07 Outubro 2022
Críticos dizem que o papa é culpado de “ambos os lados”, de não enfrentar explicitamente Putin por seu ato de agressão brutal.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada por The Tablet, 06-10-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O Papa Francisco está determinado a exercer o papel de mediador diplomático no cenário global, mesmo que isso signifique sofrer intensas críticas por sua recusa em oferecer condenações mais explícitas às ações dos governos da Rússia e da China.
Mesmo com o resto do mundo em confronto, o Bispo de Roma, de 85 anos, se recusa a abandonar a esperança de que a diplomacia e o diálogo possam trazer justiça, paz e reconciliação. Ele se recusa a alinhar o papado com os objetivos da política externa ocidental.
Sua estratégia não é ignorar ou desculpar as atrocidades perpetradas por regimes específicos, mas manter a fé de que ouvir com paciência pode mover os corações mais duros.
No domingo passado, Francisco deu o passo altamente incomum de dedicar todo o seu discurso de domingo do Angelus somente a um assunto, o curso “sério, devastador e ameaçador” que a guerra na Ucrânia tomou nas últimas semanas, lamentando as anexações e alertando sobre as “consequências catastróficas” de uma guerra nuclear.
Seu apelo pela paz foi comparado à transmissão de rádio do Papa João XXIII em 25 de outubro de 1962, durante a crise dos mísseis cubanos. A intervenção de João XXIII foi mais tarde creditada por ajudar a diminuir esse potencial conflito nuclear. Sessenta anos depois, outro papa está tendo um lampejo de esperança em uma situação assustadora. Sem mencionar Vladimir Putin pelo nome, Francisco implorou ao “presidente da Federação Russa” que parasse a “espiral de violência e morte”.
Então, para consternação de alguns, também sem mencioná-lo pelo nome, ele convidou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a “estar aberto a propostas sérias de paz”.
Críticos dizem que o papa é culpado de “ambos os lados”, de não enfrentar explicitamente Putin por seu ato de agressão brutal e de imaginar ingenuamente que ele pode ser confiável. E embora o papa tenha enfatizado a “soberania e integridade territorial de cada país, e os direitos das minorias e preocupações legítimas” sejam respeitados, ele está sugerindo que a Ucrânia deveria ser solicitada a comprometer sua soberania na Crimeia e no Donbass? Mas a Santa Sé continua sendo a única instituição sediada no Ocidente com um canal de diálogo com o Estado russo e a influente Igreja Ortodoxa Russa.
Em recente conversa com jesuítas que servem a Província Russa, relatada por Civiltà Cattolica, o jornal jesuíta, Francisco disse que um chefe militar e um conselheiro religioso do presidente Zelensky lhe trouxeram uma lista de mais de 300 prisioneiros. “Liguei imediatamente para o embaixador russo para ver se algo poderia ser feito”. Foi organizada uma troca de prisioneiros, a maior desde o início da guerra.
Ajudar os presos políticos faz parte da diplomacia da Santa Sé. Enquanto na Bielorrússia, o então embaixador papal, Dom Claudio Gugerotti, teria sido o único diplomata capaz de visitar os presos políticos do país, negociando diretamente em seu nome com o presidente Alexander Lukashenko.
São Francisco de Assis colocou sua vida em risco quando cruzou as linhas de batalha desarmado para apelar ao sultão do Egito, Malek al-Kamil, pela paz durante as Cruzadas. A audaciosa diplomacia do papa que tomou o Santo de Assis como seu homônimo pode falhar, mas, para Francisco, isso não é motivo para parar de tentar.
Quando se trata da tentativa de reaproximação diplomática do Vaticano com a China, o papa enfrentou críticas semelhantes às de seu manejo da guerra na Ucrânia. Vários meios de comunicação e comentaristas acreditam que o papa deveria condenar o histórico de violação de direitos humanos de Pequim e seu atropelamento da democracia em Hong Kong. Francisco é criticado por não oferecer mais apoio explícito ao cardeal Joseph Zen, julgado em Hong Kong por seu trabalho pró-democracia. A Santa Sé também é acusada de ser ingênua por assinar um acordo provisório com os governantes comunistas da China, dando a ambos os lados uma palavra a dizer na nomeação de bispos. O acordo expira este mês, mas parece que será renovado por mais dois anos.
Os críticos de Francisco assumem que o papel principal da Igreja é emitir condenações, como se fosse uma organização ativista. O papa diz que a Igreja não é uma “ONG espiritual”, e sua missão é semear as sementes do Evangelho, mesmo em países hostis governados pelos comunistas. Repreender Pequim renderia manchetes positivas a Francisco, mas deixaria o vulnerável “pequeno rebanho” de católicos chineses agrupados com forças estrangeiras e hostis. O padre Paul Han, que leciona em um seminário em Hebei, norte da China, me disse que a abordagem do papa mostra que ele não é simplesmente um aliado do Ocidente, “mas o líder moral e espiritual de uma Igreja verdadeiramente universal”. Na China, como na Rússia, Francisco está tentando jogar a longo prazo.
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Por que o Papa Francisco confia na diplomacia quando se trata de Rússia e China - Instituto Humanitas Unisinos - IHU