"Certamente 'a pastoral dá o que pensar' (p. 16) e os textos reunidos em Discernir a pastoral em tempos de crise: realidade, desafios, tarefas: contribuições do 1º Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral oferecem ao público em geral subsídios importantes para pensar e discernir a pastoral em nosso contexto atual marcado por profundas mudanças", escreve Eliseu Wisniewski, Presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
O livro: Discernir a pastoral em tempos de crise: realidade, desafios, tarefas: Contribuições do 1º Congresso de Teologia Pastoral (Paulinas, 2022, 408 p.), organizado por Dr. Geraldo De Mori, recolhe grande parte das reflexões feitas nas conferências (p. 25-90), nos painéis (p. 91-254) e nos seminários (p. 255-361) do 1º Congresso Brasileiro de Teologia Moral. Esse evento foi organizado pelo Grupo de Pesquisa “Teologia e Pastoral”, do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), e, realizado em formato virtual entre os dias 03 e 06 de maio de 2021.
(Foto: Divulgação)
Na Apresentação (p. 19-23) desta obra, Geraldo De Mori observa que “a temática original do Congresso, ‘Discernir a pastoral em tempos de crise: realidade, desafios, tarefas’, foi profundamente afetada pelas questões que surgiram durante a pandemia, algumas relacionadas ao uso do nome de Deus enquanto justificativa de propósitos contrários à fé cristã; e, outras, à compreensão de Igreja, identificada seja com figuras da instituição, seja do elã pentecostal-carismático, seja da pregação, seja da práxis profética das Comunidades Eclesiais de Base, seja da fragmentação pós-moderna, seja do tradicionalismo e fundamentalismo, essa última tendo crescido nos últimos anos, com vários grupos ativos na mídia social, acirrando a polarização, manipulando o uso da tradição, rompendo com o Concílio Vaticano II, o magistério do Papa Francisco e da CNBB. A isso se acrescenta o crescimento do clericalismo e de estruturas eclesiásticas contrárias às mudanças empreendidas pelo Papa. Neste contexto, permanecem, contudo, as questões: “o que é evangelizar? Como ser testemunha da alegria do Evangelho, sobretudo nas periferias existenciais, no cuidado da casa comum, em atitude samaritana? Como participar dos processos de reforma da Igreja promovidos pelo atual Pontífice?” (p. 21-22).
Nesta perspectiva, os capítulos que compõe esta coletânea estruturada em quatro partes, cada um a seu modo, visam contribuir com estas questões. A presente obra traz alguns textos elaborados pelos que fizeram Conferências, atuaram em Painéis ou apresentaram conteúdos em Seminários.
1) No texto “Discernir a pastoral em tempos de crise” (p. 27-53), Dr. Agenor Brighenti aborda a temática, desmembrando-a em três perguntas, procurando respondê-las brevemente: a) que crise é essa que estamos vivendo e que atinge todos e a tudo inclusive a pastoral? (p. 28-33); b) o que se passa na pastoral nestes tempos de crise? (p. 33-40); que tipo e pastoral para assumir a crise e superá-la? (p. 41-46). Esclarece que “crise é uma das marcas fundantes da situação atual, seja do que vive a sociedade, seja do que se experimenta no cotidiano da igreja ou na esfera da experiência religiosa como um todo. Há a crise recente, provocada pela pandemia, que particularmente em nosso país não é pequena, mas conjuntural. Contudo, ela se insere no seio de uma crise maior e anterior a ela, uma crise estrutural, que vem de pelo menos quatro décadas” (p. 28). Diante disso, os que “reagem à crise atual com uma visão retrospectiva da realidade estão na pastoral de conservação (modelo da cristandade medieval) ou em um pastoral apologética (modelo da igreja da neocristandade), e muitas vezes se mesclam os dois modelos. As três décadas de ‘involução eclesial’ em relação à renovação do Vaticano II, que se estendeu durante os dois pontificados que antecederam o atual, propiciaram o refluxo desses modelos e, curiosamente, sobretudo através do clero mais jovem” (p. 34-35). Uma pastoral consequente com o tempo atual é uma “pastoral de conversão missionária” (p. 42), conversão esta que abarca quatro âmbitos: da consciência, das ações, das relações de igualdade e autoridade, das estruturas (p. 43-46).
2) Dom Leonardo Ulrich Steiner, Arcebispo de Manaus reflete sobre “os desafios e perspectivas para a Igreja do Brasil, hoje” (p. 55-90). O referido autor faz suas “matutações” (p. 56), em cinco pontos: a) sondando a palavra fé (p. 56-57); b) sondando as palavras evangelização e pastoral (p. 57-62); 3) atendo-se nos desafios e perspectivas das Diretrizes para a Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (p. 62-64); 4) escutando os desafios (p. 64-74);
5) escutando as perspectivas (p. 74-86). Especificamente, Steiner elenca estes desafios: a) o pensamento calculante e dominador (p. 65-67), b) figuras de Deus (p. 67-69), c) a morte de Deus (p. 69-70), d) o desafio de anunciar Jesus e seu Reino (p. 71), e) os meios de comunicação de inspiração católica (p. 71-), f) diálogo (p. 72), g) sinodalidade (p. 72-73), h) meio ambiente (p. 73), i) formação (p. 73-). As perspectivas: a) a Palavra de Deus (p. 74-76), b) celebração da Palavra de Deus (p. 76-), c) iniciação à vida cristã (p. 77), d) as comunidades (p. 77-78), e) os leigos (p. 78-79), f) a fé que deseja encarnar-se na cultura (p. 79-80), g) escuta permanente (p. 80-81). Concluindo, salienta ser fundamental permanecer na cercania da misericórdia uma vez que ela é a essência do ser cristão (p. 81-84), e na iluminação do encontro (p. 84-86).
1) Aprendizados pastorais na pandemia (p. 93-114), Vanildo de Paiva em sua reflexão tendo em conta as experiências do Êxodo e do Exílio na Babilônia coo experiências fundantes de um novo modo de compreender a relação com Deus e consequentemente o modo de se organizar socialmente e eclesialmente, no cenário trazido pela pandemia procura acenar alguns aspectos que no ajudam a pensar melhor a tão desejada e necessária reinvenção ou renascimento pastoral como: a) o protagonismo dos leigos (p. 97-99), b) uma Igreja samaritana a serviço da vida (p. 99-101), c) a centralidade do essencial (p. 101-103), d) o lugar preferencial dos pobres (p. 103-105), e) a força transformadora da liturgia (p. 105-107), f) a sacramentalidade da Palavra de Deus (p. 107-108), g) a missionaridade e a Igreja em saída (p. 108-110), h) a importância das novas mídias na vida da igreja (p. 110-112).
2) Pentecostalidade e mística (p. 115-155), Luana Martins Golin e Marcial Maçaneiro buscam refletir sobre o significado do pentecostalismo e da mística para a ação pastoral da Igreja. Golin na sua reflexão Encontros entre a pentecostalidade e a mística (p. 117-129) esclarece em primeiro lugar como é possível pensar acerca de uma mística pentecostal (p. 117-120), trazendo para a discussão e o diálogo algumas premissas da mística ortodoxa oriental (p. 120-125), que possibilita resgatar o mistério e a experiência do absoluto como possibilidades para uma espiritualidade menos institucional e eclesiocêntrica e mais pneumática, livre como Espírito Santo (p. 125-126). Por sua vez, Maçaneiro nota que o nexo mais direto entre mística e pentecostalidade é o Espírito Santo, presente tanto ao místico quanto ao carismático. Isto se dá ao nível da experiência, não só subjetiva, mas eclesial. Porém, a interpretação e a sistematização dessa experiência por parte da teologia e mesmo da história, nem sempre evidenciam os nexos pneumatológicos ali postos (p. 131-151).
3) Igreja, pandemia e periferias existenciais (p. 157-177), Luís Corrêa Lima ressalta que um dos sinais mais notáveis do mundo atual é a ampla visibilidade da população LGBT+. (p. 159-162). Os LGBT+ se situam nas periferias existenciais e a solicitude pastoral da igreja também deve contemplá-los. Com a devida compreensão da sua realidade, eles podem ser ajudados na busca de Deus e de sentido para a vida, no cultivo da vida espiritual e da autoestima, na cura de feridas exteriores e interiores, no fomento do apoio mútuo, da vida eclesial, do apostolado e a ação do mundo (p. 162-175).
4) A Igreja na Amazônia pós-sínodo/ Ecologia Integral (p. 179-205), João Gutemberg Sampaio e Dom Mario Antônio da Silva descrevem o Sínodo da Amazônia como sinal da presença de Deus na caminhada da Igreja na Amazônia e na história de liberdade dos povos da Amazônia (p. 181-182). Frente a isso, observam que os povos da Amazônia são desafiados pelo impacto da pandemia da Covid-19 e pela manutenção e até o aumento das invasões dos seus territórios para a exploração ilegal de bens naturais (p. 182-183). Destacam que acolher a Exortação Pós-Sinodal Querida Amazônia significa sonhar junto com os povos da Amazônia (p. 183-184), assumindo também os compromissos aí propostos (p. 184-188). Márcia Maria de Oliveira apresenta algumas propostas de reflexão para a ecologia integral (p. 189-205), dentre outros aspectos destaca ser urgente/fundamental a ruptura com pensamento neocolonial para repensar a Amazônia e os novos caminhos da Igreja, fazendo-se necessário nos deixarmos “amazonizar”, com a participação ativa de todo o povo na construção do bem-viver, na defesa da Amazônia, de seu bioma e dos povos ameaçados em seus territórios (p. 196-202).
5) A Igreja e os desafios da comunicação (p. 207-232), Luís Miguel Modino apresenta 10 desafios para a comunicação da Igreja: 120 uma comunicação desde a escuta; 2) uma comunicação com uma linguagem compreensível, 3) uma comunicação que mostra a vida escondida, 4) uma comunicação desde as periferias, 5) uma comunicação profética, 6) Uma comunicação para a transformação social, 7) uma comunicação em rede, 8) uma comunicação sinodal, 9) uma comunicação que evangeliza, 10) uma comunicação que gera a esperança (p. 209-217). Em seguida, Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães observa que a Igreja é desafiada pela comunicação (p. 219-232), concretamente: a) o desafio da comunicação que não se confunde com informação, b) o desafio de um Plano Estratégico de Comunicação, c) o desafio da prática de novas e múltiplas linguagens, d) o desafio da disparidade e do despautério na comunicação da Igreja, e) o desafio da comunicação sempre libertadora sob pena de ser alienadora (p. 221-232).
6) O significado da sinodalidade para a pastoral (p. 233-254), Antônio Manzatto chama a atenção para experiências de sinodalidade (p. 235-243), como a experimentada no Concílio Vaticano II, nas Conferências Gerais do CELAM, nas assembleias da CNBB, nas Assembleias Pastorais, no Sínodo da Amazônia. Rosana Manzini oferece uma reflexão sobre o significado da sinodalidade para a pastoral pós-pandemia (p. 245-254), ressaltando que tempos pós-pandêmicos exigiram: a) superar o clericalismo, b) recuperar a dignidade do laicato, c) reanimar a vida eclesial nas pequenas comunidades, d) a formação para os agentes eclesiais, e) uma Igreja sinodal que escuta e cura (p. 248-254).
Quanto aos Seminários:
1) Manoel José Godoy e Matheus da Silva Bernardes apresentam uma reflexão sobre a paróquia em uma Igreja em saída (p. 257-276), recolhendo/resgatando, para isso, ideias centrais do que já foi dito sobre a paróquia, porém num horizonte muito próprio: a da Igreja em saída. Apresentando uma breve contextualização da paróquia em tempos de pandemia (p. 258-261), para em seguida apresentar uma reflexão eclesiológica de três autores: H. Küng, J. Moltmamm e J. Sobrino – estes estabeleceram a relação entre missão e cada uma das notas da Igreja e, por isso, ajudam a sustentar a ideia de uma Igreja em saída (p. 261-265), para chegarmos à conversão paroquial sonhada por Francisco (p. 265-276), propondo, para isso pistas/caminhos, que devem ser discernidos em comunidade.
2) Valéria Andrade Leal explora como propor a fé aos jovens a partir da Christus vivit (p. 277-297). A autora defende que na evangelização querigmática encontra-se o núcleo central da Exortação Apostólica Christus vivit (p. 279-283). Ressalta que o texto pontifício expõe, não teoricamente, as na prática, por assim dizer, a evangelização juvenil a partir do anúncio de Jesus Cristo Ressuscitado, que traz vida nova aos que nele creem. Este anúncio se faz na realidade do jovem, dentre a qual a da imigração, parece como paradigma, pois supõe o empenho em cultivar as raízes, ou seja, as referências centrais da vida do jovem em seu desenvolvimento (p.283-288). Dessa forma a evangelização pode favorecer o crescimento integral de cada pessoa, ao mesmo tempo em que a torna consciente e comprometida com o seu entorno. Nesse contexto se insere a proposta de uma pastoral juvenil vocacional, popular (p. 289-291), baseada em dois processos fundamentais, segundo a proposta do Papa: busca e discernimento (p. 291-294).
3) Marina Paula Oliveira à luz do atual pontificado examina quais são os desafios socioambientais a serem promovidos na evangelização/na dinâmica pastoral (p. 299-311). Observa que o papa Francisco nos convida, principalmente a partir de suas encíclicas, exortações e documento, a trilhar um caminho de conversão, em direção ao Reino de Deus. Esse caminho tem sido construído a partir de diferentes perspectivas pastoras, envolvendo temáticas variadas, que sempre apontam para o que a autora chama de “conversão” (p. 300), podendo-se identificar pelo menos cinco conversões fundamentais propostas por Francisco: 1) conversão eclesial, 2) conversão ecológica, 3) conversão econômica, 4) conversão cultural, 5) conversão pedagógica (p. 301-306). Em seguida, Oliveira a partir das motivações da Palavra de Deus e do Magistério de Francisco elenca dez desafios para o desenvolvimento de um trabalho pastoral que esteja atento às realidades socioambientais de nossos territórios: 1) promover o protagonismo dos leigos, com ênfase na atuação das mulheres, 2) fomentar o ecumenismo e a sinodalidade da Igreja, 3) lutar pelas políticas públicas como testemunho concreto pela opção pelos pobres, 4) valorizar as realidades locais, formando redes de comunidades, 5) fortalecer uma comunidade popular e libertadora, 6) promover a formação dos leigos com ênfase na catequese inicial e permanente, 7) defender um projeto de educação popular com foco nas novas gerações, 8) promover o diálogo entre liturgia e devoção popular, 9) construir e defender um projeto popular de sociedade, 10) compreender que a Igreja, enquanto Povo de Deus está em construção (p. 316-311).
4) Robson Sávio Reis dos Santos aborda a temática fé, política e cidadania como o campo de ação sociopolítica e pastoral (p. 313-336), fazendo três recortes: 1) o primeiro, um breve histórico do que vem a ser um amplo movimento eclesial denominado “fé e política”, que se identifica com uma ética cristã comprometida com valores de igualdade, justiça social, combate a todas as formas de preconceitos, descriminalização da politica no ambiente eclesial, inserção dos cristãos em vários âmbitos da atividade política, entre ações teórico-práticas (p. 314-324); 2) o segundo recorte é uma análise de como esse campo de fé e política está organizado no Brasil atualmente, considerando também, 3) quais são os desafios que a realidade sociopolítica contemporânea demanda nesse campo de ação protagonizado por leigos/as católicos/as atuantes em movimentos, grupos e outros movimentos sociais e eclesiais, as que conta também com a participação de religiosos e ministros ordenados (p. 325-336).
5) Ediméia Maria Ribeiro de Mello, em “A economia de Francisco e Clara: uma perspectiva para os tempos pós-pandemia?” (p. 337-361), pretende, a partir da leitura de publicações da Igreja católica e á luz de algumas interpretações das ciências econômicas, especialmente da economia política, contribuir para a compreensão desse movimento, contribuir para a compreensão desse movimento, que propõe correções profundas no padrão civilizatório implementado pela humanidade. Em primeiro lugar, a autora faz uma análise dos antecedentes dessa proposta, registrados ao longo do tempo desde o Concílio Vaticano II, que deliberou a aproximação da Igreja Católica da realidade social do mundo (p. 339-350). Em seguida, considerando a proposição papal de “realmar” (p. 338) a economia, o texto busca discutir as crises inerentes à economia capitalista hegemônica, para apresentar os clamores da terra e dos pobres aos quais se pretende acudir (p. 342-344). Mello conclui, apresentando as proposições do Papa Francisco de uma nova economia “realmada”, a economia de Francisco e de Clara, e sua contextualização no período de crise sanitária, que desvela valores de solidariedade e fraternidade (p. 350-361).
1) Edward Guimarães na busca de uma primeira leitura do 1º Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral (p. 365-371), faz notar que discernir, à luz do Espírito Santo, o que foi decisivo, os desafios e urgências, bem como as pistas que foram oferecidas neste evento não é uma tarefa fácil, uma vez que reclama, antes, maior escuta uns dos outros, processos dialógicos coletivos, com aquela sabedoria paciente dos artesãos que trabalham a pedra, a madeira, o barro (p. 365). Assim sendo, Guimarães enfatiza alguns elementos estruturantes, para posteriormente delinear os horizontes abertos pelo Congresso:
I) para a dimensão interna da igreja Católica: a) um primeiro elemento a nos desafiar, e que se situa no nível da conversão ao Evangelho do reino e à práxis de Jesus, seria o de concretizar a passagem de uma “fé ideia” para uma “fé que se faz concretamente relação” (p. 366-367); b) um segundo elemento a nos desafiar se situa no nível do discernimento dos sinais dos tempos: somos interpelados a nos comprometer com a ressignificação dos mecanismos já existentes e com a criação de mecanismos novos, em vista da concretização da sinodalidade na Igreja (p. 367-368), c) um terceiro elemento a nos desafiar se situa no nível do magistério, mas também no da própria teologia pastoral e da formação. Trata-se do compromisso coletivo de juntos, inspirados pelo magistério de Francisco e com os desafios de pensar novos caminhos para a Igreja na cidade, concretizarmos uma segunda recepção criativa do Concílio Vaticano II, uma espécie de “novo Medellín”(p. 368-369);
II) para a dimensão social e a presença pública da Igreja na sociedade: a) um primeiro grande desafio que emergiu forte foi o da necessidade urgente de reconhecer e promover a necessária solidariedade emergencial diante da grave crise sociopolítica, econômica, ambiental e religiosa, explicitada na longa pandemia da Covid-19 (p. 369-370), um segundo grande desafio via na mesma direção: trata-se de colocar-se ao lado e em defesa dos povos originários, que hoje estão entre as maiores vítimas da deteriorização das políticas públicas, dos órgãos de fiscalização e da responsabilidade social do estado (p. 370-371), um terceiro grande desafio é o de que, diante da desigualdade socioeconômica e seu lastro de exclusão e da hegemonia do capital financeiro neoliberal especulativo, urge retomar bandeiras como a da reforma agrária e do acesso à educação de qualidade para todos (p. 371).
2) Geraldo De Mori apresenta alguns horizontes pastorais do 1º Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral (p. 373-383).Salienta que as palavras: companhia, memória e profecia trazem algumas ideias para a releitura do que foi vivido no Congresso (p. 373). É companhia de fé, ou seja, o que a move enquanto discurso, é a inteligência da fé: o Congresso colocou a todos no coração do tempo presente, no qual a teologia pastoral busca ser presença da alegria do evangelho (p. 374). A teologia enquanto presença não só ausculta o lugar e o tempo e que se exerce sua função de presença de alegria do Evangelho, como também a respostas dos discípulos e discípulas de Cristo aos desafios que enfrentam para ser testemunhas de esperança, fé e amor e neste sentido, vários seminários, painéis e comunicações e experiências significativas mostraram as muitas facetas da presença eclesial no momento presente (p. 375-378). A teologia é também memória - o fazer memória, próprio da teologia, deve levar a inteligência da fé a se debruçar sobre as respostas que ela deu às grandes questões de cada tempo e de cada lugar. A teologia enquanto memória esteve presente no decorrer do Congresso, sobretudo como recordação da tradição teológica e eclesial latino-americana na perspectiva aberta pelo Concílio Vaticano II (p. 378-381). Enquanto profecia, essa dimensão responde á pergunta como fazer teologia hoje – e em termos de horizonte aberto pelo Congresso, duas questões parecem demandar hoje a profecia da igreja: 1) as ameaças à democracia do atual governo, com o apoio de muitos grupos que se dizem cristãos e católicos; 2) o fosso entre ricos e pobres, que a atual pandemia só fez aumentar. A opção preferencial pelos pobres, dita e redita de tantas maneiras em muitos textos eclesiais, precisa de novo sair do papel, deixar de ser apenas uma palavra, para tornar-se carne em ações e iniciativas concretas (p. 381-383).
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Certamente “a pastoral dá o que pensar” (p. 16) e os textos reunidos em Discernir a pastoral em tempos de crise: realidade, desafios, tarefas: contribuições do 1º Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral oferecem ao público em geral subsídios importantes para pensar e discernir a pastoral em nosso contexto atual marcado por profundas mudanças. Tendo-se em conta que “todo compromisso pastoral brota de um discernimento da realidade” (p. 46), os temas abordados por diferentes especialistas nesta coletânea colocam-nos diante de desafios que nos desinstalam, renovam e revigoram tanto a teologia como a ação evangelizadora. Por outro lado, as temáticas abrem inúmeras perspectivas pastorais.
Os horizontes são interpelantes... e, “neste sentido, vários dos seminários, painéis, comunicações e experiências significativas mostraram as muitas facetas da presença eclesial no momento presente: na animação bíblica da pastoral, nas paróquias, junto às juventude, ante os desafios socioambientais, na articulação entre fé e política, na iniciação á fé, no mundo do trabalho e da economia, nas periferias existenciais, com atenção especial aos moradores de rua e as populações LGBTQ+, na Amazônia, nas novas mídias digitais. Muito inspiradoras as reflexões e provocações trazidas nos espaços propostos pelo Congresso. Seguramente, as pistas apontadas e as experiências compartilhadas já apontam saídas para a crise na qual o Brasil está imerso. Alguns temas, como o dos novos ministérios e a mulher, o da pentecostalidade e mística, o da sinodalidade, merecem uma atenção muito maior no futuro” (p. 375).
Ao Prefaciar (p. 13-17) esta substanciosa obra – Francisco de Aquino Júnior ressalta que a fé/pastoral é constitutiva do estatuto teórico da teologia, ou seja, “enquanto intellectus fidei, a teologia é inseparável da fé. É o desenvolvimento da dimensão intelectual da fé que se dá tanto de modo simbólico-narrativo quanto de modo teórico-conceitual. É um esforço intelectivo de apreensão, explicitação e elaboração da fé. E um esforço que está a serviço da vivência e da eficácia da fé na comunidade eclesial e no conjunto da sociedade. De uma forma ou de outra, a teologia é inseparável da fé: é um momento da fé (dimensão intelectual) e está a serviço da fé (dimensão socioeclesial), tanto no que se refere à vivência pessoal e cotidiana da fé quanto no que se refere à ação pastoral-evangelizadora da Igreja” (p. 13).
Nesta perspectiva “a teologia é um serviço à Igreja é um serviço à Igreja e a Igreja existe para evangelizar. Por isso, ela deve ser uma Teologia pastoral. Mais do que a academia, seu lugar são os espaços, os processos eclesiais. Sem esse chão eclesial, ela perde seu sentido (...). Portanto, a teologia pastoral busca entender o presente no qual vivem e agem os que creem em Jesus Cristo, para que suas vidas correspondam ao que dizem ser” (p. 374).
Somos gratos ao Grupo de Pesquisa “Teologia e Pastoral” que reúne pesquisadores /as e estudantes da FAJE, PUC-Minas, ISTA, Centro Loyola e outras instituições de ensino e pesquisa em Teologia no Brasil pela organização do Congresso, aos autores e autoras que produziram seus textos a partir de suas conferências e ao Pe. Geraldo De Mori pela organização desta obra que em muito contribuirá para a reflexão teológica e pastoral: “que o conteúdo aqui proposto ajude a Igreja a ‘discernir’ sua ‘pastoral’ em ‘tempos de crise’” (p. 23), e, além disso, “que estas reflexões ajudem nossa Igreja a sentir e a enfrentar os dramas e desafios de nossa sociedade, discernindo os ‘sinais dos tempos’, ungindo as feridas, consolando os aflitos, socorrendo os necessitados, reafirmando a dignidade fundamental de todo ser humano, denunciando injustiças e preconceitos, participando das lutas populares por direitos, cuidando da nossa casa comum, alimentando uma esperança ativa e militante. Que elas desinstalem, renovem e revigorem nossa teologia em um movimento constante de ‘saída para as periferias’ sociais, existenciais e religiosas, assumindo, a seu modo e com os meios que lhes são próprios, a missão comum de toda a Igreja, que é ‘anunciar e tornar presente o Reino de Deus no mundo’. Os pobres e marginalizados deste mundo são, nele, senhores e juízes de nossa pastoral e de nossa teologia” (p. 17).