07 Julho 2022
Segundo cientista, mesmo que os investimentos voltem, vai demorar de dois a três anos para órgão de pesquisa se recompor.
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o))eco, 05-07-2022.
Para defender a Ciência, Ricardo Galvão não mede as palavras. Tanto é que o pesquisador foi exonerado da direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) depois de rebater com declarações calorosas as tentativas do presidente Jair Bolsonaro em desqualificar os dados de desmatamento medidos pelo órgão.
Os ataques do alto escalão de Brasília tiveram efeito contrário. Não só sobre o trabalho do Instituto, mas também na vida pessoal de Ricardo Galvão. A partir da repercussão da fala do pesquisador, ainda em 2019, os olhos do Brasil e do mundo se voltaram ainda mais para a Amazônia.
Ricardo Galvão, por sua vez, ficou conhecido internacionalmente por sua defesa da Ciência e contra os ataques de Bolsonaro. Tanto é que, em seu extenso currículo – o Lattes do pesquisador tem 20 páginas –, somou-se a indicação da revista científica Nature como a primeira das dez personalidades mais importantes para a Ciência naquele ano de 2019.
Pelas mesmas razões, em 2021, o professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo recebeu da Associação Americana para o Avanço da Ciência o Prêmio da Liberdade e Responsabilidade Científica.
No último sábado (3), em visita à cidade que é sede do INPE, São José dos Campos, Ricardo Magnus Osório Galvão voltou a soltar o verbo. Desta vez sobre ciência e políticas públicas no atual cenário de negacionismo em que vivemos.
Atualmente, Galvão é pré-candidato a deputado federal no estado de São Paulo pelo partido Rede Sustentabilidade.
((o))eco destacou as principais falas de Galvão no evento, confira:
“O Bolsonaro é um louco, e a primeira coisa que aprendi na minha terra, em Itajubá, é que não se bate palma para um louco dançar. Na minha opinião ele é maluco, completamente perturbado.”
“Quando o Bolsonaro fez as declarações [sobre os dados do INPE serem mentirosos], eu estava em Caraguatatuba e minha família estava muito preocupada, mas como eu não tinha redes sociais, não estava acompanhando muito. Então eu recebi o telefonema de uma funcionária do Ministério [de Ciência e Tecnologia]. Ela disse, chorando: “Professor, eu quero lhe dizer uma coisa, eu acabo de sair de uma reunião, eles montaram um grupo, inclusive com pessoas da área de Inteligência do governo, e estão fazendo um levantamento de toda sua vida para saber, pra ver as coisas que você fez de errado, para forçar o senhor a vir para Brasília se demitir. E quero dizer que tanto o seu telefone quanto seu e-mail estão grampeados”.
“O desmatamento começou a crescer nos governos Dilma e Temer, mas nenhum deles, mesmo nas vezes que tivemos ataques ao INPE, nenhum deles teve uma política negacionista como esse governo. Eles tinham dúvidas, mas nenhum tentou destruir o que estava sendo feito.”
“O governo reagiu ao aumento do desmatamento criando aquela Câmara [Consultiva] para qualificar os resultados do desmatamento, dizendo se é legal ou ilegal. Completamente desnecessária. É claro que não posso fazer acusações vãs, mas o que suspeitamos é claro: nós temos eleições em 22 de outubro. Se eles criam a Câmara, conseguem segurar os dados [anuais do desmatamento] e eles não saem antes das eleições. É quase óbvio”.
“Uma coisa que me machucou muito, eu até chorei quando vi, não sei se vocês se lembram quando o Bolsonaro falou que pela primeira vez no país tinha um Ministro de Ciência e Tecnologia que sabia a diferença entre gravidez e gravidade. Sabendo que tivemos como ministros Sérgio Rezende [2005-2010], Marco Antonio Raupp [2012-2014], José Israel Vargas [1992-1999], Renato Arsher [1985-1987]. Como é que um sujeito ignorante pode atacar gente como essa. E sabemos o que o atual ministro fez, ele entra na classificação de pusilânime certamente.”
“Nós temos que derrubar muito mais do que o Bolsonaro. Temos que derrubar o bolsonarismo e todo negacionismo”.
“Estive no INPE há três semanas e a situação está muito triste. Não é só a questão da pandemia, em que as pessoas não vão. O INPE está abandonado. Tenho até pena do atual diretor [Clézio De Nardin] porque não tem recurso suficiente nem para manutenção e isso é muito preocupante. O INPE é uma instituição que sempre prestou excelente serviço para o país, de enorme prestígio internacional, e as pessoas mais jovens vão acabar não vendo mais futuro no Instituto.”
“A redução do orçamento do INPE é vergonhosa, o Instituto está com um orçamento que é cerca de metade do que tinha há dez anos. Mas não só em relação ao orçamento, a redução no quadro de pessoal, que já vinha decaindo, decaiu ainda mais nos últimos anos e aconteceu a destruição dos programas que o INPE tinha. No passado nós tivemos flutuações de orçamento, isso é normal, dependendo da evolução da economia, mas o INPE tinha, quando eu ainda estava lá, toda uma programação para o Programa Espacial Brasileiro. Tínhamos satélites de colaboração com a China [Programa CBERS] e também o projeto do Amazônia 2, que é muito importante não só para o INPE, mas também para toda a indústria aeroespacial brasileira. Esse programa foi cortado pelo governo, a colaboração com a China foi parada, e os recursos do satélite Amazônia 2 não foram aprovados.”
“Não gostei de uma declaração do atual diretor, Clezio De Nardin, em uma entrevista à Folha de S.Paulo, dizendo que tudo continuava bem. Isso não é verdade. Lamento que ele tenha dito isso, talvez para agradar ao governo.”
“Eu espero que tenhamos um novo horizonte no raiar do próximo ano. O INPE tem musculatura suficiente para que, se o governo investir e começar a atuar, em dois, três anos, ele se recupere.”
“O negacionismo que temos agora, não sejamos ingênuos, é uma pseudociência intencional. Eles usam as ferramentas que temos [de comunicação] para contra-atacar modelos e resultados científicos que vão contra sua zona de conforto, seus interesses ideológicos, interesses econômicos. Isso é pensado, não é uma coisa ingênua. E o que nos preocupa é quando isso cai nas mãos de políticos.”
“Uma vez estava sobrevoando a Amazônia com uma repórter holandesa que estava no Brasil. E ela disse: “Estou há três semanas no Brasil e ouço essa história de que tem gente do governo dizendo que a Terra é plana. Os ministros da Educação, da Ciência e Tecnologia, não publicaram um artigo explicando que isso está errado?”. É exatamente isso que me assusta, que temos políticos assim. Porque o Marcos Pontes [ministro da Ciência e Tecnologia] não publicou um artigo assim? Certamente medo de ferir o Presidente.”
“Esse é o problema da hierarquia militar na Ciência. Não pode ter! São incompatíveis. Não existe nenhuma hierarquia quando se trata de questões científicas”.
“O desenvolvimento sustentável é o desafio mais complexo enfrentado pela humanidade em sua história. As políticas de desenvolvimento sustentável devem ser formadas pelos melhores conhecimentos e práticas disponíveis para os seres humanos. A criação de conhecimento científico e as plataformas de tomada de decisão devem estar a este respeito intrinsecamente ligadas.”
“Nossa população cria resistência à ciência pelo modo como ela é ensinada. Essa situação tem que mudar, começando pelo salário dos professores. Nós temos no Brasil uma deficiência de 44 mil professores de Física. Tem lugares no Brasil que a escola passa o ano sem professor de Química, Física e às vezes Biologia. Os alunos vêem hoje experimentos como um ato de circo, não conseguem entender a dinâmica por trás dele.”
“A comunidade científica não está preparada para comunicar ciência pelas redes sociais”.
“Eu sou cientista e meu respeito pela ciência é fundamental. Eu não aceito que a ciência esteja sob julgo de ideologia de lado nenhum”.
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“O INPE está abandonado”, diz Ricardo Galvão, ex-diretor do instituto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU