03 Outubro 2022
A população mundial deve chegar a 10 bilhões de pessoas em 2050, segundo projeções da ONU. Isso implica em dois grandes desafios para o planeta, lembra o demógrafo Gilles Pison.
Professor emérito do Museu de História Natural, conselheiro da direção do Instituto Nacional de Estudos Demográficos (INED) e autor do Atlas de la population mondiale (Atlas da população mundial, 2019), Gilles Pison explica que a humanidade terá de enfrentar o envelhecimento das populações do Sul que não contam com sistemas de aposentadoria e o novo regime climático que exige uma mudança profunda nos nossos estilos de vida.
A entrevista é de Naïri Nahapét, publicada por Alternatives Économiques, 26-09-2022. A tradução é do Cepat.
Quais são as projeções demográficas para as próximas décadas?
No próximo dia 15 de novembro, a população mundial ultrapassará a marca de 8 bilhões de pessoas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Éramos 1 bilhão em 1800. Portanto, a população aumentou oito vezes nos últimos dois séculos.
Deve continuar a crescer e atingir cerca de 10 bilhões de pessoas em 2050, mas não muito mais depois, uma vez que a tendência é o crescimento populacional começar a desacelerar. Assim, atingimos uma taxa máxima de crescimento de 2% ao ano há sessenta anos. De lá para cá, essa taxa caiu pela metade, já que estamos com um crescimento de 1% ao ano hoje.
Espera-se que esta taxa continue a diminuir devido ao declínio da taxa de fecundidade. As mulheres hoje têm uma média de 2,3 filhos cada em todo o mundo, em comparação com 5 filhos em 1950. E espera-se que a tendência de queda continue. No cenário médio da ONU, a fecundidade atingirá 2,1 filhos por mulher em 2050 e 1,8 filho em 2100, números que são obtidos ampliando as tendências dos últimos anos.
Entre as regiões do mundo onde a fertilidade ainda está acima de 2,5 filhos por mulher, está quase toda a África e uma faixa que se estende do Afeganistão ao norte da Índia, passando pelo Paquistão. É aqui que se concentrará a maior parte do crescimento futuro da população mundial.
Assim, a África, incluindo o Norte da África, verá sua população quase triplicar até o final do século na projeção média da ONU, passando de 1,4 bilhão de habitantes hoje para quase 4 bilhões em 2100. Hoje, um em cada seis humanos vive na África. Será mais de um em cada três no final do século nesta projeção.
Essas projeções são seguras?
O futuro não está escrito. Mas as projeções são relativamente sólidas quando se trata de anunciar o tamanho da população no curto prazo, nos próximos dez a trinta anos. A maioria dos humanos que viverão em 2050 já nasceu.
Podemos estimar sem muitos erros a parcela dos 8 bilhões que vivem hoje e que não estarão mais vivos em 2050, assim como o número de recém-nascidos que serão adicionados até então, porque suas mães já nasceram e sabemos quantas são. Portanto, é possível fazer uma hipótese sobre o número de filhos que elas terão sem muitos erros.
Pensar que a população pode diminuir imediatamente é uma ilusão. Porque a única maneira de obter esta diminuição seria aumentar repentinamente a mortalidade – e ninguém quer isso – ou realizar uma emigração maciça para Marte! Quanto ao declínio da fecundidade, está em curso, pois mulheres e homens optam por ter poucos filhos em quase todos os lugares. Dois terços da humanidade vivem em um país ou região onde a fecundidade está abaixo do nível de reposição (2,1 filhos).
Mas isso não resulta em uma parada imediata do crescimento devido à inércia demográfica. Mesmo que a fecundidade mundial caísse imediatamente para 1,5 filho por mulher, como na Europa, a população mundial continuaria a crescer por mais algumas décadas porque inclui muitos adultos em idade fértil, resultando em muitos nascimentos. Quanto às pessoas idosas ou muito idosas, são poucas em escala global. O número de óbitos é, portanto, baixo.
As projeções da ONU são baseadas em conhecimentos coletivos e em fontes estatísticas, que são os censos populacionais dos diferentes países. Além disso, além de seu cenário médio, seus especialistas estão considerando cenários alternativos, incluindo um, descrito como cenário "alto", que prevê que, em vez de 1,8 filho por mulher em 2100, a fecundidade aumentaria para 2,3 filhos por mulher. Nesse caso, a população mundial chegaria a 15 bilhões de humanos em 2100. Eles também levam em conta um cenário "baixo", com a fecundidade caindo mais rapidamente, para chegar a 1,3 filho por mulher em média em 2100, caso em que a população seria de 7 bilhões de pessoas em 2100.
Mas tanto a hipótese alta quanto a baixa são muito improváveis e o cenário médio é considerado o mais realista no estado do conhecimento. Nesse cenário, o crescimento populacional continua desacelerando até atingir um pico de 10,4 bilhões de pessoas em 2080, com a população estagnando ou diminuindo ligeiramente a partir dessa data. Nós quase atingimos esse máximo. O rápido crescimento da população mundial é coisa do passado.
Um estudo do banco HSBC sugere que haveria 4 bilhões de seres humanos em 2100. Isso então é totalmente fantasioso? Em que se basearam seus cálculos?
Esta nota do banco, que assume um declínio demográfico, não dá explicações sobre como esses números são produzidos. O número de 4 bilhões de seres humanos não está em sua nota, mas aparece em um artigo publicado em Les Echos. Isso, em todo caso, não é possível. É um número tirado da cartola e não apoiado por nenhum trabalho sério.
Esta redução da população até 2100 não é mais provável do que a queda de um meteoro do tamanho daquele que caiu há 63 milhões de anos e causou a quinta extinção em massa de espécies e o desaparecimento dos dinossauros. Quanto a uma pandemia matar metade da humanidade, isso também é improvável, pois as sociedades estão cada vez mais bem equipadas para combater novas doenças, como vimos com a Covid-19.
A maioria da população hoje é asiática. Como evoluirá a população deste continente?
Durante muito tempo, a maioria da humanidade viveu na Ásia. E assim continuará até o final do século. Neste continente, a população da Índia deverá ultrapassar a da China no próximo ano, com cada país atualmente abrigando cerca de 1,4 bilhão de pessoas. A Índia continuará a ter um crescimento populacional, enquanto a China atingiu o pico e espera-se que sua população diminua nos próximos anos.
Quais foram os efeitos da crise sanitária na população?
Falta um distanciamento maior para fazer uma avaliação completa da epidemia da Covid-19, mas, segundo a ONU, ela foi acompanhada por um excesso de mortalidade de 15 milhões de pessoas em 2020 e 2021, ou seja, um aumento de mortes de 12% a cada ano, uma vez que 60 milhões de pessoas morrem anualmente no mundo.
Assim, a expectativa de vida no nascimento diminuiu quase dois anos, passando de 72,8 anos em 2019 para 71,0 anos em 2021. Mas esta é uma queda temporária. Em 2022 e nos anos subsequentes, espera-se que as tendências de mortalidade sejam retomadas em linha com o período pré-pandemia.
Quanto ao efeito sobre os nascimentos, nos países desenvolvidos onde temos estatísticas precisas, muitas vezes vemos uma queda nas gravidezes durante a primeira onda da epidemia, que foi então preenchida parcial ou completamente. O número de nascimentos, portanto, não diminuiu, mas alguns deles foram adiados. Portanto, de modo geral, o efeito da pandemia foi muito pequeno em termos demográficos.
Qual será a evolução demográfica da França?
A população francesa é de cerca de 68 milhões hoje e continua a crescer de ano para ano, mesmo que sua taxa de crescimento tenda a desacelerar. A expectativa de vida continua a aumentar. Mas à medida que a população envelhece, o número de mortes aumenta. Especialmente porque as numerosas gerações do baby boom, nascidas entre 1945 e o início da década de 1970, estão chegando à velhice, o que infla o número de mortes.
