Ambientalistas chamam proposta que permite criação de gado em áreas protegidas de “autorização legal” para degradação do Pantanal. Entenda tudo o que muda para o bioma.
A reportagem é de Michael Esquer, publicada por ((o)) eco, 15-07-2022.
A Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) aprovou, na terça-feira (12), o Projeto de Lei (PL) nº 561/2022, que altera e flexibiliza a Lei nº 8.830/2008 – também conhecida como a Lei do Pantanal. Especialistas e ambientalistas criticam a ausência de consulta pública e estudos aprofundados sobre os possíveis impactos das mudanças ao bioma. Foram 22 votos a favor e dois contra o PL.
Na Casa de Leis, a redação final da matéria também foi aprovada no mesmo dia. A próxima etapa, agora, consiste na sanção da proposta pelo governador do estado, Mauro Mendes (União Brasil-MT), o que muito provavelmente deve ocorrer, uma vez que a proposta foi elaborada com a colaboração da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT).
Em carta publicada nesta quarta-feira (13), o Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad) e outras 41 organizações socioambientais publicaram uma nota de repúdio contra o projeto. O texto afirmou que o PL aprovado representa a “autorização legal” da degradação do bioma pantaneiro.
Extensão do Pantanal (Foto: P199 | Wikimedia Commons)
“O projeto tramitou e foi aprovado em 1ª votação sem qualquer diálogo com as comunidades tradicionais pantaneiras, quilombolas, indígenas e ribeirinhos. Apenas os pecuaristas foram convidados a participar das discussões”, disse ao ((o))eco o deputado Lúdio Cabral (PT-MT), único parlamentar a votar contra a matéria em todas as votações. Na terça (12), o plenário da ALMT rejeitou as 12 emendas em destaque de Cabral, que anteriormente já tinham sido rejeitadas pelas comissões de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Minerais e de Constituição, Justiça e Redação da Casa de Leis.
A proposta é de autoria da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Minerais da ALMT. O presidente da comissão, Carlos Avalone (PSDB-MT), notadamente um dos parlamentares mais empenhados na aprovação do texto, por sua vez, afirma que a matéria tem o único objetivo de conduzir o pantaneiro de volta às atividades propostas na matéria. “Na 561, nós estamos discutindo a volta do pantaneiro para a pecuária extensiva e o ecoturismo e o turismo rural, só isso”.
Ao ((o))eco, Edilene Fernandes do Amaral, consultora jurídica e de articulação do Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT) – organização que fiscaliza políticas públicas do estado na área ambiental – disse que o projeto apresentou falhas em sua condução. Entre elas, por exemplo, a ausência de consulta livre prévia e informada, conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a carência de apresentação de estudos que embasassem todas as modificações propostas.
“Não era o resultado que esperávamos. A gente queria estudos mais aprofundados do texto e que a participação da sociedade fosse ampliada. Consideramos uma falha não ter havido consulta às populações tradicionais e povos indígenas. Atropelaram o regimento, votaram emendas em uma reunião da Comissão de Meio Ambiente que nem entrou na agenda oficial da ALMT”, comentou Amaral.
Entre as mudanças propostas pelo PL estão, por exemplo, a permissão para criação de gado, restauração de pastagem nativa, ecoturismo e turismo rural em áreas protegidas do bioma. Além disso, a matéria permite o uso de forma intensiva ou em larga escala das áreas de preservação permanente (APPs), conversão de até 40% da área de propriedades rurais para o plantio de pastagem exótica (alimento para gado) e autoriza atividades de “interesse social” na planície alagável da Bacia do Alto Paraguai (BAP) em território mato-grossense.
((o))eco conversou com Leonardo Gomes, Diretor de Estratégia da SOS Pantanal, organização que integra o Observatório Pantanal – coalizão composta por 43 instituições socioambientais atuantes na Bacia do Alto Paraguai (BAP) no Brasil, Bolívia e Paraguai. Gomes disse que a pressão contra a proposta refletiu em aprimoramentos no texto do projeto, em comparação com a sua versão inicial. “Meu posicionamento está em contenção de danos. Eu acho que diante do que era a primeira proposta, deu uma melhorada”.
Em seu texto inicial, o PL permitia a instalação de obras e empreendimentos de infraestrutura e abastecimento para atividades de turismo e pecuária extensiva, sem especificar que obras seriam essas. A última emenda, apresentada pela própria Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Minerais, substituiu a permissão para “instalação de obras e atividades de utilidade pública, interesse social e aquelas com finalidade de permitir ações preventivas e de combate a incêndios florestais”.
Ele também enfatizou a importância da inserção do limite de 40% para a limpeza de vegetação nativa e implantação de pastagem cultivada exótica (alimento para gado) nas áreas de propriedades rurais da planície alagável da BAP, mesmo que a Embrapa tenha indicado a possibilidade de um limite menor.
Além dessas mudanças, a matéria traz, originalmente, alguns pontos que são considerados positivos pela SOS Pantanal. Entre eles, está, por exemplo, a vedação à cultura de larga escala na planície alagável da BAP, como a cana e a soja. Apesar da Lei do Pantanal restringir o uso, Leonardo vê a proibição explícita da proposta como um aspecto positivo.
Em sua versão inicial, o projeto vetava a instalação e funcionamento de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), de usinas de álcool e açúcar, carvoarias e mineração, mas apenas para aquelas atividades que dependiam de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), o que permitia a liberação dos demais empreendimentos onde não houvesse necessidade dos documentos citados.
Com a última emenda, isso também mudou. O PL continuou proibindo as atividades, mas suprimiu a possibilidade de liberação de obras sem necessidade de EIA/RIMA. Ao mesmo tempo, porém, a matéria abriu uma exceção para atividades de “interesse social”, como pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente.
“Com a pressão, os deputados tiveram que se dedicar mais ao texto e apresentar reformulações. Agora, diante de alguns pontos que inspiram alerta quanto à proteção do bioma, suas populações e biodiversidade, o caminho é o de tentar sensibilizar o governador Mauro Mendes. E em último caso, buscar discussão judicial daquilo que não atende às regras do controle de constitucionalidade e de legalidade”, complementou a consultora da Observa-MT.
Entenda o que muda na Lei do Pantanal mato-grossense:
Como era:
A Lei do Pantanal não falava do assunto.
Como fica:
A nova redação permite na BAP, onde haja pastagem nativa (que também serve de alimento para o gado), o acesso e uso de área de reserva legal e APPs para a pecuária extensiva e a restauração de pastagem nativa, desde que não sejam gramíneas exóticas – espécies não nativas, que ameaçam a conservação da biodiversidade, espécies da flora nativa e o funcionamento dos ecossistemas.
Apesar da permissão, a pecuária extensiva nessas áreas sempre ocorreu, segundo a SOS Pantanal. O custo para a instalação de cercas em fazendas com áreas de reserva legal e APPs, explicou, seria muito alto. Na prática, a vegetação nativa é que acaba limitando a ação do gado. Com a permissão explícita, no entanto, a prática deveria apresentar restrições.
“Dava pra fazer mais detalhamentos na lei sobre isso. Por exemplo, a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] fala sobre épocas específicas, em que isso é mais recomendável”, comentou o Diretor de Estratégia da organização. A recomendação a qual Leonardo se refere consta em estudo encomendado pelos autores do PL, mas não está na nova redação da lei.
Quanto à restauração da pastagem nativa em área de reserva legal e APPs, a SOS Pantanal enfatizou que esta é uma possível preocupação. O motivo, conforme a organização, deve-se ao fato de que, às vezes, a gramínea nativa pode dar espaço a uma espécie arbustiva e, consequentemente, a uma mata. A restauração da pastagem quebra essa sucessão ecológica.
O estudo da Embrapa, por sua vez, não recomenda a restauração de pastagem nativa nas reservas legais e APPs. Walfrido Moraes Tomas, um dos pesquisadores que assinam a pesquisa da instituição, no entanto, aponta que a indicação não é um problema porque o estudo também indicou o manejo de biomassa, o que, segundo ele, é a mesma coisa. O objetivo seria a prevenção contra condições incendiárias.
“Quando o Pantanal passa por períodos mais secos, algumas espécies arbóreas e arbustivas começam a colonizar os campos, que geralmente são inundáveis, até que um período de cheias mais duradouras ocorra e mate estas árvores […] manejar essa porção mais dinâmica da vegetação não é problema, já que as florestas e cerrados estáveis devem ser mantidos”, argumentou Tomas sobre o risco da quebra de sucessão ecológica.
Como era:
A Lei do Pantanal trazia na legislação estadual de Mato Grosso sete categorias de áreas que são consideradas de conservação permanente na BAP e reservava a apenas uma delas, os campos inundáveis, o acesso e uso para a pecuária extensiva.
Como fica:
Com a nova redação, a permissão é expandida para todas as áreas de conservação permanente da BAP. Além disso, as atividades turísticas são substituídas pelos termos “ecoturismo” e “turismo rural” e recebem a mesma autorização (antes era permitido apenas em diques marginais naturais e nos capões de mato e murundus).
Conforme o projeto aprovado, tanto as atividades de ecoturismo e turismo rural estão sujeitas ao licenciamento pelo órgão ambiental, sendo vedadas aquelas que impeçam o fluxo de água.
Segundo a SOS Pantanal, não se tem um dimensionamento do que sejam essas atividades turísticas, podendo ser grandes empreendimentos turísticos com alto potencial de impacto ao bioma. “É um risco. Alguém pode querer fazer uma baita estrutura, decks grandes na beira de baías e rios”, alertou Leonardo.
Como era:
A Lei do Pantanal define na legislação estadual do Mato Grosso o conceito de Área de Conservação Permanente na Planície Alagável da BAP e proíbe a sua alteração ou utilização de forma intensiva ou em larga escala.
Como fica:
A nova redação retira essa proibição.
Como era:
A Lei do Pantanal define os objetivos da Política Estadual de Gestão e Proteção à BAP em Mato Grosso. Sendo eles: “promover a preservação e conservação dos bens ambientais, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental, visando assegurar a manutenção da sustentabilidade e o bem-estar da população envolvida, atendidos os seguintes princípios”.
Como fica:
A nova redação inclui entre os objetivos do trecho os aspectos “social e econômico”.
Como era:
A Lei do Pantanal define que são consideradas APPs da Planície Alagável da BAP as florestas e demais formas de vegetação situadas às margens dos cursos d’água, perenes, intermitentes e/ou efêmeros, inclusive nos corixos, conforme limites estabelecidos no Código Ambiental do Estado de Mato Grosso, e, também, no entorno de baías, lagos e lagoas, em uma faixa marginal de 100 metros.
Como fica:
A nova redação remove da categoria de APPs as florestas e demais formas de vegetação situadas às margens dos cursos d’água efêmeros. A delimitação da faixa de 100 metros das florestas e demais formas de vegetação situadas no entorno de baías, lagos e lagoas também é suprimida e transferida ao Código Florestal.
O projeto também retira do Código Ambiental do Estado de Mato Grosso a competência sobre a limitação da faixa marginal das florestas e demais formas de vegetação situadas às margens dos cursos d’água perenes e intermitentes na planície alagável da BAP em Mato Grosso. Com isso, a regra que valerá será a definida pelo Código Florestal de 2012.
A transferência de atribuição de competência quanto a delimitação da faixa marginal do Código Estadual para o Código Florestal abre a possibilidade de diminuição de APPs em beira de rios e lagoas, em alguns casos, de 100 metros para até 15 metros, segundo a SOS Pantanal.
Como era:
A Lei do Pantanal proíbe na Planície Alagável da BAP a instalação e funcionamento de atividades de médio e alto grau de poluição e/ou degradação ambiental, tais como: plantio de cana, implantação de usinas de álcool e açúcar, carvoarias, abatedouros e outras atividades de médio e alto grau de poluição e ou degradação.
Como fica:
A nova redação suprime o trecho que menciona “atividades de médio e alto grau de poluição e/ou degradante”, e veda, explicitamente, apenas o plantio de culturas em larga escala, como por exemplo de cana e soja, sem a especificação do que pode ser considerado como larga escala. Ainda é retirado da lei a proibição de abatedouros.
No entanto, o restante das proibições são realocadas em um novo dispositivo da lei, que acrescenta o veto à instalação e funcionamento de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), de usinas de álcool e açúcar, carvoarias e mineração. O texto, porém, abre exceção para atividades de “interesse social” como pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente, conforme o Código Florestal (Lei 12.651/2012).
Como era:
A Lei do Pantanal não falava sobre o assunto.
Como fica:
A nova redação proíbe a pecuária intensiva – conhecido como sistema de confinamento e semiconfinamento, em que se cria um maior número de animais em uma menor área.
Como era:
A Lei do Pantanal não falava sobre o assunto.
Como fica:
A nova redação permite, na planície inundável do Pantanal, a implantação das pastagens cultivadas exóticas (alimento para gado) em um limite máximo de 40% da área da propriedade rural. O objetivo, segundo o texto, é garantir a manutenção da heterogeneidade ambiental e da funcionalidade nas paisagens pantaneiras.
Para a SOS Pantanal, essa definição abre brecha para a conversão de pastagem nativa para exótica também em áreas de reserva legal e APPs, o que é proibido. Isso porque as propriedades rurais possuem tanto áreas de conservação permanente, que abrange todo o Pantanal, quanto áreas de reserva legal e APPs.
Como era:
A Lei do Pantanal determina que qualquer empreendimento ou atividade localizado na Planície Alagável da BAP e em faixa marginal de 10 quilômetros, são obrigados a submissão de vistoria prévia presencial do órgão ambiental, antes da conclusão do licenciamento.
Como fica:
A nova redação determina que a conclusão de análise dos empreendimentos deve ser feita com base nos dados contidos no licenciamento e nas plataformas geoespaciais disponíveis. A vistoria prévia presencial, por sua vez, fica destinada apenas nos casos em que os dados forem insuficientes.
Como era:
A Lei do Pantanal permite a limpeza de pastagem, para fins de pecuária extensiva, e estabelece uma lista de dez espécies que podem ser suprimidas. Além disso, também proíbe a limpeza de pastagem em capões, cordilheiras, diques marginais naturais e matas ciliares.
Como fica:
A nova redação mantém a permissão de limpeza de pastagem para fins de pecuária extensiva, porém, retira a lista das espécies que podem ser suprimidas, condicionando ao órgão ambiental a autorização do procedimento. O novo texto mantém o veto a limpeza de pastagem em capões, cordilheiras, diques marginais naturais e matas ciliares, mas apenas em casos de restauração campestre.
Segundo a SOS Pantanal, a ausência da lista de espécies permitidas para remoção é ruim, porque transfere à Sema-MT atribuição que já era legislada na própria lei.
“Antes existia uma lista, agora não tem mais lista. [O PL] fala que precisa ser autorizado pela Sema-MT. A Sema-MT que vai avaliar o que pode ser feito, o que que pode ser suprimido, ou não. […] Tem várias coisas que eles não foram específicas e vai ter que ser regulamentado, ou vai ter que ter uma avaliação caso a caso, o que é bem ruim ”.
Esta recomendação, do que pode ou não ser suprimido, também foi feita aos autores do PL em estudo técnico realizado pela Embrapa Pantanal, mas, ainda assim, não consta no texto da matéria aprovada.
Como era:
A Lei do Pantanal estabelece o nível mais alto dos rios e demais cursos d’água como o referencial para a definição das faixas marginais de preservação permanente. Define ainda que o nível dos rios e demais cursos d’água, para fins de delimitação de Área de Preservação Permanente na Planície Alagável, deve ser medido durante o período sazonal de seca.
Como fica:
Com a nova redação, os dois dispositivos que especificam esse procedimento foram removidos.
O PL nº 561/2022 foi apresentado à ALMT no dia 1º de junho e foi aprovado menos de dois meses depois, nesta terça-feira (12). O motivo da tramitação “relâmpago” foi a dispensa de pauta, à qual o projeto foi submetido. Esta condição de tramitação reduz de “tempo indeterminado” para no máximo três meses a aprovação pela Casa de Leis e sanção pelo governador, neste caso, Mauro Mendes (União Brasil-MT).
No total, a matéria recebeu 16 emendas, das quais apenas três foram acatadas pelas comissões da ALMT, sendo duas de autoria da própria Comissão de Meio Ambiente e Recursos Hídricos e Minerais. Entre as que foram rejeitadas, 12 são do deputado estadual Lúdio Cabral (PT-MT). Em meio às denúncias de ausência de consulta pública, o deputado também convocou uma audiência, que foi realizada um dia depois da proposta ter sido aprovada em primeira votação.
“Eu me surpreendi com a velocidade com que analisaram as 12 emendas que apresentei, e em poucos minutos, durante a sessão no plenário, já emitiram parecer contrário a todas elas.”, contou o parlamentar. Não fossem os seus pedidos de vista, a proposta teria sido aprovada há duas semanas atrás.
A ausência de detalhamento em algumas das mudanças do projeto é algo ruim no texto aprovado, aponta a SOS Pantanal. “Eu acho que vai ter muita coisa no nível estadual, para regulamentação na mão da Sema-MT. Isso preocupa, mas, enfim, a gente vai ter que ir acompanhando, não tem outro jeito”, comentou o Diretor de Estratégia da organização.
Um exemplo disso, ele conta, é a licença para instalação de obras e atividades de utilidade pública. “Tem várias coisas em que eles não foram específicos, que vai ter que ser regulamentado, ou vai ter que ter uma avaliação caso a caso, o que é bem ruim”.
Leonardo também apontou como negativo a possibilidade de redução das APPs em beira de rios e lagoas, em alguns casos de 100 metros para até 15 metros, na planície alagável da BAP. Isso por conta da retirada do Código Ambiental do Estado de Mato Grosso a competência sobre essa limitação. Com isso, a regra que valerá será a definida pelo Código Florestal de 2012.
O PL nº 561/2022 foi elaborado tendo como base um estudo técnico realizado pela Embrapa Pantanal – fruto de um termo de cooperação técnica firmado entre a instituição, ALMT e Sema-MT. Em várias ocasiões, a Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Minerais argumentou que o conteúdo do documento respalda as atualizações propostas pelo projeto. Em suas notas técnicas, a instituição, no entanto, atendeu apenas demandas relativas à pecuária sustentável no Pantanal mato-grossense e não abordou, por exemplo, as atividades turísticas, também propostas pela matéria.
Esse uso do conteúdo da análise pela Comissão foi alvo de críticas de ambientalistas, que reforçaram que o conteúdo embasou apenas alguns pontos da proposta, mas não todos. Além disso, nem todas as recomendações do documento foram absorvidas pelo PL. Nas sugestões indicadas nas notas técnicas, a Embrapa estabeleceu que nas áreas de reserva legal com pastagem nativa o uso e acesso pelo gado deveria ocorrer de forma temporária, por no máximo três meses, após o período de chuvas. A permissão foi inserida na matéria, mas a limitação não.
O estudo também estabeleceu critérios para manter a diversidade da paisagem nas áreas autorizadas para limpeza de vegetação. Entre eles, o estabelecimento de um limite entre 30%-40% nas áreas de propriedades rurais na planície inundável do Pantanal para a limpeza de vegetação nativa e implantação de pastagem cultivada exótica (alimento para gado). A permissão para a conversão da pastagem foi inserida na proposta, mas a limitação, inicialmente, não. Após pressão, uma emenda do autor da proposta inseriu o limite maior, de 40%.
A Embrapa Pantanal também recomendou que fossem considerados os corredores de biodiversidade da planície, para a permissão do seu uso pecuário. O mecanismo garante a conectividade das paisagens e atende um dos preceitos fundamentais da conservação. As notas técnicas propuseram um mapa de corredores bem como as orientações necessárias à sua conservação. A recomendação não consta no projeto de lei aprovado.
“Está havendo um certo mal-entendido aqui. O que está proposto é que as áreas de reserva legal e APPs, que contenham campos nativos e cerrados abertos, devem ser manejadas para evitar acúmulo de biomassa. Isso é relevante porque este acúmulo de biomassa é combustível para incêndios catastróficos”, explicou ao ((o))eco Walfrido Moraes Tomas, da Embrapa Pantanal.
Segundo Tomas, a redução da biomassa vegetal como estratégia para evitar incêndios catastróficos é uma questão discutida no mundo todo. Ele, no entanto, esclarece que deve haver critérios para este manejo, o que foi apresentado no estudo que participou.
“Para a manutenção dos campos nativos, definiu-se o que não é passível de manejo (áreas florestais, por exemplo), bem como as espécies passíveis de controle e algumas situações de paisagem onde esta prática pode ser efetuada para recuperar as áreas de campo nativo já perdidas pelo avanço da vegetação lenhosa”.
Estas especificações, recomendadas no estudo da Embrapa, não constam no PL recém aprovado. O pesquisador disse que isso se deve a “questões técnicas de natureza jurídica e legislativa”, mas entende que os detalhes devem vir na regulamentação dos artigos da Lei do Pantanal na forma de decretos.
(Foto: Leandro de Almeida Luciano | Wikimedia Commons)
“Uma das formas de manejar a biomassa vegetal é através do pastoreio, mas só e somente se as reservas legais ou áreas de preservação permanente contiverem áreas de campo, situação bastante comum no Pantanal”, explicou. O cientista citou como exemplo de manejo a utilização prescrita do fogo para salvar sequoias na Califórnia. E também mencionou unidades de conservação públicas e privadas que, segundo ele, têm adotado a prática com o mesmo objetivo: impedir incêndios catastróficos.
O pesquisador comentou que o Pantanal, em específico, por ser uma savana, também depende do fogo para a manutenção da biodiversidade e políticas de fogo zero são “equivocadas” porque resultam no acúmulo de biomassa e, na consequente, possibilidade de incêndios com impactos altamente negativos para o meio ambiente. “Seria incongruente impedir que as propriedades privadas do Pantanal, que cobrem 95% do Bioma, adotem esta forma de manejo mesmo em áreas como APP e Reserva Legal”.
Tomas enfatizou que é importante lembrar que o que se conhece do Pantanal sob o uso pecuário extensivo existe há mais de dois séculos. Isso indica a possibilidade de compatibilizar esta forma de uso do bioma com a conservação, esclareceu o pesquisador. “Nestas condições, é preciso oferecer soluções à sociedade que sejam viáveis, e que resultem num equilíbrio entre atividade econômica e a conservação”, finalizou.