01 Agosto 2022
A viagem do Papa Francisco ao Canadá terminou com seu retorno ao Vaticano em 30 de julho, após as últimas etapas em Quebec, Ottawa e Iqaluit, no nordeste do grande país. Etapas que continuaram o percurso de pedido de perdão e reconciliação, mas acrescentaram uma importante reflexão sobre como evangelizar em um contexto de secularização.
O comentário é de Fabrizio Mastrofini, jornalista e ensaísta italiano, publicado em Settimana News, 30-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma questão delicada em um país - e sobretudo na área francófona - onde a pertença religiosa está enfraquecendo e onde as pressões para a secularização são mais fortes.
Na homilia da missa de 28 de julho no Santuário Nacional de Sainte Anne de Beaupré, refletindo sobre o Evangelho de Emaús, o Papa Francisco exortou os fiéis a não se desesperarem e seguirem sempre Jesus. No centro não devem estar os nossos fracassos e a tentação da fuga, mas sim um impulso para fazer cada vez melhor no seguimento do Evangelho.
No arcebispado de Québec, ao encontrar-se com uma delegação de nativos, voltou a proferir palavras tocantes, depois repetidas também em Iqalit, no norte, numa localidade remota e por isso uma etapa ainda mais significativa. “Não vim como turista, vim como irmão, para conhecer em primeira mão os bons e maus frutos produzidos pelos membros da família católica local ao longo dos anos.
Eu vim em espírito de penitência, para expressar a vocês a dor que carregamos em nossos corações como Igreja pelo mal que não poucos católicos causaram a vocês ao apoiar políticas opressivas e injustas em relação a vocês. Vim como peregrino, com minhas limitadas possibilidades físicas, (…) para que possamos seguir semeando esperança para as futuras gerações de indígenas e não indígenas, que desejam viver juntos fraternalmente, em harmonia. (…)
Posso dizer realmente que, enquanto vos visitei, foram as vossas realidades, as realidades indígenas desta terra, que visitaram o meu espírito: entraram em mim e me acompanharão para sempre. Ouso dizer, se me permitem, que agora, em certo sentido, também me sinto parte de vossa família e me sinto honrado por isso”.
A reflexão sobre secularização e secularismo é muito importante, encontrando a Igreja local - sacerdotes, religiosos e religiosas, diáconos - sempre em Québec. A secularização deixa Deus em segundo plano, observou o papa. No entanto, “quando observamos a cultura em que estamos imersos, as suas linguagens e os seus símbolos, devemos ter o cuidado de não ficar prisioneiros do pessimismo e do ressentimento, deixando-nos cair em juízos negativos ou nostalgias inúteis. Existem, de fato, dois olhares possíveis em relação ao mundo em que vivemos: um eu chamaria de ‘olhar negativo’; o outro ‘olhar que discerne’”.
Aqui o papa se referiu explicitamente à Evangelii nuntiandi de Paulo VI e às obras do sociólogo canadense Charles Taylor. Em especial, o Papa Francisco destacou que a secularização é "o esforço em si justo e legítimo, de modo algum incompatível com a fé ou a religião" (Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, 55), para descobrir as leis da realidade e da própria vida humana postas pelo Criador.
De fato, Deus não nos quer escravos, mas filhos, não quer decidir por nós, nem nos oprimir com um poder sagrado em um mundo regido por leis religiosas. Não, Ele nos criou livres e nos pede para sermos pessoas adultas, pessoas responsáveis na vida e na sociedade. Outra coisa - distinguia São Paulo VI - é o secularismo, uma concepção de vida que separa completamente do vínculo com o Criador, de modo que Deus se torna "supérfluo e embaraçante" e se geram "novas formas de ateísmo", sorrateiras e variadas: "a civilização dos consumos, o hedonismo erigido em valor supremo, uma ambição de poder e de predomínio, discriminações de todo gênero” (ibid.).
Eis que, como Igreja, sobretudo como pastores do Povo de Deus, como pastores, como consagrados e consagradas, como seminaristas e como agentes pastorais, cabe-nos saber fazer essas distinções, discernir. Se cedermos ao olhar negativo e julgarmos superficialmente, corremos o risco de passar a mensagem errada, como se por trás da crítica sobre a secularização houvesse de nossa parte a nostalgia de um mundo sacralizado, de uma sociedade de outros tempos na qual a Igreja e seus ministros tinham mais poder e relevância social. E esta é uma perspectiva errada”.
Em vez disso - acrescentou - o tema da secularização “para nós cristãos, não deve ser a menor relevância social da Igreja ou a perda de riquezas materiais e privilégios; mas ao contrário ela pede-nos para refletir sobre as mudanças na sociedade que afetaram a maneira como as pessoas pensam e organizam a vida. Se nos debruçarmos sobre esse aspecto, percebemos que não é a fé que está em crise, mas certas formas e maneiras pelas quais a anunciamos. E, portanto, a secularização é um desafio para a nossa imaginação pastoral, é “uma oportunidade para a recomposição da vida espiritual em novas formas e novas maneiras de existir” (C. Taylor, A Secular Age, Cambridge 2007, 437)”.
E as "chaves" de um trabalho evangelicamente eficaz são três: dar a conhecer Jesus, ser testemunhas credíveis, criar oportunidades e espaços de fraternidade. Temas válidos para a Igreja canadense, mas também para toda a Igreja.
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