Isso explica por que estamos vendo ao mesmo tempo um aumento na expectativa de vida e no número de mortes. Se a população francesa continua a aumentar, é devido ao excedente de nascimentos sobre os óbitos ao qual se soma o saldo migratório positivo. O primeiro excedente tende a diminuir com o aumento do número de mortes, e o crescimento, se continuar, dependerá cada vez mais do excedente migratório.
Quais serão os efeitos do envelhecimento da população globalmente?
O envelhecimento da população mundial é consequência da transição demográfica. É inevitável. Isso resulta do fato de que estamos vivendo cada vez mais tempo. Na França, espera-se que o envelhecimento continue devido ao aumento da expectativa de vida.
Em outros lugares, há também a queda na fertilidade para menos de 2 filhos por mulher. As sociedades devem se preparar para o fato de ter uma proporção maior de idosos. Mesmo que vivamos cada vez mais uma velhice com boa saúde, é necessário se preparar para as situações de deficiência e dependência. E adaptar nossos sistemas previdenciários para que durem.
Os países do Sul, de modo geral, não possuem tais sistemas. Eles devem ser construídos muito rapidamente para evitar que os trabalhadores de hoje terminem suas vidas na miséria. Antigamente, os idosos eram cuidados pela família. Esse não é mais o caso hoje. O envelhecimento demográfico já começou no Sul e será mais rápido aí do que no Norte. Os Estados devem abordar rapidamente o assunto. Mas os governos geralmente têm uma visão de curto prazo. Este é um dos principais desafios deste século.
Como as migrações modificarão a evolução da população nos diferentes países?
Cabe destacar que os migrantes representam uma minoria da população mundial, menos de 4%. Pouca coisa mudou em cem anos. Mas a distribuição dos migrantes não é mais a mesma. Assistimos a uma inversão dos fluxos migratórios entre o Norte e o Sul, para usar a expressão de Alfred Sauvy, uma vez que são agora os países do Sul que fornecem uma grande proporção de migrantes enquanto anteriormente eram os países do Norte.
Os migrantes de um país do Sul e que vivem noutro país do Sul são os mais numerosos, na verdade representam cerca de 100 milhões de pessoas, os migrantes Sul-Norte (nascidos num país do Sul e morando num país do Norte), 90 milhões, os migrantes Norte-Norte, 60 milhões, e o último grupo, migrantes Norte-Sul, 14 milhões.
A migração internacional continuará, mas não levará a uma redistribuição fundamental da população mundial, como supõem aqueles que temem um influxo de migrantes subsaarianos na Europa e latino-americanos nos Estados Unidos.
A migração entre a África e a Europa pode aumentar apenas porque a África Subsaariana representará 22% da população mundial em 2050, em comparação com 14% hoje. Mas a África Subsaariana tem a menor taxa de emigração internacional do mundo e, quando acontece, é mais frequente para países vizinhos.
Os efeitos das mudanças climáticas na migração internacional não são bem conhecidos. Mas é improvável que isso leve a grandes movimentos populacionais de um continente para outro.
A desaceleração demográfica é uma boa notícia do ponto de vista ecológico?
O aquecimento global e o esgotamento dos recursos não estão tanto relacionados ao número de pessoas no planeta quanto ao nosso estilo de vida e à atividade de uma minoria de um bilhão de humanos que vivem na América do Norte e na Europa. Os países do Norte são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas ocorridas até agora.
É ilusório pensar em poder agir sobre o número de humanos no curto prazo, quando é bem possível mudar nossos modos de vida sem demora para torná-los mais econômicos em recursos e energia e mais respeitosos com o meio ambiente e a biodiversidade. Os países do Norte têm uma responsabilidade particular nesta área porque os seus modos de vida servem de modelo e são copiados por outros países.
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“O rápido crescimento da população mundial é coisa do passado”. Entrevista com Gilles Pison - Instituto Humanitas Unisinos - IHU