10 Outubro 2022
"Precisamos lembrar que os objetivos do Cuidado Paliativo são: melhorar a qualidade de vida, aliviar o sofrimento, o cuidado integral à pessoa e o apoio à família", escreve João Batista Alves de Oliveira, médico paliativista pela Sociedade Brasileira Clínica Médica/Associação Médica Brasileira, em celebração ao Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, sempre celebrado no segundo sábado de outubro.
Foucault diz “não sinto que seja necessário saber exatamente o que sou. O principal interesse na vida, e o trabalho, é converter-se em alguém diferente do que era antes” (1). E é com essa reflexão que adentramos ao tema do Dia Mundial do Cuidado Paliativo 2022 lembrando a pandemia provocada pelo SARSCOV-2 e a guerra na Ucrânia que voltam a nos colocar diante do outro que sofre, que se encontra desamparado e que precisa ser cuidado. E para isso, nada melhor que começar curando corações (os nossos) para que então possamos ser alguém diferente do que éramos antes, com a disposição para encontrar o outro em sua fragilidade.
Retrocedendo no tempo, lembremos da imagem dos refugiados Sírios, especificamente do menino Aylan que em seus três anos de idade, falecido numa praia, simbolizou o desespero e a miséria humana. E é com essa imagem que devemos reconhecer que “temos um destino comum, que deve nos unir, nos tornar solidários”. (2)
Mural pintado recorda a foto do menino Aylan, que morreu afogado ao atravessar o Mediterrâneo (Foto: Wikimedia Commons/Plenz)
Alguns, talvez incrédulos, poderão perguntar – mas o que isso tem a ver com Cuidado Paliativo? A resposta é: tudo; porque Cuidado Paliativo não se refere apenas ao cuidado da doença, mas também pela identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual. (3) E isso é essencial quando o mundo é assolado por infelizes acontecimentos e quando a vida precisa continuar apesar das perdas insubstituíveis, por meio da solidariedade.
Refugiados da Síria, pandemia COVID, guerra na Ucrânia mais que problemas socioculturais, econômicos, de saúde, políticos expõe a fragilidade humana e com ela o desamparo, a dor, o sofrimento, as mutilações, as doenças, a solidão, por vezes o aniquilamento de muitas histórias de vida que sequer poderão ser um dia resgatadas, e o luto.
“Espera-se que os Cuidados Paliativos, ao em vez de serem interpretados como ‘cuidado para aqueles que estão morrendo’, possam ser reconhecidos como ‘cuidado que pretende aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida ao longo de todo o curso da doença e do luto contemplando os pacientes e suas famílias, para que os pacientes alcancem o potencial pleno para viver mesmo enquanto estiverem morrendo”. (4)
Precisamos lembrar que os objetivos do Cuidado Paliativo são: melhorar a qualidade de vida, aliviar o sofrimento, o cuidado integral à pessoa e o apoio à família.
Pensando em todos esses fragilizados e nesses objetivos, descobrimos que precisamos ter compaixão, que é a capacidade de compartilhar o sofrimento do outro, permitindo assumir essa responsabilidade sem escapatória, frente à vulnerabilidade radical do outro. A compaixão permitia ser responsável pelo outro a qualquer preço, em qualquer situação. (5)
Expostos à finitude, vendo esses abalos mundiais descobrimos que transcender a morte não é eliminá-la, mas dar-lhe a dignidade merecida. De onde nasce a filosofia dos Cuidados Paliativos, que têm por finalidade a manutenção da integridade do ser humano diante da possibilidade de desintegração final. (6)
A vida humana é uma existência dinâmica (feita no tempo) que tem e faz história. Examinamos a nossa vida contando aos outros e a nós mesmos a nossa história. Somos narradores da nossa própria vida e seremos autores absolutos dela. (7) E esse é o motivo, de um vulnerável precisar do manto, da cobertura (pallium) do outro, traduzido por compaixão.
“Compaixão é compartilhar o sofrimento do outro... Ser responsável pelo outro a qualquer preço, em qualquer situação... a capacidade de acompanhar o que é incapaz de compreender: o sofrimento do outro... um tempo de reivindicação da dignidade humana, além das limitações circunstanciais... o tempo de afirmar que a vulnerabilidade humana não é indigna”. (8)
Todos esses acontecimentos e o luto deles gerado nos faz pensar no humanitarismo, que nos mostra que o sofrimento é universal e requer uma resposta, que o sofrimento não pode ser tratado com indiferença. (3)
Essas situações que geraram importantes lutos, individuais e coletivos, nos remete a uma fala da escritora Chimamanda Ngozi Adiche (9) quando diz: “Como é possível o mundo seguir adiante, inspirar e expirar de modo idêntico, enquanto dentro da minha alma tudo se desintegrou de forma permanente? ... a rapidez com que minha vida se tornou outra vida, como essa mudança é implacável...”. E isso nos obriga a garantir o reconhecimento, a valorização e o acompanhamento do luto como parte essencial da assistência em Cuidado Paliativo.
Curar corações e comunidades é um ato gigantesco que nos puxa a nossa essência humanitária e humanizadora e que nos permite promover atos cada vez menores (em proporção), mas gigantescos no cuidado – um Cuidado Paliativo onde o foco não é a morte, mas a vida, com qualidade e plena até que retornemos ao mistério (...por certo..., o mesmo de onde viemos).
(1) Michel Foucault
(2) Edgard Morin
(3) OMS
(4) Ferris
(5) Rodrigues
(6) Santos
(7) Barbosa
(8) Levinas
(9) Adiche
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Curando corações e comunidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU