09 Junho 2022
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 08-06-2022.
Em seu ciclo de catequese sobre a velhice, o Papa Francisco conta com a figura de Nicodemos, um dos líderes judeus que seguiam secretamente a Jesus, para explicar como é possível renascer espiritualmente. A situação atual, segundo o Papa, é que "vivemos numa época em que o mito da eterna juventude é uma obsessão" e em que "a velhice é desprezada, esquecendo que a vida terrena é um 'começo' e não um 'começo' conclusão'”, porque caminhamos para a eternidade e para o “céu de Deus”. Por isso, “a velhice é um momento especial para dissolver o futuro da ilusão tecnocrática da sobrevivência biológica e robótica, mas sobretudo porque se abre à ternura do ventre criador e gerador de Deus”.
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Entre as figuras mais relevantes dos idosos nos Evangelhos está Nicodemos – um dos líderes dos judeus – que, querendo encontrar Jesus, mas às escondidas, foi ter com ele à noite (cf. Jo 3,1-21). Na conversa de Jesus com Nicodemos, emerge o coração da revelação de Jesus e da sua missão redentora, quando diz: "Porque Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (v. 16).
Jesus diz a Nicodemos que para “ver o reino de Deus” é necessário “renascer do alto” (cf. v. 3). Não se trata de começar a nascer de novo, de repetir nossa vinda ao mundo, esperando que uma nova reencarnação abra novamente nossa possibilidade de uma vida melhor. Essa repetição não faz sentido. Além disso, isso esvaziaria a vida vivida de todo sentido, cancelando-a como se fosse uma experiência fracassada, um valor vencido, um vazio a perder. Não, não é isso. Esta vida é valiosa aos olhos de Deus: identifica-nos como criaturas amadas por Ele com ternura. O “nascimento do alto”, que nos permite “entrar” no reino de Deus, é uma geração no Espírito, uma passagem pelas águas rumo à terra prometida de uma criação reconciliada com o amor de Deus.
Nicodemos interpreta mal esse nascimento e questiona a velhice como prova de sua impossibilidade: o ser humano envelhece inevitavelmente, o sonho da eterna juventude se afasta definitivamente, a consumação é o pouso de qualquer nascimento no tempo. Como você pode imaginar um destino que tem a forma de nascimento?
A objeção de Nicodemos é muito instrutiva para nós. Com efeito, podemos investi-la, à luz da palavra de Jesus, na descoberta de uma missão própria da velhice. De fato, ser velho não só não é um obstáculo ao nascimento do alto de que Jesus fala, mas torna-se o momento oportuno para iluminá-lo, dissolvendo-o do erro de uma esperança perdida. Nossos tempos e nossa cultura, que mostram uma preocupante tendência a considerar o nascimento de um filho como simples questão de produção e reprodução biológica do ser humano, cultivam o mito da eterna juventude como a obsessão – desesperada – da carne incorruptível. Por que a velhice é – em muitos aspectos – desprezada? Porque traz provas irrefutáveis da destituição desse mito.
A técnica se deixa atrair por esse mito em todos os sentidos: esperando vencer a morte, podemos manter o corpo vivo com remédios e cosméticos, que retardam, escondem, eliminam a velhice. Naturalmente, uma coisa é o bem-estar, outra é alimentar o mito. Não se pode negar, porém, que a confusão entre os dois aspectos está criando em nós uma certa confusão mental. Você luta tanto para alcançar a juventude eterna e parecer jovem. Uma sábia atriz italiana, Magnani, quando perguntada se queria tirar as rugas: Não toque nelas, porque gastei muitos anos para conseguir.
A vida na carne mortal é um belo “incompleto”: como certas obras de arte que justamente por serem incompletas têm um encanto único. Porque a vida aqui embaixo é "iniciação", não realização: viemos ao mundo assim, como pessoas reais, para sempre. Mas a vida na carne mortal é um espaço e um tempo muito pequenos para preservar intacto e cumprir a parte mais valiosa de nossa existência no tempo do mundo. A fé, que acolhe o anúncio evangélico do Reino de Deus a que estamos destinados, tem um primeiro efeito extraordinário, diz Jesus. Ele consente em “ver” o reino de Deus. Tornamo-nos capazes de ver de fato os muitos sinais que se aproximam de nossa esperança no cumprimento daquilo que, em nossa vida, traz o sinal do destino para a eternidade de Deus.
Os sinais são os do amor evangélico, iluminados de muitas maneiras por Jesus. E se podemos "vê-los", também podemos "entrar" no reino, com a passagem do Espírito pela água que regenera.
A velhice é a condição, concedida a muitos de nós, em que o milagre deste nascimento do alto pode ser intimamente assimilado e tornado credível para a comunidade humana: não comunica saudade do nascimento no tempo, mas amor pelo destino final. Nessa perspectiva, a velhice tem uma beleza única: caminhamos em direção ao Eterno. Ninguém pode voltar a entrar no ventre da mãe, nem mesmo seu substituto tecnológico e consumista. Seria triste, mesmo que fosse possível. O velho caminha para a frente, rumo ao destino, rumo ao céu de Deus. O velho caminha com sua sabedoria. Por isso, a velhice é um momento especial para dissolver o futuro da ilusão tecnocrática da sobrevivência biológica e robótica, mas sobretudo porque se abre à ternura do ventre criador e gerador de Deus. Gosto de sublinhar esta palavra: a ternura do velho, com que olham ou acariciam seus netos, que abre a porta para compreender a ternura de Deus. Que o Espírito nos conceda a reabertura desta missão espiritual – e cultural – da velhice, que nos reconcilia com o nascimento do alto. Os velhos são os mensageiros do futuro e da ternura e sabedoria de uma vida vivida. Vá em frente e cuide dos idosos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Papa denuncia: “Vivemos numa época em que o mito da eterna juventude é uma obsessão” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU