16 Agosto 2022
Se algo distingue o neoliberalismo como formação capitalista, é sua apropriação do Estado. É sua diferença com o liberalismo clássico. No neoliberalismo, os imperativos da atuação empresarial não se apropriam apenas do Estado, mas também da subjetividade e de suas diferentes expressões no mundo da vida. Essa descrição fez com que para alguns setores da esquerda europeia contemporânea seja ineficaz lidar com o Estado, qualquer compromisso com sua estrutura, segundo essas correntes, termina em uma nova apropriação pelo neoliberalismo de qualquer força transformadora.
O comentário é de Jorge Aleman, psicanalista e escritor, em artigo publicado por Página/12, 16-08-2022.
No entanto, a situação mundial que o próprio neoliberalismo impôs leva inevitavelmente a rever a relação com o Estado e a reformular essa abordagem. A América Latina tem sido uma bússola nesta questão. O Estado é um campo em disputa e essa disputa deve ser dada para proteger e resguardar certas ordens do Estado do poder financeiro corporativo.
Referimo-nos à “mão esquerda” do Estado (a expressão é de Bourdieu), onde está em jogo aquilo que podemos chamar a sua dimensão autónoma e universal.
Referimo-nos logicamente à política, à justiça, à saúde, à educação, à pesquisa científica, à vida das artes e ao mundo intelectual.Todas essas instâncias também hoje estão sendo absorvidas pelos dispositivos financeiros neoliberais. E uma economia neoliberal só pode ser transformada se essa autonomia conseguir ser mantida a todo custo. Nessas áreas, ainda persiste e insiste uma universalidade que não está sujeita ao interesse do mercado.
O importante aqui é que essa universalidade localizada em certas encruzilhadas históricas só pode ser defendida pelo Estado, mas a partir de lugares que não participam dele.
Nesse ponto, o campo da militância, movimentos sociais, estruturas sindicais, organizações de direitos humanos e todas as experiências emergentes do político, não participando diretamente do Estado, constituem a verdadeira condição para impedir a captura neoliberal do Estado e para que a mão esquerda e sua autonomia universal cumprem seu papel na resistência contra a engrenagem neoliberal e que perdura o desejo de outra vida.
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A “mão esquerda do Estado” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU