28 Outubro 2022
"Usar a expressão 'estado de vida' 'talvez faça sonhar menos, mas é mais prudente e realista. Se sou celibatário, é meu estado de vida, o estado de minha vida hoje, que não empenha o futuro, mas me convida a levar a sério o aqui e agora, a realidade do que sou e do que me é oferecido agora' (Etudes p. 86). O termo 'estado de vida' reaparece em seu sentido instrumental, útil para indicar uma nascente identidade cristã, aquela dos celibatários", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 26-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Entre as revoluções silenciosas em curso está o crescimento de famílias mononucleares ou unipessoais. Um dado hoje socialmente relevante, que coloca novas questões à pastoral projetada em grande parte sobre as famílias e sobre os casais.
Para os celibatários parece não haver nenhuma proposta e pouca atenção. Por isso é útil sinalizar os primeiros elementos de uma consciência destinada a crescer, como um artigo publicado em Etudes (10,2022, pp. 81-92) assinado por Christelle Javary.
Na França, 12 milhões de pessoas vivem sozinhas (solteiros, divorciados, viúvas e viúvos, etc.). Mas o fenômeno não é menos relevante na Itália. Em um artigo de Roberto Volpi com base nos dados do censo nacional de 2021 (Corriere della sera, 21 de agosto de 2022) afirma-se que, de 56 milhões de habitantes, há 8,5 milhões de pessoas vivendo sozinhas na Itália. Se em 2001 a proporção entre famílias composta por um único elemento e famílias com filhos era de 58 para 100, em 2011 de 79 para 100, em 2022 a proporção se inverteu, de 102 para 100.
Os celibatários representam hoje uma em cada três famílias das 25,6 milhões de famílias italianas. Para aqueles que vivem fora da família, entre 25 e 34 anos, 1,4 milhão de pessoas são solteiras. A maioria delas vive em regiões metropolitanas e na região Norte. Uma mudança que levanta muitas questões do lado profissional, econômico, habitacional, etc., mas, em particular, sobre o tema da família e da fecundidade. Segundo estimativas da ONU, a Itália pode perder 22 milhões de pessoas até 2100.
O debate sobre a maternidade, desejada ou recusada, também emerge na mídia. São indicativos alguns podcasts do La Stampa com o título: ‘Desde que tenho filhos para mim são maravilha e incômodo”; "Não tenho filhos e não faço disso uma bandeira"; "Sou mãe por inconsciência"; "Ninguém vai me chamar de mãe"; "Não quero filhos".
Há poucos vestígios de questionamentos do lado eclesial. Entre eles: algumas linhas do Catecismo da Igreja Católica (n.1658), um trecho do discurso de João Paulo II em 20 de setembro de 1996, uma menção em Amoris laetitia (n.196) e um número da exortação apostólica Christus vivit (n. 267).
A maioria dos cristãos celibatários sente-se marginalizada numa Igreja onde os estados de vida reconhecidos são aqueles consagrados e familiares, espelho de uma certa marginalização, inclusive social. Como pessoas que "não deram certo".
As atitudes que parecem caracterizar essa parcela do povo de Deus são: ressentimentos dolorosos, necessidade de esperança, busca de fecundidade. Entre suas expectativas está sobretudo aquela de falar positivamente do corpo, não como um inimigo a ser dobrado, mas como um dom a ser desenvolvido. Não é necessária uma relação sexual sistemática para viver plenamente a própria masculinidade ou feminilidade.
A segunda atitude a desenvolver é o sentimento de viver na expectativa, com certa dificuldade em assumir a própria vida. Torna-se difícil para eles comprar um apartamento, mudar de emprego, mudar para outro lugar. O futuro não é marcado pela expectativa dos filhos e da velhice cuidada. A perspectiva de um encontro decisivo os expõe a erros e a se tornarem vítimas de um mercado efêmero. No entanto, eles podem mostrar que o presente ainda é precioso e pode ser vivido plenamente, mesmo diante de Deus.
Uma terceira atitude é a busca de fecundidade. Na ausência de filhos, torna-se grande a tentação de substituir o suposto fracasso afetivo pelo sucesso profissional, que de qualquer forma nunca será suficiente para dar plenitude a uma pessoa.
Deve-se ressaltar, porém, que o dom de si vale para o casamento, para a consagração e para o celibatário da mesma forma e que a fecundidade não se mede apenas pelo número de filhos. É mais uma disponibilidade interior e um gesto de obediência a Deus. Mais que desenvolver uma pastoral específica para eles, é preciso reconhecer seus dons e carismas na vivência da vida eclesial.
Elementos de atenção para com eles também são registrados em outras confissões cristãs. Por exemplo, no volume da teóloga protestante estadunidense Christina S. Hitchcock que dedicou um estudo à vida dos "solteiros" (The significance of singleness) ou em uma passagem de um texto conciliar ortodoxo Para a vida do mundo. Rumo a um ethos social da Igreja Ortodoxa nos ns. 20 e 28.
O primeiro diz: "Tradicionalmente, a ortodoxia tendia a reconhecer apenas dois estados, monástico e matrimonial, mas seria uma profunda inadimplência da responsabilidade pastoral da Igreja deixar de reconhecer que, enquanto a vida celibatária era bastante rara nas gerações anteriores, as mudanças culturais e sociais da era moderna tornaram-na agora consideravelmente mais comum”.
Na França existem os coletivos “celibatários na Igreja” que estão em funcionamento desde 2017. O Colégio Bernardins dedicou-lhes duas palestras. É possível encontrar um número de Documents Episcopats ("Celibatários, celibatárias. Que perspectivas na Igreja?" N. 3, 2010); o volume de D. de Monleon Cabaret, Deus não me esqueceu. Perspectivas para os celibatários, Saint Paul 2013; Eu existo. Um olhar diferente sobre os celibatários, Emmanuel 2020; o ensaio de Christoph Theobald, "Que caminho propor às pessoas que não são chamadas ao matrimônio ou à vida consagrada?", no volume Sínodo sobre a vocação e missão da família na Igreja, Bayard 2016).
É difícil para eles falar de "vocação" porque muitas vezes não é uma escolha deliberada, mas um fato. Além disso, mesmo para a escolha matrimonial a indicação de “vocação” é muito tardia. Mas assim como o casamento foi progressivamente valorizado pelo que é em si mesmo e não em razão da escolha celibatária ministerial ou religiosa, o mesmo acontece com o celibatário. A sua pertença à Igreja é completa graças ao batismo e com ele é chamado à santidade.
Usar a expressão "estado de vida" "talvez faça sonhar menos, mas é mais prudente e realista. Se sou celibatário, é meu estado de vida, o estado de minha vida hoje, que não empenha o futuro, mas me convida a levar a sério o aqui e agora, a realidade do que sou e do que me é oferecido agora” (Etudes p. 86).
O termo "estado de vida" reaparece em seu sentido instrumental, útil para indicar uma nascente identidade cristã, aquela dos celibatários.
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Celibatários: uma vocação ou um estado? Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU