou a fazê-lo. Não cheguei a contar a ele sobre o Peace Works, um programa de resolução de conflitos para todos os níveis escolares, desenvolvido pelo Center for Peacemaking da Marquette University, que foi aprimorado e testado com ótimos resultados nos últimos doze anos e agora está disponível no site Internet.
Um ensinamento formal do papa desencadearia uma poderosa reação em cadeia na Igreja. Alguns diriam que seria melhor se o compromisso com a não-violência viesse da base da Igreja, em vez de um pronunciamento do alto. Os participantes desta conferência são as bases e dizem que os ajudaria muito se o papa emitisse um endosso autoritário na forma de uma encíclica.
Assim como a encíclica “Laudato Si', sobre o cuidado da casa comum” incitou muitos a agirem contra a mudança climática, provavelmente uma encíclica sobre a não-violência moveria a Igreja em todos os níveis a abraçar a não-violência como nossa maneira inspirada por Jesus de confrontar a violência e opressão.
Nossas deliberações foram enriquecidas pela participação de alguns bispos impressionantes. Dom John Wester, arcebispo de Santa Fé, resumiu para nós sua carta pastoral pioneira sobre o desarmamento nuclear, e o cardeal Robert McElroy, de San Diego, sentou-se atentamente para ouvir as impressionantes histórias de ação não-violenta – uma importante lição de liderança.
A revolução pacífica continua.
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Em Roma, conferência de ativistas católicos pela não-violência impulsiona o pedido por nova encíclica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU