09 Julho 2022
Condenado pela 3ª vez em júri popular, ruralista Marcos Prochet tentou novamente recorrer a decisão.
A reportagem é publicada por Brasil de Fato, 07-07-2022.
A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) decidiu, nesta quinta-feira (7), não acolher o recurso de apelação interposto pela defesa do ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) do Paraná, Marcos Prochet, acusado do assassinato do trabalhador rural sem terra Sebastião Camargo, morto em 1998, em Marilena (PR).
O julgamento do recurso foi iniciado no dia 02 de junho e encerrado nesta quinta-feira. O desembargador Nilson Mizuta acompanhou o voto do desembargador relator, Adalberto Jorge Xisto Pereira, pelo não acolhimento do recurso ao reconhecerem que não houve nulidade na realização do último julgamento.
“Foi uma grande batalha para que houvesse esta condenação. Neste sentido, o sentimento dos camponeses e camponesas que tem o trabalhador rural Sebastião Camargo como uma referência na luta pela terra, nosso sentimento é de que esta condenação seja uma justiça pelo seu nome, pela memória e pela luta pela reforma agrária”, destacou a coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-PR).
No dia 24 de junho de 2021, o júri popular reconheceu, novamente, Marcos Prochet como autor do disparo que vitimou o trabalhador rural em 1998 e condenou o ruralista a 14 anos e três meses de prisão. A condenação é a terceira feita por júri popular contra Prochet. Outros júris de mesmo julgamento ocorreram em 2013 e 2016. No entanto, as duas condenações foram anuladas pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
Em reação à terceira condenação, novamente a defesa do ruralista protocolou, em janeiro deste ano, um recurso de apelação pela anulação da sentença, com a alegação de que se uma vez foi anulada, a condenação deveria ser anulada outra vez. Em manifestação, o Ministério Público do Paraná e a assistência de acusação enfatizaram a soberania da decisão do júri popular e os limites da defesa em recorrer reincidentemente sobre a condenação.
Durante julgamento do recurso de apelação, o advogado da assistência de acusação destacou ainda que a decisão do conselho de sentença (júri) não pode ser desfeita sempre que o resultado desagradar a uma das partes. “No mérito, o júri já julgou três vezes o caso, pela condenação. A defesa busca apelação até que o veredito seja de agrado”, afirmou.
Além de enfatizar que o réu foi condenado em três júris populares e o que crime tem cinco testemunhas, que afirmaram categoricamente em seus depoimentos que Marcos Prochet estava no local da desocupação e atirou em Sebastião Camargo, o Ministério Público destacou também que o Código de Processo Penal proíbe expressamente um novo recurso de apelação com os mesmos fundamentos de uma apelação já realizada. Ou seja, novamente o questionamento das provas e testemunhas, pela defesa de Prochet.
“Apesar do esforço da defesa, a materialidade delitiva [provas do crime] é certa e não há discussão a respeito. Com relação à autoria, esta também é certa e recai sobre a pessoa do Apelante [Marcos Prochet], uma vez que as provas são uníssonas quanto a sua responsabilidade na conduta criminosa, como fora demonstrado em Plenário”, enfatizou o MP em resposta à apelação.
“O requisito para cabimento da apelação exige o respeito ao direito fundamental que é a soberania do júri e, sobretudo, da impossibilidade de recorrer de um veredicto do júri, pelo menos, por mais de uma vez”, pontuou a acusação, complementando manifestação do Ministério Público.
A assistência de acusação ainda enfatizou a espera da família pela responsabilização dos envolvidos no assassinato do trabalhador rural. E o quanto os sequenciais recursos têm gerado desgaste.
“O júri condenou não por uma, não por duas, mas por três vezes de um crime bárbaro ocorrido há quase três décadas. Cabe lembrar que o limite do direito exige que, em algum ponto, se faça justiça. Tanto trabalho, tantas pessoas e a espera incansável de anos para a família ver a justiça, a decisão está inequivocamente e constitucionalmente amparada do nosso lado”, apontou o representante da família no processo.
Sebastião Camargo foi morto aos 65 anos, com um tiro na cabeça. O crime ocorreu no dia 7 de fevereiro de 1998, durante um despejo ilegal em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) na Fazenda Boa Sorte, em Marilena, cidade no Noroeste do Paraná. Na área residiam 300 famílias. Além do assassinato de Camargo, 17 pessoas - inclusive crianças - ficaram feridas na ocasião.
A área ocupada pelas famílias já estava em processo de destinação para reforma agrária. Vistoriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a fazenda foi considerada improdutiva, por isso estava em processo de desapropriação e indenização do proprietário. Teissin Tina, dono da Fazenda, recebeu cerca de R$ 1 milhão e 300 mil pela propriedade, área onde hoje está localizado o Assentamento Sebastião Camargo, em homenagem ao trabalhador assassinado.O agricultor deixou esposa e cinco filhos.
Com quase 24 anos do assassinato do trabalhador, o processo é marcado pela lentidão do sistema de justiça, recorrentes adiamentos do julgamento e violação da decisão soberana do júri popular. Mesmo para o julgamento do recurso de apelação protocolado pela defesa, no dia 02 de junho, a defesa de Marcos Prochet requereu um novo adiamento. No entanto, o pedido foi recusado pelo desembargador relator. Ainda cabe recurso da defesa de Prochet.
Durante o julgamento em 2021, a promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná destacou como o caso se apresenta como singular na justiça brasileira: por ter tido dois júris populares anulados; pela duração de 23 anos do processo [naquele ano] e pela responsabilização do Estado brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2009, em razão da lentidão e não responsabilização dos envolvidos pelo sistema de justiça brasileiro.
O ex-presidente da UDR – associação de proprietários rurais voltada à “defesa do direito de propriedade” – é a quarta pessoa a ir a júri popular pelo assassinato de Sebastião Camargo. Teissin Tina recebeu condenação de seis anos de prisão por homicídio simples, no entanto não foi preso porque a pena prescreveu. Osnir Sanches foi condenado a 13 anos de prisão por homicídio qualificado e constituição de empresa de segurança privada, utilizada para recrutar jagunços e executar despejos ilegais. Ele cumpre prisão domiciliar, por questões de saúde. Augusto Barbosa da Costa, integrante da milícia privada, também foi condenado, mas recorreu da decisão.
Denunciado apenas em 2013, o ruralista Tarcísio Barbosa de Souza, presidente da Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), ligada à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), também foi apontado como envolvido no crime, mas a decisão judicial que determinava o julgamento de Tarcísio por júri popular foi anulada em 2019.
No período em que o Paraná foi governado por Jaime Lerner (antigo DEM), o estado registrou, além dos 16 assassinatos de Sem Terra, 516 prisões arbitrárias, 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, 325 feridos em 134 ações de despejo e 7 casos de tortura, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Uma característica em comum nestes casos é a demora injustificada e falta de isenção nas investigações e processos judiciais. Exemplo disso, o Inquérito Policial que investigou o assassinato de Camargo demorou mais de dois anos para ser concluído e o primeiro júri no caso foi realizado 14 anos depois do crime.
Em apenas dois dos 16 casos houve condenação: em 2011, Jair Firmino Borracha foi condenado pelo assassinato de Eduardo Anghinoni; em 2012, 2013 e 2014, respectivamente, Teissin Tina, Osnir Sanches, Marcos Prochet e Augusto Barbosa foram condenados pela morte de Sebastião Camargo. Até o momento, porém, nenhum deles foi preso.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Tribunal reafirma condenação de ex-presidente da UDR por assassinato de sem-terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU